O mundo é dos influenciadores?

De um momento para o outro, os influenciadores digitais conquistaram o mundo e, claro, as marcas de luxo. Para trás, ficaram os meios de divulgação habituais. Mas chegam agora novos tempos: os da autenticidade, da confiança e da exclusividade. Sobreviverá a maioria dos influenciadores a estes tempos?

Os influenciadores digitais (influencers) estão em todas as esquinas da Internet. No Youtube, no Instagram, no Twitter, no Facebook; desafiam os fãs a seguirem os seus humores e as suas paixões. Serão eles a grande força da rede? Donos de blogues e de canais de sucesso nas redes sociais, os influencers têm mudado a forma como as informações são consumidas no mundo digital, e essa mudança é tão poderosa que contaminou os meios de comunicação e a publicidade. Foi uma corrida rápida: começou com os blogues, mas ganhou um poder enorme quando passou a ocupar o lugar da frente em veículos como o Youtube ou o Instagram. Os criadores de conteúdos passaram a ser o centro das atenções.

© Paulo Pires / Espiral do Tempo
© Paulo Pires / Espiral do Tempo

Os números são demolidores: segundo a MediaKix, os marketeers vão gastar, este ano, 8,5 mil milhões de dólares com influenciadores, e a montanha russa subirá até aos 10 mil milhões de dólares, em 2020. Não é para admirar: Kim Kardashian ganha, por post, cerca de 300 mil dólares. Até aos micro-influenciadores ganham alguma coisa do gigantesco bolo. Ficar famoso na Internet tornou-se um (bom) negócio. Os influenciadores digitais tornaram-se as novas estrelas do mundo publicitário e passaram a disputar a atenção com os media tradicionais. Os dados relativos às audiências parecem dar-lhes razão. Mas será assim? Nunca se falou tanto de influencers (ou influenciadores) como nos últimos anos. Tornaram-se famosos por serem famosos nas redes sociais, devido ao seu elevado número de contactos e seguidores no Facebook ou no Instagram (ou nas novas redes que vão surgindo). E são, cada vez mais, mensageiros privilegiados para atividades comerciais e publicitárias. Com a enorme influência das redes digitais, tornaram-se um meio quase perfeito para as empresas divulgarem os seus produtos. Divulgam e, pouco ou nada, opinam. E, se o fazem, é de forma positiva. O poder direto dos influenciadores — que, provavelmente, devem o seu nome ao livro Influence: Science and Practice, de Robert Cialdini — revelou-se um poder enorme. O que não é surpreendente.
As empresas de todas as áreas de consumo seguem-nos com atenção. Não é um acaso. A ascensão dos influenciadores está ligada a mudanças fundamentais na indústria do luxo e, claro, na conexão digital e tecnológica de todo o mundo. Um estudo de 2017 da consultora Bain indicava que os millennials (geração que nasceu entre 1980 e 1996) representavam já 30% dos consumidores de produtos de luxo. E eles estão profundamente ligados ao mundo digital. Os investimentos das marcas no marketing junto dos influenciadores foram também catapultados pela crescente popularidade do software de bloqueio de publicidade na Internet, pondo em causa os seus gastos em anúncios. Para lá disso, as empresas passaram a incluir posts pagos em blogues, e este estilo de conteúdos avançou para revistas e jornais. Jean-Claude Biver, CEO da TAG Heuer e presidente da divisão de relógios da LVMH, disse ao Financial Times que: «A nova geração é um mercado importante, porque é um grande mercado e é o mercado de amanhã». Notava ele que associações com embaixadores como Cristiano Ronaldo ou a modelo Bella Hadid, que têm, respetivamente, 118 milhões e 16,5 milhões de seguidores no Instagram, resultaram no aumento da presença de millennials na base de consumidores da marca.

Na perspetiva das marcas de relógios e de joias, as colaborações têm mais sucesso se os influenciadores acabarem por estabelecer uma relação genuína de afeição com os produtos que lhes foram oferecidos e os usarem além do período contratual. A seletividade também é importante para os influenciadores. Um caso exemplar é o de Chiara Ferragni, uma celebridade das redes sociais que colabora com a Cartier desde 2014, em projetos como o Panthère. A Cartier foi uma das pioneiras da ligação às redes sociais, sobretudo nas linhas de braceletes e joalharia. Mas é aqui que surge o reverso da medalha. Olivier Billon, um dos pioneiros do marketing influenciador, cujo primeiro trabalho na área dos relógios foi com o Dior VIII, em 2011, para o qual orquestrou um encontro de influenciadores em Paris a favor da marca, diz que as marcas devem ter cuidado, para não dependerem apenas dos conteúdos gerados pelos influenciadores. O que é preciso é um balanço entre o conteúdo dos influenciadores e o conteúdo mais vasto das marcas, diz. Até porque as autoridades, sobretudo nos EUA, já têm investigado conteúdos pagos para proteger os consumidores.

Um estudo de 2017 da consultora Bain indicava que os millennials (geração que nasceu entre 1980 e 1996) representavam já 30% dos consumidores de produtos de luxo. E eles estão profundamente ligados ao mundo digital. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Um estudo de 2017 da consultora Bain indicava que os millennials (geração que nasceu entre 1980 e 1996) representavam já 30% dos consumidores de produtos de luxo. E eles estão profundamente ligados ao mundo digital. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Depois da bonança, chegou a tempestade: as marcas têm de saber separar o trigo do joio, e não acharem que todos os influenciadores são importantes. Até porque vão-se sucedendo os casos de influenciadores muito famosos que fracassaram na criação de marcas próprias. Têm pés de barro. Até porque a Geração Z, que cresceu nos anos de austeridade, guerras e constante mutação das tecnologias, chegou ao mercado de trabalho e tem outra lógica de pensar. Ao contrário dos millennials, dá mais valor ao dinheiro e é atraída por lógicas de exclusividade. Ou seja, depois da massificação, o luxo e o prestígio vingaram-se e estão a regressar em força. Assim, a lógica de algumas marcas de luxo apostarem de forma cega em todos os influenciadores possíveis parece já uma coisa do passado. Agora os valores são: confiança, credibilidade e conhecimento. O poder dos influenciadores baseia-se agora na sua capacidade para influenciar através da autenticidade. Para marcas de luxo, ter seguidores que representam algo, a começar pela própria filosofia da marca, é mais importante do que o número de seguidores de um influenciador.

A nova tendência visível é a de algumas marcas de produtos de luxo estarem a mudar o seu foco: preferem a qualidade à quantidade, quando estão a trabalhar com social influencers. Em troca, a marca recebe o benefício da autenticidade, histórias mais credíveis, e a hipótese de atingir uma audiência mais focada. Os pequenos influenciadores têm, normalmente, seguidores mais fiéis do que outros que, tendo muito mais, os dividem com concorrentes. Ainda assim, os influenciadores também são uma boa forma de as marcas estudarem os seus consumidores. E de perceberem o que estes desejam e o que os motiva. Ou seja, neste novo ciclo que já se faz sentir, as marcas não devem olhar para eles apenas como painéis de publicidade, porque muitos deles são máquinas de negócio. Os consumidores também começam a fazer escolhas: aqueles que parecem mais permeáveis comercialmente — representam todas as marcas possíveis — começam a ser repudiados.

© Paulo Pires / Espiral do Tempo
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A importância dos influenciadores nas estratégias de marketing das marcas abriu uma caixa de Pandora: as marcas procuram crescimento contínuo e isso é o oposto de exclusividade. Luxo sem exclusividade não é luxo. Esta era do ‘luxo para todos’, onde os influenciadores nadaram livremente, está a chegar ao fim. Novos tempos se aproximam.

Crónica originalmente publicada no número 69 da edição impressa da Espiral do Tempo.

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