Carisma é poder e vencer. É ser capaz de motivar. É saber transmitir um ideal de futuro. Já foi considerado um dom oferecido pelos deuses. Ou a qualidade de um indivíduo que distingue alguém dos outros. Políticos, atores e desportistas conseguem isto melhor do que ninguém. E os relógios? O que nos dizem sobre quem os usa?
Artigo originalmente publicado no número 76 da Espiral do Tempo (outono 2021)
Imagem de abertura: Amanda Seyfried, amiga da Jaeger-LeCoultre. | © Jaeger-LeCoultre
O realizador Sydney Pollack disse, um dia, para quem o quisesse ouvir: «Não chega ser bom ator. É preciso ter-se carisma. Conseguem imaginar Casablanca sem Bogart e Bergman?» Não, ninguém consegue. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman são como o Sol num tempo de trevas. Durante o filme, todos os olhares estão focados neles, como se nada mais existisse. É o carisma que os torna centros de energia, aquela que contagia todos os que estão defronte deles. Ambos simbolizam o amor em tempos de fuga. É isso que os distingue, tal como alguns desportistas, atores, músicos ou políticos. O que une nomes como Winston Churchill, John F. Kennedy, Novak Djokovic, Madonna, Mick Jagger, Roger Federer, Cristiano Ronaldo ou Usain Bolt? Carisma.

Há algum tempo a revista France Football comparava Pelé a Messi. De acordo com a publicação, o brasileiro representava «a perfeição» e o argentino, «a magia». Mas Messi, sem bola, «não tem o mínimo interesse». Quanto ao carisma, Pelé tinha vantagem, pela «voz grave, pela intensidade no olhar e o eterno sorriso». Messi, pelo contrário, é discreto e «procura a sombra no seu dia a dia». Ou seja, Pelé era um líder. Messi é apenas um génio. Talvez esteja aqui — apesar de ambos serem vencedores — a diferença entre um líder carismático e aquele que não o é, embora ambos sejam ídolos seguidos por adeptos que encontram neles o exemplo perfeito para as suas vidas, e que sejam o ideal que perseguem.

O carisma é, desde logo, um elemento integral da boa liderança. Porque é que uns o têm e outros não? O segredo deste estranho magnetismo é mais fácil de identificar do que explicar. Os antigos gregos consideravam que carisma significava «favor divino», um dom oferecido pelos deuses. Já o sociólogo Max Weber referia que era uma determinada qualidade de um indivíduo que o distinguia dos outros e lhe atribuía poderes ou qualidades excecionais. Nos nossos tempos, com o poder mediático das personalidades e das marcas, reconhece-se que os líderes carismáticos são os que conseguem conectar-se com as outras pessoas de forma direta, apelando a experiências memoráveis, e propõem um futuro que todos desejam. Não se escondem e aparecem nos momentos difíceis. Aproveitam todas as oportunidades para convencer os outros das suas opiniões. Falam, mesmo quando o silêncio é total à sua volta. Destacam-se. Dizem que as principais qualidades que tornam um político carismático são a honestidade, a liderança natural, a sua empatia com as pessoas normais, a capacidade de expor as coisas em que acredita, ser decisivo, eficaz em momentos de crise, ter sentido de humor, ser confiável e parecer inteligente. No desporto, o carisma reflete liderança e, sobretudo, ambição e sucesso. Quem tem carisma vence.
→Humphrey Bogart e Ingrid Bergman são como o Sol num tempo de trevas. Durante o filme todos os olhares estão focados neles, como se nada mais existisse. É o carisma que os torna centros de energia, aquela que contagia todos os que estão defronte deles.
O carisma é uma qualidade desejável. É certo que, muitas vezes, um político não é eleito porque tem muitas qualidades, mas sim por razões superficiais. Aparecer muitas vezes na televisão é uma delas. Hoje, com a febre das redes sociais, confunde-se carisma com ser seguido por muitas pessoas. Ou seja, o conceito de carisma está a tornar-se algo mais fluido, menos concreto. Ainda assim, continua a ser um elemento crucial nas nossas sociedades, desejosas de modelos e heróis onde é possível refletir as nossas esperanças. A história dá-nos, também, boas lições sobre a evolução das caraterísticas do carisma, seja através da história, dos contos de fadas, das peças de teatro de Shakespeare ou dos discursos de líderes. Mas as coisas mudaram. Na Grécia Antiga, os reis necessitavam de ser filósofos. Na Idade Média, os líderes precisavam de ser bravos guerreiros. Nos nossos dias, parece importante ter uma boa aparência televisiva.

A questão da emoção é fundamental no desporto. Mas aí, para se vencer e se ser um ídolo carismático, é importante ser muito bom no que se faz. E vencer. Para entender um pouco melhor tudo isto, regressemos ao berço do mundo ocidental: a Grécia Antiga dos jogos olímpicos. Os jogos olímpicos influenciaram a noção de democracia, porque eram abertos a todos os gregos livres, independentemente da sua riqueza ou do seu estatuto. O primeiro vencedor olímpico, Koroibos, era cozinheiro. O prestígio para o vencedor e para as cidades de onde eram originários era tão grande que estas davam incentivos aos atletas pelas suas vitórias. Tornavam-se ídolos carismáticos. Dava-se, na época, valor à força, à virtude, à disciplina, ao valor, ao bem-estar físico. Todos eram iguais, porque participavam nus. Não havia, assim, distinções entre um atleta rico ou pobre. Essa igualdade era um dos valores básicos da democracia. Um segundo par de valores estava ligado ao valor e à coragem (que, do desporto, se transferia para a ‘coragem política’, ligado ao valor da democracia em funcionamento). Na altura, os políticos tinham de responder perante decisões erradas e podiam ser punidos ou exilados. Ao contrário de hoje. E não podemos esquecer que o ideal do atleta tornou-se um ideal artístico para os escultores gregos e romanos, para pintores, poetas e filósofos, como os «belos e bons». O carisma refletia-se nessas obras de arte.

→ Os relógios transmitem o sentido de estilo e personalidade. O célebre ‘carisma’. São talismãs de quem se é. Quando, num leilão, se adquire um relógio de uma figura pública, está a adquirir-se uma projeção da mesma. Algo do seu caráter está ali.
Política e desporto sempre estiveram unidos pelo carisma, e essa relação emocional continua presente. Não admira que as grandes marcas de relógios busquem, no mundo do desporto, atletas que possam refletir os seus valores e simbolizem as suas qualidades. Num mundo rápido, heróis carismáticos e relógios com personalidade forte e perene, são uma aliança de ouro. Um relógio transmite um estilo próprio. Um relógio diz muito sobre uma pessoa. São vários os estudos que nos dizem isso: se tem sucesso, se deseja trabalhar no duro e arriscar para vencer, se tem bom-gosto e aprecia as coisas boas da vida (caso da Rolex), se é poderoso (o caso de um Patek Philippe), se pertence a alguma elite (IWC), se é um aventureiro com uma vida ativa com glamour (Breitling ou Omega, com as suas associações aos pilotos de aviões ou a 007), se é sofisticado (um Cartier), se é um apaixonado por relógios e aprecia a qualidade técnica aliada à estética (um Breguet, um Vacheron Constantin ou um Jaeger-LeCoultre). Os relógios transmitem o sentido de estilo e personalidade. O célebre «carisma». São talismãs de quem se é. Quando, num leilão, se adquire um relógio de uma figura pública, está a adquirir-se uma projeção da mesma. Algo do seu caráter está ali. Regressemos à história: o Longines de Albert Einstein foi comprado num leilão em Nova Iorque, em 2008, por 596 mil dólares. Um relógio de bolso do Mahatma Gandhi, que não funcionava, foi vendido com as suas sandálias e prato de sopa por mais de dois milhões de dólares, em 2009. E os relógios de Steve McQueen têm sempre compradores que pagam centenas de milhares de dólares por eles. Não é apenas o valor monetário que está em jogo. É a carga emocional de ter algo que foi de alguém que sobreviveu ao tempo. Além disto, estes vintage trazem o carisma da deterioração pela idade, a patina que não pode ser falsificada. Ao usá-los, comunica-se uma longa história de cultura e riqueza. Seja isso verdade ou não.

Os relógios dizem muito sobre um político ou um desportista. Mas estes, claro, podem ser patrocinados. Aqueles, não. E, assim, não admira que as principais marcas se liguem a personalidades do desporto e que estas funcionem como a imagem das mesmas. Tenistas ou futebolistas transportam um ideal, uma filosofia ou uma história que cada marca também quer dar de si. Estas buscam os representantes dos seus ideais. Recentemente, Novak Djokovic, o tenista que pulveriza quase todos os recordes, juntou-se à família Hublot (onde já orbitavam lendas como Pelé, Kylian Mbappé, Usain Bolt). É um dos seus embaixadores. Um vencedor com um carisma hipnótico. A Hublot encontra nele um espelho daquilo que é: a busca da excelência e do desempenho.

A Rolex, por seu lado, aposta em Tiger Woods e Roger Federer, dois dos atletas mais bem pagos do mundo segundo a Forbes. Ambos simbolizam o sonho de diferentes gerações, porque se têm mantido como vencedores ao longo dos anos e, por isso, o seu poder de atração é enorme. O estilo clássico de Federer é próximo da perfeição. Já as caraterísticas de Rafael Nadal enquadram melhor na Richard Mille, de que é embaixador. Poder, exuberância, força. Não por acaso, o trabalho do tenista e da marca tem sido profícuo, incluindo os modelos Tourbillon RM 027 Rafael Nadal, reconhecidos pela sua leveza e durabilidade. A escolha de embaixadores das marcas têm a ver com a personalidade destes e a forma como se ajustam aos valores daquelas. Assim, Charlize Theron, Brad Pitt ou Adam Driver são caras da Breitling; Naomi Osaka, da TAG Heuer; Daniel Craig, da Omega; Amanda Seyfried e Benedict Cumberbatch, da Jaeger-LeCoultre; Jay Chou e David Beckham são embaixadores da Tudor, Serena Williams tem uma ligação à Audemars Piguet; Maya Gabeira e Gisela Pulido à TAG Heuer, Simon Baker e Kate Winslet à Longines.

A Omega aposta ainda em nomes como Cindy Crawford e Kaya Gerber; a Rolex, em Jackie Stewart; e DJ Snake e Chiara Ferragni assinaram pela Hublot. Mas o que nos diz sobre as celebridades a escolha pessoal de relógios? Leo Messi começou a colecionar relógios Audemars Piguet em 2005; Thiago Alcântara, do Liverpool, usa Rolex, mas o seu colega, o rigoroso Virgil van Dijk, prefere a Audemars Piguet, tal como Neymar, do PSG. Já Dyballa, da Juventus, Harry Kane, do Tottenham, ou o português Ruben Dias, do Manchester City, são fãs da Patek Philippe. O certo é que os fãs olham para o que eles usam e refletem sobre as tendências e a personalidade de cada um. Cristiano Ronaldo costuma ser visto a usar diversas marcas, nomeadamente, Franck Muller e Rolex. Mbappé tem um Hublot Big Bang especial. Robert Lewandowski tem vários Patek Phillipe e Audemars Piguet. Zlatan Ibrahimović usa Rolex e Patek Philippe. Todos são relógios caros. Mas, em face dos valores que cada marca condensa, onde estão as relações profundas com os utilizadores? Parecem ser evidentes.
→ O carisma é, desde logo, um elemento integral da boa liderança. Porque é que uns a têm e outros não? O segredo desse estranho magnetismo é mais fácil de identificar do que explicar. Os antigos gregos consideravam que carisma significava ‘favor divino’, um dom oferecido pelos deuses.
Já os políticos escolhem, normalmente, os relógios que usam. Compram-nos ou, nalguns casos especiais, são-lhes oferecidos. Num dos cargos mais escrutinados da atividade política, o de presidente dos Estados Unidos, o pulso diz muito sobre quem é o comandante em chefe. No tempo de George Washington ou Lincoln, os presidentes usavam relógios de bolso. Eram instrumentos práticos e não algo que dissesse muito sobre o homem que os tinha. Mas tudo evoluiu. Franklin Delano Roosevelt foi o presidente que fez a transição do relógio de bolso para o de pulso, tal como presidiu à alteração do paradigma económico (da economia pura de mercado para o New Deal, com forte presença do Estado) e de uma posição neutral na guerra, para uma atuação ativa no segundo conflito mundial. O relógio que usava era um Movado triplo calendário, que era da Tiffany & Co. Muitos dos presidentes americanos usaram relógios oferecidos em ocasiões especiais. ‘Ike’ Eisenhower, tendo sido o chefe da NATO na Europa, usava um Rolex, o número 150 mil certificado pela marca, tal como tinha um Vacheron Constantin, que lhe foi oferecido, e a outros líderes mundiais, na Conferência de Genebra de 1955. Já Richard Nixon tinha à sua espera um Vulcain de edição limitada, comemorativa da Apollo 11, mas teve de recusar, porque o seu valor ultrapassava o limite de uma oferta. Gerald Ford foi presidente durante a crise do quartzo. Em conjugação com a época, usava um Pulsar, mas também um Vulcain Cricket, que lhe foi oferecido por um joalheiro finlandês, no 20.º aniversário da celebração dos Acordos de Helsínquia. John F. Kennedy será sempre recordado pela sua juventude, pelo seu estilo e carisma. Usava um Omega, que levou para a Casa Branca. A sua mulher ofereceu-lhe um Cartier Tank, que envergava quando foi assassinado em 1963. Donald Trump era eclético. Usou Vacheron Constantin, Rolex e Patek Philippe.
Já Joe Biden é um conhecido colecionador de relógios e revela alguma variedade de gosto. Tem desde Seikos de preços simpáticos a modelos Omega Speedmaster e Seamaster. No dia em que tomou posse, usou um Rolex Datejust, uma prenda da mulher. Não passou despercebido ao tornar-se no primeiro presidente a usar um Apple Watch e tem um Vulcain Cricket. George W. Bush usava Timex muito baratos, tendo em conta as suas origens texanas, longe das elites de Washington ou Nova Iorque. Barack Obama foi visto a usar por diversas vezes um TAG Heuer Series 1500, depois passou a usar um relógio Jorg Gray, oferecido pelos Serviços Secretos. Mas, desde que deixaram a Casa Branca, quer ele, quer Bill Clinton foram vistos a usar Panerai e Rolex.

Sendo assim, o relógio que cada um usa pode ajudar a definir o seu estilo e a sua personalidade. Pode também contribuir para o seu carisma. E o carisma continua a ser um valor determinante, que se vai forjando com o tempo, mas que define um atleta, um político ou um empresário. Steve Jobs, o antigo líder da Apple, é, ainda hoje, considerado um exemplo de liderança carismática. Conseguia criar impacto através da sua extraordinária capacidade de síntese. Mostrava os benefícios (quem escuta precisa de saber o que ganhará com o que alguém diz), usava palavras-chave, como «magnífico», «assombroso» ou «espetacular» para pautar as suas afirmações. Era motivador em face dos objetivos. E era fascinado pelo futuro, sempre de forma impaciente, como fosse preciso fazer mais alguma coisa para o alcançar. Simbolizava, na perfeição, o líder carismático.