Tempos houve em que os autores de lendários relógios permaneciam incógnitos ou estavam confinados a uma cláusula de confidencialidade. Ainda hoje, salvo raras exceções entre o passado e o presente, são desconhecidos do grande público. Na classe dos designers especializados em relojoaria (os designers/conceptistas de movimentos estão noutro plano) reunimos alguns dos protagonistas que dão rosto ao tempo para, ao longo das próximas semanas, dar a conhecer a sua filosofia estética, as suas criações e os seus pareceres sobre a sua atividade. E começamos assim com Eric Giroud, talvez o mais profícuo da atualidade.
—
Versão completa do perfil de Eric Giroud, publicada no número 69 da Espiral do Tempo.
Após vários contactos de ocasião ao longo dos tempos, estabelecemos a primeira entrevista mais formal com Eric Giroud durante a Dubai Watch Week — o designer suíço do cantão francófono do Valais tinha utilizado a expressão ‘relógios sexy’ enquanto membro do painel de um dos fóruns promovidos e foi precisamente por aí que iniciámos a conversa. Afinal, o que é que dá a conotação sexy ou sensual a um relógio, aquele je ne sais quoi que o torna particularmente atraente? «A capacidade de mexer com a emoção das pessoas, aquela qualidade intangível que transforma o simples gostar em paixão», respondeu. Não há dúvida de que Eric Giroud sabe como desenhar relógios com sex-appeal, capazes de capturar o imaginário dos aficionados e de fazerem sentir especiais os seus donos.

Eric Giroud parece mais jovem do que na realidade é, mantendo a sua caraterística aura de jovem intelectual com os seus óculos de massa. Arrancou profissionalmente na área da arquitetura em 1989, até que foi desafiado a desenhar relógios em 1997. «Comecei na arquitetura, onde aprendi a ‘fazer amizade’ com as restrições. Os relógios surgiram um pouco por acaso, porque trabalhava numa agência que desenhava todo o tipo de objetos. Houve uma encomenda na área da relojoaria e fiquei intrigado; comecei a estudar o tema e foi então que descobri a paixão que a envolvia os relógios, as pessoas por trás das marcas. Comecei a desenhar mostradores para a Tissot e para a Mido. Foi um processo gradual a partir daí».

Em 1998, criou o seu estúdio de design dedicado à relojoaria e destaca como o seu primeiro grande projeto o PRS 516 da Tissot, em 2004. Um cronógrafo com aspeto racing. O campo de intervenção de Eric Giroud tem sido extremamente alargado e pode dizer-se que vai de um extremo ao outro do espectro estético e até mesmo no que diz respeito ao preço da peça e aos seus próprios honorários. Porque Eric Giroud é tão competente a criar uma estética de raiz, como a dar pequenos retoques de atualização estética ou ergonómica que transformam um design que já de si é bom em algo ainda melhor. Como se fosse um cirurgião plástico relojoeiro.

O talento do designer helvético estende-se desde os modelos mais clássicos de uma tradicional manufatura secular como a Vacheron Constantin até às mais estrambólicas criações independentes, como o Sequential One da defunta MCT ou as fantasiosas Horological Machines imaginadas por Max Büsser para a MB&F. Entre as mais recentes apresentações de vulto no panorama relojoeiro, está mesmo uma com a assinatura de Eric Giroud para a MB&F — que desenhou o Legacy Machine Thunderdome apresentado a 3 de dezembro de 2019, numa colaboração com os mestres Kari Voutilainen (movimento de base e sua decoração, acabamento guilloché no mostrador) e Eric Coudray (turbilhão triaxial).

O seu trabalho pode ser também encontrado em marcas joalheiras como a Swarowski ou a Van Cleef & Arpels. «No campo das joias e dos chamados relógios-joia, a liberdade de design é maior». E com essa liberdade vem também o eterno duelo entre relógios redondos e os chamados ‘de forma’ — ou seja, todos os que não assumam o habitual formato circular. «É mais fácil para mim desenhar relógios de forma que sejam verdadeiramente originais do que relógios redondos, porque são muitos mais».
Eddy Schöpfer como referência
Entre os designers da geração anterior à sua destaca imediatamente um nome: «Eddy Schöpfer era um mágico». Eddy Schöpfer ficou conhecido por desenhar o Sport Classic, estreado pela Ebel em 1977, mas que se tornou num dos grandes ícones dos anos 80 e inícios da década de 90, preferido aos agora mais conhecidos Royal Oak e Nautilus; também foi o autor do S/El da TAG Heuer celebrizado no pulso de Ayrton Senna e fez depois a atualização do próprio design na série Link. Pode dizer-se que Eric Giroud é o Eddy Schöpfer do século XXI. Nos últimos tempos tem tido projetos tão ecléticos como as peças de mostrador colorido dégradé da Matthey-Tissot abaixo dos 1000 euros, os relógios integrados de forma da nova marca Charles Zuber, o Régulateur Excellence da Louis Érard, todos os Speake-Marin mais recentes e ainda coleção de estética minimalista assente um submostradores da Tulloch.

«Adequo-me bem ao desafio, seja um projeto de relógios de 100 euros ou algo de único como os Opus da Harry Winston. E quais os seus preferidos? «Acho que as minhas preferências estão ligadas a momentos específicos da minha carreira, da minha vida. Mas poderia destacar o Opus 9 com Jean-Marc Wiederrecht para a Harry Winston e os Legacy Machine para a MB&F.», dois projetos baseados na ideia ‘colaboracionista’ de Max Büsser, que transportou precisamente o conceito da Harry Winston para a sua própria marca MB&F. E esse é o ponto forte de Eric Giroud: transformar designs conceptuais em realidade funcional. Porque a distância entre o abstrato e o funcionamento é muitas vezes impossível de concretizar.

Quanto a relógios desenhados por outrém, não hesita em elogiar a estética F.P. Journe: «Aprecio muito os relógios F.P. Journe. O François-Paul deu-lhes uma identidade muito forte, com códigos muito fortes. São belos!». Curiosamente, Eric Giroud não gosta muito de usar relógios desenhados por si. Não causa admiração o facto de optar frequentemente pelo Octa Réserve de Marche da F.P. Journe e por um Patrimony da Vacheron Constantin. E da sua alargada coleção tem um modelo vintage que destaca especialmente: o cronógrafo Heuer Carrera ref. 1158CHN dos anos 70 — até porque existe um valor sentimental suplementar que lhe está associado: Jack Heuer é tio da sua mulher.

Na sua carreira, o designer suíço tem acumulado os mais prestigiados galardões existentes na relojoaria, desde prémios no Grand Prix d’Horlogerie de Genève até aos Red Dot Awards. É, desde 2015, membro do Conselho Cultural da Fundação da Alta Relojoaria para as áreas do estilo, design e competência artística. E é, sobretudo, um grande senhor da relojoaria!
—