A Escola Portuguesa de Arte Equestre reside, hoje, na Calçada da Ajuda e reconstitui a Real Picaria, a academia equestre da corte portuguesa do séc. XVIII que funcionou ali ao lado, no Real Picadeiro de Belém. Indissociável desta escola é o cavalo lusitano de Alter, tido por ser o mais antigo cavalo de sela do mundo e por ter caraterísticas únicas para este tipo de arte hípica. Gerida hoje pela Parques de Sintra Monte da Lua, ouvimos o seu administrador, José Lino Ramos, sobre o passado, o presente e o futuro da escola mas, sobretudo, sobre o muito que ela representa para a cultura equestre portuguesa.
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Acolher uma escola que carrega a história que esta carrega é uma grande responsabilidade.
Todos os equipamentos geridos pela Parques de Sintra têm uma enorme visibilidade, acarretam uma grande responsabilidade quer do ponto de vista histórico e cultural, quer do ponto de vista da sua manutenção, da conservação e da fruição do público. Mas é uma responsabilidade que acolhemos com gosto e naturalidade. A Parques de Sintra gere monumentos únicos e os nossos cavalos são, todos eles, únicos na sua diversidade.

Justamente, até porque os cavalos e toda a cultura subjacente à EPAE não são um bem imóvel, inerte.
São seres vivos, têm a sua vontade, os seus dias, os seus humores, os seus cavaleiros preferidos. Nesta forma de montar e de ensino cria-se uma relação íntima entre cavalo e cavaleiro e ambos fazem parte de uma mesma realidade que é a arte equestre portuguesa, inalterável ao longo dos séculos, usando a mesma raça equina, os mesmos arreios, as mesmas vestimentas, os mesmos códigos. O nosso objetivo é transmitir às gerações futuras aquilo que foi e é a nossa arte equestre e o que a diferencia da de outros países.

Esta escola foi criada em 1979, numa altura de enorme instabilidade política e social, com governos de iniciativa presidencial que duravam seis meses. Não é o período que associaríamos imediatamente à criação de uma escola com os contornos desta.
Provavelmente a ideia não terá sido tanto a de criar a escola mas sim a de preservar o património. E em bom tempo o fizeram! A escola faz 40 anos para o ano mas, de facto, ela é herdeira de séculos de tradição. Agora até voltou à sua zona de origem, apesar da nossa ligação ao Palácio de Queluz, porque a Picaria Real se situava onde era o antigo Museu dos Coches, muito perto daqui. Temos a ambição de um dia voltar ao ponto exato de partida e fazer exibições no local original, agora que ele está mais liberto da sua função de exibição de coches. Nós podemos ter muitas praias, iguais a tantas outras no mundo, mas os cavalos lusitanos e a nossa arte equestre são únicos e têm uma presença muito vincada na nossa história.

Justamente, o edifício da Picaria Real, inspirado no picadeiro criado anos antes no Hofburg de Viena – mas mais bonito, diria eu – e que se chegou a pensar que voltasse à sua função inicial, não voltou. Porque é que não?
Do ponto de vista da EPAE acho que faz todo o sentido voltar ao sítio que foi criado para o efeito. Temos o sonho de um dia podermos fazer exibições que transmitam não só a arte equestre portuguesa, mas que elas se façam no sítio original. Agora que o espaço já não tem a mesma função que tinha antes, sonhamos que, não de forma sistemática – até porque as condições que exigimos hoje em dia para o bem estar dos cavalos não são as mesmas de antigamente – mas de uma forma pontual, em momentos de maior significado, possamos voltar a utilizar o recinto original. Admito que existam algumas dificuldades mas nada que tecnicamente hoje não se resolva.

Uma arte preservada em grande medida, sobretudo no séc. XX, graças ao toureio equestre – que manteve o culto dos cavalos lusitanos, os trajes e arreios, a mesma equitação, toda a sorte de exercícios de alta escola.
É um facto. O toureio equestre contribuiu em muito para a manutenção desta arte e continuará a contribuir, como é obvio. Faz parte da nossa realidade, da nossa história e é algo diferenciador da nossa cultura. Somos o que somos pelo passado que temos e é assim que vamos projetar o nosso futuro. O toureio é um elemento integrante da arte equestre.

Apesar deste património e do lugar que ele tem na nossa história, há poucas pessoas a montar, como num país dito de marinheiros há poucas pessoas a velejar. Temos as tradições, o que nos falta?
Nós ensinamos os cavalos e achamos que somos a entidade que melhor o faz, não promovemos a arte e o ensino da equitação. A EPAE não pode sair do seu figurino, ao contrário de outras escolas que utilizam cavalos de várias proveniências. Em Jerez, por exemplo, nem todos os cavalos são de raça espanhola. Usam cavalos lusitanos para alguns números e compram-nos aos criadores que entenderem. Nós temos uma única fonte que é a coudelaria de Alter e não usamos, apenas, cavalos lusitanos, usamos exclusivamente lusitanos Alter Real. Tudo isto constitui um património cultural equestre único no mundo. A nossa principal preocupação é fazer as coisas corretas no sentido de preservar esta arte centenária e a nossa missão é, através da educação, promover o cavalo lusitano Alter Real. Os nossos cavalos são propriedade da Coudelaria de Alter e nunca de outra estirpe de lusitanos. São sempre machos inteiros, escolhidos por nós, vêm com cerca de 3 anos, são ensinados durante mais 3 ou 4 anos e quando estão em condições entram nas exibições e nas galas.

Em que medida a mudança para este novo espaço potenciou o número de visitantes e espetadores – que são bastantes, como temos constatado.
Em Queluz as condições eram outras. Tivemos o projeto de fazer o picadeiro em Queluz mas com as limitações de construção não foi possível. A ideia de localizar a escola aqui teve que ver com o equipamento que nos foi cedido, mas a circunstância de este local estar num polo turistico de visita constante é uma coisa boa. Além das exibições e galas estamos a desenvolver as ‘manhãs equestres’ em que as pessoas, para além de verem os cavalos a exibirem-se, que é o resultado final, têm contacto com o picadeiro, com o dia a dia dos cavalos, vêem como são tratados, como são lavados e alimentados, a parte fitossanitária, o próprio ensino do cavalo. Pretendemos criar um percurso aqui no Pátio da Nora, com informação sobre cada cavalo, quem ele é, quem são os seus pais, o que faz quando se levanta, que tipo de exercício pratica, que alimentação tem, etc. – e isso será um fator de atração porque vai unir a parte lúdica à educativa.

Como é que a Parques de Sintra – Monte da Lua olha para este património no futuro?
Queremos criar melhores condições para promover ainda mais a Escola e a coudelaria de Alter. Nesse sentido estamos empenhados na candidatura da Equitação à Portuguesa a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO e assim criar condições para que o ensino desta arte seja mais dinamizado e divulgado.

Além da tradição de montar, que existe desde sempre neste canto da Europa, há 3 obras de referência mundial que constituem um grande património e que pode, digo eu, ajudar a promover essa candidatura.
Justamente, e todas elas com cópias ou originais na única biblioteca sobre arte equestre em Portugal, no Palácio de Queluz, onde todas as obras de referência podem ser encontradas. Essas obras são a base da nossa candidatura. Este é um processo longo mas ambicionamos que no final seja concretizado e que isso possa ajudar a dinamizar uma série de coisas.
Para mais informações, visite o site oficial da Escola Portuguesa de Arte Equestre.
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