EdT57 — Mais do que nos relógios, a Dubai Watch Week (DWW) centrou-se nas pessoas que compõem o setor, sejam relojoeiros, gestores, colecionadores ou simples entusiastas. Aclamado unanimemente como um evento singular sem paralelo na indústria pela forma como colocou a arte e a paixão pela relojoaria à frente do próprio produto, abordámos alguns protagonistas do evento —para perceber qual o seu significado para o setor.
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Versão completa dos testemunhos publicados na Espiral do Tempo 57 (inverno 2016)
Imagem de abertura: © Sergiy Chmara
Mohammed Seddiqi
COO Seddiqi Holdings; organizador da DWW
O conceito que levou à criação da DWW era o de um evento que se destinava apenas ao mercado local. Tínhamos o objetivo de educar e de demonstrar que o Médio Oriente é um mercado importante que se preocupa com este setor. Quisemos elevar o conceito da relojoaria para o nível seguinte, onde o relógio é visto como um objeto de arte e de cultura.
A DWW permite-nos demonstrar que a indústria não se resume apenas ao produto, mas inclui paixão e amor à arte. Outros eventos similares focam-se essencialmente na venda, enquanto aqui investimos bastante na educação e no conhecimento. Trabalhamos na área do retalho há 65 anos, e, desde que o meu avô iniciou este negócio no final da década de 40, somos uma das poucas empresas familiares com esta dimensão no setor. Quando comecei a trabalhar a tempo inteiro na Seddiqi, eram poucos os que sabiam apreciar uma complicação relojoeira. O relógio era apenas um instrumento destinado a dar as horas e os minutos. Desde então, fomos capazes de mudar a mentalidade das pessoas que começaram a apreciar a relojoaria de outra forma, até mesmo como um investimento a longo prazo.
Aurel Bacs
Leiloeiro — Phillips, Bacs & Russo
Fiquei espantado com a organização do evento. Existem encontros ligados aos relógios, mas o mágico no Dubai foi ver os oradores e os CEO das grandes marcas totalmente acessíveis a uma audiência de colecionadores, partilhando conhecimento e sendo totalmente transparentes. Recordo-me de como não senti nenhuma carga de corporativismo. Tudo me pareceu natural, autêntico. Terá sido o toque mágico da família Seddiqi no que respeita a autenticidade? Terá sido o ritmo dos painéis de discussão ou das entrevistas em que ninguém se sentiu pressionado ou stressado? Em Basileia e no SIHH, toda a gente está sempre stressada, mas a DWW foi como que uma grande reunião de família. E pude sentir por parte da clientela local a satisfação por participar, aprender, por experimentar o mundo da alta-relojoaria. A DWW acabou por ser um evento onde ficou provado que não é possível apreciar ou desejar algo, neste caso um relógio, se não soubermos nada sobre ele. De outra maneira, porque gastaríamos um número com seis dígitos num relógio se não o compreendêssemos, se não o apreciássemos? Por isso, penso que a DWW ajudou a aguçar os nossos sentidos e a compreender o que se passa nos bastidores.
Maximilian Büsser
Proprietário e fundador da MB&F
A DWW é um evento crucial para o nosso setor, porque aqui comunicamos, debatemos e falamos sem querer vender seja o que for. A vertente comercial sobrepôs-se a tudo nos últimos seis a oito anos, e agora estamos a pagar o preço desse excesso. Muitos atores estavam apenas interessados em vender mais. E adivinhem o que aconteceu? Toda a indústria se espalhou ao comprido. Não tenho palavras que cheguem para recomendar o trabalho da família Seddiqi, que, apesar da crise, disse que queria fazer algo onde pudesse partilhar a paixão pela relojoaria. Na última edição, gastaram um milhão de dólares sem expetativa de vender um relógio, e este ano mais que duplicaram o budget, apenas para falar sobre paixão, educação e empenhamento. Hamid Seddiqi foi uma das pessoas que me ajudou a salvar a Harry Winston em 1998, e, em 2005, foi um dos cinco retalhistas que abordei para o primeiro modelo da MB&F, e pedi um terço do valor adiantado para receber os primeiros relógios, apenas dois anos depois. Este género de atitude altruísta é o que representa a família Seddiqi, e apenas eles poderiam ter uma ideia como a DWW.
Philippe Dufour
Mestre relojoeiro
Esta é a minha segunda DWW. No ano passado, fiquei surpreendido com a hospitalidade e a afabilidade com que nos receberam. Não houve arrogância, mas uma simpatia quase desconcertante. Aqui, temos a sensação de nos sentirmos em casa. E depois temos o objetivo deste evento. Claro que, no final, a perspetiva é comercial, mas, no centro, existe o propósito de educar. Acho que o modelo adotado pela DWW é essencial neste momento. Os painéis de discussão revelaram-se interessantes, porque obrigaram as pessoas a fazerem um exercício de autocrítica, numa altura em que o setor precisa de se reavaliar. As pessoas estão conscientes de que esta é uma crise que irá durar, e algumas marcas e protagonistas continuam a negar as evidências. Na primavera, em Hong Kong, visitei boutiques que têm, neste momento, stock para dois anos. Depois, falei com relojoeiros de marcas importantes na Suíça que me dizem que estão adiantados dois anos na produção. Algo tem de mudar. O mercado está cheio de relógios, e só quando conseguirmos limpar o mercado é que a relojoaria irá conseguir arrancar novamente.
Stephen Forsey
Mestre relojoeiro; proprietário e fundador da Greubel Forsey
A iniciativa da família Seddiqi está mais perto da filantropia do que de qualquer perspetiva comercial. O evento está muito bem organizado e parece ter conseguido recentrar a atenção na comunidade que apoia e promove os valores da relojoaria. O interesse na relojoaria teve uma aceleração na última década, e agora tem de evoluir. Existe uma geração de potenciais colecionadores com os quais ainda não nos conseguimos envolver. Dizem que as gerações mais jovens não têm interesse na relojoaria, mas aqui encontramos jovens superinteressados no que estamos a fazer. O facto é que existe uma cultura dos relógios que emana do facto de estarmos a lidar com o tempo, algo que está no centro das nossas vidas. A DWW pode ser parte da mudança que todos ambicionamos. Não é possível continuar a fazer as coisas como temos vindo a fazer. Percebi desde o início que era necessário sair da manufatura e conhecer o colecionador, falar do que fazemos. Com os media digitais e especializados, o nível de conhecimento do público aumentou imenso. A evolução no Dubai é enorme, e em parte deve-se a famílias como os Seddiqi.
François-Paul Journe
Mestre relojoeiro
É a primeira vez que aqui venho, e, sinceramente, sinto-me quase como se estivesse de férias, porque temos aqui um género de organização que proporciona a existência de um espaço central onde toda a gente se reúne e fala. Na Suíça, entre os nossos pares, ficamo-nos por um bom dia, boa tarde, e aqui encontrei pessoas que já não via há bastante tempo. Parece que estamos na antiga Atenas, quando havia filósofos que falavam às pessoas. Aqui, ouvimos os filósofos da relojoaria. Decididamente, a DWW é um evento que me surpreendeu positivamente.
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