Entre o Cognac, conhaque e relógios suíços

Qual relação podemos encontrar entre o Cognac, um conhaque e os relógios suíços? Até há pouco tempo, eu pensaria que não há nada em comum — mas uma experiência recente fez-me perceber algumas semelhanças.

Tudo começou com uma pesquisa na Internet, em busca de informações relativas a um bom conhaque. Descobri que, a exemplo do Champagne, um conhaque só pode adotar a denominação de Cognac se o brandy contiver uvas cultivadas, fermentadas e destiladas na região de Cognac, em França. Já a designação «conhaque» refere-se a bebidas produzidas noutras regiões e, normalmente, vendidas a preços mais acessíveis. Pensando nos custos, optei por um conhaque francês bem avaliado, no lugar de um espanhol, também bem avaliado. Ainda que satisfeito com a minha compra, ficou o desejo da aquisição do legítimo Cognac.

Enquanto apreciava o meu brandy pensava quão o mais saboroso, de facto, poderia ser o seu primo rico e, talvez já inebriado pelo efeito do álcool, lembrei-me de um debate num fórum de relojoaria aqui do Brasil. Sim, nestes tempos de redes sociais, ainda frequento e aprecio um bom fórum de relógios. Nessa ocasião, conversávamos sobre quão Swiss Made é um relógio que estampa no seu mostrador tal designação. A propósito, para exibir essa denominação, um relógio depende de critérios definidos por lei, para proteção de marcas e indicações de origem na indústria relojoeira. Em causa estão critérios como a inspeção final do relógio realizada pelo fabricante na Suíça e pelo menos 60% dos custos de fabrico efetuados na Suíça. Por outro lado, à semelhança dos vinhos franceses, estes relógios adotam critérios específicos para definição das denominações de origem, que podem ser bem restritos.

Quão Swiss Made é um relógio que estampa no seu mostrador tal designação?

E se pensarmos agora num outro produto que tanta afinidade tem com o mundo da relojoaria? O fabrico e comercialização de automóveis é uma indústria global e quase sem fronteiras. Os seus componentes podem ser produzidos nos mais diversos locais e, aqui no Brasil, as grandes fábricas de automóveis são chamadas de «montadoras» sem nenhum constrangimento. Mas, quando compramos um carro, adquirimos também a sua marca e todo o seu ADN. Normalmente, não nos preocupamos com o percentual de componentes produzidos no seu país de origem. Mas um automóvel, por mais de alta gama que seja o seu fabrico, não se compara com todo o trabalho manual e técnicas tradicionais centenárias que envolvem a produção de uma obra prima relojoeira.

Sendo pragmático, faço aqui uma pergunta: na indústria relojoeira suíça atual, quantas marcas e quantos relógios dessas marcas adotam todo este processo artesanal e tradicional de fabrico? Poucos, muito poucos.

Agora volto àquele debate do fórum e pergunto a mim mesmo o quão Swiss Made é um relógio suíço? Mas pergunto também o quanto realmente importa isso, quando temos na nossa mão ou no nosso pulso um belo relógio de qualidade superior, de uma marca que conhecemos e reverenciamos?

Para mim, importa pouco. Para mais, numa rápida pesquisa no site da Federação da Industria Relojoeira Suíça e na leitura da Portaria 232.119 sobre o uso do nome suíço para relógios, percebi a legítima preocupação da indústria e governo em garantir o nome e a qualidade dos seus produtos. No entanto, também notei que os vários requisitos estabelecidos tanto podem facilitar quanto dificultar o seu cumprimento para poderem ostentar o selo «Swiss Made». Existe ainda a preocupação com os abusos no uso desta designação e as reclamações face à dificuldade em cumprir novos critérios que algumas empresas consideram restritivos.

E aí, volto ao exemplo da minha recente experiência com o Cognac e conhaque franceses e arrisco: e se o selo «Swiss Made» fosse exclusivo para os relógios 100% produzidos na Suíça, salvo algumas questões incontornáveis como o fornecimento de matérias primas não disponíveis em quantidades suficientes, e uma nova designação «Swiss Design« fosse pensada para os relógios que atendessem às regras atuais e eventuais adequações ao cenário de uma economia globalizada, sem perder o foco na garantia da qualidade dos relógios e ADN suíço? Desta forma, os relógios Swiss Made 100% suíços poderiam representar um nicho de mercado, de coleções ou edições limitadas específicas das marcas e produções restritas de marcas e relojoeiros independentes. Porém, o selo «Swiss Design», mais adaptado à realidade das marcas e do mercado, poderia viabilizar uma maior democratização no acesso a relógios de qualidade mais acessíveis e a livre concorrência encarregar-se-ia de separar o joio do trigo.

E aí, então, eu poderia apreciar o meu relógio «Swiss Design», degustando um Cognac Francês, acompanhado de um bom Charuto Cubano e chocolate meio-amargo Swiss Made.

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