Carlos Barbosa

EdT52 — Homem de muitas e intensas paixões, Carlos Barbosa terá sido, provavelmente, um dos maiores colecionadores de relógios a nível europeu. Uma paixão partilhada com aquela que tem pelo mundo automóvel e que vai desde o colecionismo que também faz, até aos lugares institucionais que detém enquanto presidente do ACP e vice presidente da FIA. Dificilmente haverá alguém mais competente para falar destes dois mundos que se cruzam na mecânica do coração.

Versão integral da entrevista a Carlos Barbosa que foi publicada no número 52 da Espiral do Tempo

Quando decidimos fazer uma edição que aliasse o mundo automóvel ao da alta relojoaria, tornou-se incontornável conversar consigo por o Carlos Barbosa ser, provavelmente, quem mais percebe destes dois universos em Portugal. Concorda que é?
Há pessoas que sabem muito mais de automóveis do que eu e há pessoas que sabem mais de relógios do que eu, mas das duas coisas não sei. Tenho essas duas paixões mas não tenho a noção se há outras pessoas que também as tenham. Eu não conheço ninguém… (risos)

E o que é que o apaixona, quer nos carros quer nos relógios?
É a joia que nos é permitido usar e foi uma paixão desde miúdo, desde o primeiro relógio que o meu pai me deu, um Cauny, quando entrei para o Colégio Militar em 1961. A partir daí fui pedindo relógios nos anos. Naquela altura não tinha dinheiro e o primeiro relógio bom que tive, se não me engano, foi um Tissot. Isto há muitos muitos anos. Tive também um Cortébert e depois, à medida que fui tendo capacidade financeira, fui comprando relógios melhores.

Qual foi a sua primeira bomba relojoeira?
Foi um Chopard em ouro, cronómetro e day/date, e que ainda hoje tenho.

O que mais o seduz, é a forma, a função, a marca?
Eu gosto dos relógios pela beleza que têm, da mesma forma que olho para uma joia de senhora, que também adoro. Tento entrar na cabeça de quem concebeu o relógio mas também gosto da beleza, do trabalho envolvido, da maneira como ele é feito. Têm aparecido relojoeiros ótimos nos últimos tempos, como o François-Paul Journe, por exemplo, em quem aprecio a maneira como ele faz os relógios, a sua espessura e o que ele consegue fazer com aquela espessura. De uma maneira diferente, mais para ‘toda a gente’, apesar de caro, aprecio um Franck Muller. Enfim é a beleza da arte relojoeira em si. Tinha um relógio que me roubaram, da Jaeger-LeCoultre, um Reverso Dia/Noite esmaltado que era uma peça única e que demonstrava bem a arte de quem o pintou. Os carros é igual. Tivemos desenhadores de carros únicos, como o Pininfarina que construiu o Ferrari Lusso e usava um todos os dias. Foi dos carros mais bonitos que a Ferrari fez, como o Daytona descapotável. Os carros que considero, sobretudo dos anos 60-80, foram feitos por artistas que perceberam o que era a linha de um carro.

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O que é que sentiu quando perdeu a coleção de relógios?
Eh pá chorei tanto, tanto, tanto quando cheguei a casa. Como é que eu guardava os relógios? Está a ver aquele papel transparente da cozinha? Era a única maneira de guardar 600 relógios num cofre. Estica o relógio, enrola, mete outro enrola, separava-os por anos, por marcas, etc. Tirava uma tira de relógios dava-lhes corda, tirava dois ou três para usar e pronto. Às vezes pensava, ‘olha este, já não me lembrava deste’, porque com 600 relógios esquecemo-nos de um ou outro. Eu estava no Algarve e não posso dizer quanto tempo demorei a chegar a Lisboa mas durante a viagem vi os 600 relógios, um a um, na minha cabeça. O sentimento de violação da privacidade é terrível, independentemente do valor. Foram 42 anos de coleção, e cada relógio tinha uma história.

Dá importância ao aspeto mecânico?
Sim, há os Patek Philippe que nunca avariam, os Rolex nunca avariam, o Panerai, que é um relógio de combate, nunca avaria. A máquina é muito importante. O prazo para um turbilhão ir à revisão é diferente do de um Rolex. Um carro é um pouco igual, se for construído com uma mecânica muito delicada necessita sempre de afinações.

É daqueles que gosta de mexer no motor, de sujar as mãos?
Não, gosto de me safar, que é diferente. Para isso há especialistas mas claro que me sei safar quando tenho algum problema. Nos carros clássicos já gosto de meter a mão na massa para ter os carros sempre impecáveis. Havia um tipo que dizia com muita graça que os carros clássico são como as espanholas, custavam o dobro do dinheiro e davam metade do prazer. Aquilo é uma loucura a gastar dinheiro, ora é esta peça ora aquela, ora é o friso, ou o espelho, o emblema ou a capota.

E como comprador, é compulsivo, é racional, é investidor, como é o Carlos na aquisição?
Quando comecei a minha coleção de relógios há 42 anos nunca me passou pela cabeça vender um relógio, e nunca o fiz. Mas já aconteceu trocar alguns por outros mais recentes e cujo mecanismo eu considerei ser superior ao anterior. Os relógios que tenho vão ser para os meus filhos, portanto não penso vendê-los e já hoje, quando fazem anos, vou à coleção e ofereço-lhes um porque eles também adoram relógios. Vejo mais o investimento nos carros de coleção. Quando me farto do carro, ou por ser dificil de guiar ou porque deixa de me dar prazer, aí penso em termos de investimento porque os carros clássicos estão cada vez mais valorizados. É um mercado que movimenta milhões, senão biliões. O relógios às vezes é mais um mimo. Um tipo anda ali, compro não compro, e às vezes pode ser um relógio que eu sei que amanhã não vai valer o que eu estou a dar por ele mas pronto, se há capacidade para o comprar, acabo por o adquirir.

São os vendedores que lhe vendem o relógio, ou o carro, ou é o Carlos Barbosa que os compra? Bem, o Pedro Torres deve-lhe ter vendido alguns….
Tenho muitas saudades do Pedro Torres, que era um grande amigo, um grande conhecedor de relógios como eu conheci poucos, uma pessoa que não impingia um relógio. Chegava ao pé de mim com vários relógios e dizia «este é uma maravilha mas não é para colecionador». Eh pá mas eu adoro esse, dizia-lhe eu. E ele: «podes comprar mas não é de coleção. Mas tenho aqui um que é de coleção e é mais barato». Isto era o Pedro Torres. Graças a Deus que a filha dele herdou o mesmo senso, a mesma maneira de vender e de estar na vida. Muitas vezes ligava ao Pedro e dizia-lhe. «Pedro, vi este relógio assim assado, tens?» e ele dizia-me, «eh pá isso é uma porcaria, não compres isso». Sendo importador de várias marcas podia rebaixar o relógio da marca que não importava mas não, se era um grande relógio dizia, «isso é um grande relógio (e explicava-me porquê) mas terás que o adquirir noutro lado». Foi um bom professor e levou-me a fazer um curso na Jaeger-LeCoultre que foi muito importante mim.

Justamente, em que medida ter visitado manufaturas e privado com grandes relojoeiros foi importante para si?
Ajudou-me imenso. Uma vez fui à Vacheron Constantin e levei no pulso um relógio raríssimo dessa marca. O presidente da marca reparou e disse-me: «vou-lhe apresentar quem concebeu esse relógio». As outras pessoas que foram comigo andaram a ver a fábrica e eu fiquei horas a falar com o senhor, que tinha o protótipo no pulso, a levar um curso sobre aquela peça e a perceber porque é que ele quis fazer aquele movimento. É delicioso.

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Costuma encontrar-se com outros colecionadores do seu calibre?
Tenho vários professores, um deles o António Macedo em Paris, que é uma das pessoas que mais sabe de relógios no mundo. É um reparador extraordinário que consegue arranjar peças que mais ninguém consegue e que, com aquele ar calmo e simples, nos dá confiança. Ouvir as histórias que ele conta, ver mecanismos raros, tudo isso é fantastico!

E alimenta a paixão…
(risos) Exatamente. É engraçado que ele passa as férias cá em Portugal — já lhe roubei algumas garrafas de um excelente azeite que ele produz — e traz-me sempre cinco ou seis relógios para eu ver, e estamos horas a conversar.

É utilizador das redes sociais e acha que o mundo digital vai ser determinante nos media. Busca informação sobre relojoaria em sites? Como é que se informa?
Busco, busco. Sites de relógios, os dos leilões, etc. Vou quase todos os anos à feira de Genebra e de Basileia, mas aquilo é tudo muito rápido, é mais uma cortesia que uma boa oportunidade de conhecer os mecanismos. Quando regresso e assim que estão disponíveis, busco informação sobre o que me interessa.

Já foi influenciado por ter visto determinado modelo num determinado pulso?
Já. Um dia estava a jantar com o Franck Muller em Lisboa, quando ele celebrou os 10 anos da marca, e perguntei-lhe «olha lá, que relógio é esse que tens no pulso» e ele disse-me «é um relógio experimental» e eu disse-lhe «quero ficar com ele» e ele respondeu-me «então quando o relógio estiver pronto eu mando-te», e assim foi. Outra vez estava a almoçar com ele e perguntei-lhe que relógio é que ele tinha no pulso e ele tirou o relógio e disse «é teu, depois fazemos contas». Relógios a brilhar, com diamantes e porcarias, são relógios de show off para os quais sou incapaz de olhar. Às vezes são relógios que por baixo dos diamantes têm bons mecanismos mas tanto brilho tira-me a vontade de olhar para eles.

Em que medida um relógio pode ser um desbloqueador de conversa, ou de negócios?
Essas coisas têm significado a determinados níveis. Há sempre quem olhe para o pulso para perceber o nível de vida da pessoa. Quando um tipo tem um bom relógio parece que imediatamente cresce aos olhos das outros. Acho ridículo. Temos um presidente de um banco, o Fernando Ulrich, que sempre conheci com Swatch — e que é um tipo extraordinário. Não é que eu tenha alguma coisa de socialista ou comunista, mas vivemos numa sociedade muito consumista.

E o contrário, se encontrar alguém com um relógio cheio de brilhantes, qual é a sua reação?
Pois, o problema é que às vezes encontro tipos com relógios com brilhantes e tenho mesmo que lidar com eles, tenho que fazer negócios e tenho mesmo que os aturar (risos). Se eu vir uma mulher entrar com dois cachuchos nas orelhas, ou uma tiara linda de morrer, com diamantes bem cortados, ouça, eu olho! É igual com um homem, se ele tiver um relógio bonito, obviamente que olho para o relógio dele.

Há uma leitura que faça da pessoa pelo relógio que tem?
Há, há, efetivamente. Pessoas com categoria têm relógios com categoria; novos ricos têm relógios sem categoria. Para não falar de quem anda com as pulseiras largas, que é coisa que eu acho surrealista.

Como empreendedor nunca pensou na criação de uma indústria relojoeira em Portugal, ou de uma escola de relojoaria?
Adorava, adorava. Estou farto de desafiar o António Macedo para montar uma coisa em Portugal mas efetivamente os colecionadores já têm uma capacidade de fornecimento a partir de Nova Iorque, de Paris, daqui ou dali, que duvido que uma loja dessas pudesse ter um grande sucesso. O Duarte Pinto Coelho tem um negócio assim que funciona relativamente bem, penso, mas eu só podería fazer isso lá para aos 95 anos, que é quando penso reformar-me.

Mas isso é novidade porque pensava que não se queria reformar nunca.
(risos) Aos 95 anos acho que já sou capaz de estar um bocado ginja.

E esse relógio que tem hoje no pulso, talvez o relógio que melhor faz a simbiose entre o mundo relojoeiro e automóvel?
É o meu segundo V4 da TAG Heuer. O primeiro levaram-me quando fui roubado mas tive a sorte de, através da Marta Torres, descobrir este numa loja em Hong Kong. Eu adoro este relógio. Corremos o mundo inteiro à procura dele e descobrimo-lo lá.

Se o Carlos Barbosa fosse um carro ou um relógio, que carro ou relógio seria?
O Ferrari Lusso, até porque tive um. Em termos mais modernos um Ferrari Scaglietti, que também adoro. Em termos de relógios, sería um Patek Philippe, um F. P. Journe, um Rolex, um Jaeger-LeCoultre, um Vacheron Constantin, um Panerai, acho que se eu fosse um relógio era todos estes porque gosto imenso deles. É curioso ver marcas como a Baume & Mercier que numa altura quase desapareceu e que está a voltar; a Hublot que em determinada altura fez relógios únicos no mundo, pareceu desaparecer mas está a voltar com grandes bombas; há uma série de marcas que estão a voltar como a Corum, a Gerald Genta, que tinha uns relógios pavorosos e que agora tem modelos interessantes; a Roger Dubuis, que tinha relógios lindos no tempo do Carlos Dias e que desde que foram comprados pela Richemont têm relógios com belíssimas máquinas, etc. O que era incapaz era de ter era um relógio da marca de um estilista!

Nestes universos paralelos que são o da relojoaria e o do automóvel, quais são os mais emblemáticos relógios?
Acho que o relógio mais mítico de todos é o Rolex Daytona, e não é só pela associação ao Paul Newman. Aliás, tive três relógios desses que foram à vida. A Rolex é uma marca que hoje está muito ligada ao golfe mas que também tem muito que ver com o mundo automóvel; e a TAG Heuer, que também esteve sempre ligada ao mundo automóvel.

Os relógios mecânicos automáticos têm a particularidade de serem verdes, ecológicos. Duram muito tempo, criam a sua própria energia e são totalmente recicláveis. É para aí que a indústria automóvel caminha, tanto quanto lhe for possível?
Acho que a indústria automóvel vai caminhar no sentido que está a tomar, a entrar nos híbridos. Para os elétricos ainda estamos numa fase inicial, ainda são caros e têm pouca autonomia. Os híbridos já são cada vez mais uma realidade.

O ACP tem tido alguma iniciativa de estímulo ao consumo deste tipo de veículos, ou de trabalho com as instituições ou as marcas nesse sentido?
O ACP está metido em tudo o que tem que ver com essas coisas e vamos acompanhando e aprendemos com o que se faz lá fora. Sendo eu membro da FIA e estando no conselho mundial, quer da mobilidade, quer do desporto, estamos atentos a novas energias, novos carborantes ou às emissões. Estou muito atualizado e tentamos aplicar coisas aqui mas, ouça, a legislação em Portugal é uma repartição de finanças, a única coisa que eles querem aqui é cobrar dinheiro.

A Formula E, como é que vê?
É uma iniciativa muito interessante porque tem uma coisa extraordinária. É que o mesmo piloto pilota dois carros. Esgota a bateria do primeiro carro, pára, muda de carro, e esgota a segunda. Qual é o segredo? Quando ele anda mais depressa, gasta mais bateria, mas não pode andar muito depressa porque tem que dar o número de voltas suficiente para mudar de carro. A ideia da gestão do consumo é o segredo da Formula E, além da condução, porque são carros muito leves e frágeis, com pneus estreitos. É uma coisa com futuro, com sucesso. Vamos ter o primeiro 4X4 híbrido a correr uma prova em Portugal, na Baja de Portalegre, em novembro.

Mantendo-nos no verde mas voltando aos relógios, por sinal até tem um relógio em ouro verde, mais uma raridade.
(risos) Uma série limitada do modelo Long Island do Franck Muller que tem o número 7, porque eu tenho a mania do número 7, e que só podia ser verde porque não há outra cor no mundo senão o verde.

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Tem muitas paixões: os carros, o Sporting, os relógios, a imprensa, a rádio, o eterno feminino, os filhos, a familia, os amigos. Presumo que tenha vindo com um bom motor de origem, ou um excelente calibre de manufatura, se preferir, mas onde é que vai buscar a energia para tantas paixões?
Primeiro tenho a grande sorte de ter saúde, que é a melhor coisa que nós podemos ter na vida. Mas acho que a saúde vem muito da atitude das pessoas. Meter tudo para dentro, não pôr as coisas para fora, isso não faz bem. Mas a energia vem-me da saúde, da familia excecional, dos filhos excecionais e de um grupo de amigos ótimo. Não leve a mal, mas eu gosto muito de esoterismo e estudo muito isso e as ciências milenares chinesas. Trato-me com acupuntura, com homeopatia, coisas que em França já são comparticipadas pela Segurança Social, e que resultam. Sabe, eu gosto de tal maneira de acordar todos os dias que isso dá-me muita energia. Sou um homem do dia muito mais que da noite, e acho que estas paixões têm que ver com a alegria de viver. Dizem que eu sou um grande trauliteiro e que estou sempre a cascar. Eu só dou traulitada quando tenho fundamentos para tal. Agora se aumentam os impostos, a gasolina, se estragam Lisboa, eu tenho que sair em defesa de automobilistas, ciclistas e peões. Na minha posição tenho que ter uma atitude pública.

O mau feitio de que o acusam é genético, é estratégico ou é apenas feitio?
Eu odeio a incompetência e quem aceitou lugares sem capacidade para tal. Tenho lidado com diversos governos, dezenas de deputados, e há do melhor como há do pior, mas o pior tem-me calhado mais na rifa. As minhas guerras são com pessoas que não estão à altura dos lugares que ocupam, que não têm fundamentos para as posições que tomam e que afetam milhares de pessoas.

Quando é que esse temperamento se começou a manifestar, tem ideia?
Acho que foi para aí dois ou três minutos depois de ter nascido. (risos)

Mas essa irreverência está-lhe algures no sangue. Um antecessor seu conspirou com o Visconde da Ribeira Brava para o Regicídio.
Eh pá você foi descobrir coisas extraordinárias. Bem, a irreverência só a tenho quando é preciso. De resto sou a pessoa mais afável do mundo. Acho que tem que ver com uma série de coisas, com a minha familia, com o meu pai, que era um homem extremamente rigoroso, por ter estado numa escola fantástica, o Colégio Militar, e depois comecei a trabalhar muito cedo. Chumbei o 7.º ano duas vezes e à segunda o meu pai pôs-me a trabalhar à noite no Instituto Nacional de Estatistica — onde descobri uma estatística da batata que estava errada. Puseram-me na rua porque não a queriam corrigir, isto em 1968/9. Tive muita sorte na vida, soube aproveitá-la, trabalhei sempre com gente competente e na comunicação social tive um mestre, o Vitor Direito. Nunca mais volta a haver um jornalista como ele.

Mas esse seu antepassado, José Maria Alpoim, foi jornalista e colaborou, entre outros, com um jornal chamado Correio da Noite. Além disso foi fundador de um jornal chamado Correio Português. Não me diga que não há coincidências…
Exatamente. O nome Correio da Manhã, um título que já tinha existido como jornal monárquico, foi decidido de uma forma engraçada por três pessoas, o Vitor Direito, eu e o Nuno Rocha. Escrevemos uma série de nomes e fomos excluindo até ficar só esse.

Apesar da irreverência não corremos o risco de um Carlos Barbosa conspirativo contra o atual regime, portanto?
(risos) Não, não. Isso esteja descansado.

Mas tem o seu quê de pirata, pelo menos em termos radialistas.
Isso foi uma aventura engraçada. O Correio da Manhã Rádio foi a primeira rádio pirata em Portugal. Escondemos o transmissor no meio dos ares condicionados das Amoreiras e um dia à noite fomos pôr um retransmissor numa antena da RDP em Monsanto. Foi extraordinário e foi um sucesso enorme.

Como é que se dá ao luxo de dizer as coisas que diz das pessoas de quem diz, coisas nada meigas?
É simples, não tenho um único telhado de vidro! Durmo todos os dias descansado, não devo nada a ninguém e pago os meus impostos. O que digo, digo sustentado em estudos. Ouça, eu não sou uma enciclopédia, não sei tudo e por isso, quando tenho que opinar sobre um assunto importante, recorro às pessoas que sabem. Dou a cara mas estou com as costas quentes. Dou-lhe o exemplo da retirada do apoio ao Rally de Portugal feita pelo ministro da economia, ou do secretário de estado do turismo, para investirem em surf. O rali traz ao país um retorno de 110 milhões de euros, e só em comida e dormida são 55 milhões de euros em três dias. Num país normal, o Pires de Lima nunca seria ministro da economia e o Adolfo Mesquita Nunes nunca seria secretário de estado do turismo. É este tipo de incompetência que me revolta.

Ou seja, nestes processos usa os mesmo princípios que usa quando compra um relógio, estuda, informa-se, aconselha-se.
Exatamente!

Mas alguma vez sente que exagera? Arrepende-se?
Ouça, às vezes o coração está mais perto da boca que da cabeça e à medida que se fica mais velho também se fica mais calmo, mais diplomata, mas há situações de tal maneira estúpidas e irracionais que são de se perder a cabeça.

Acha que vivemos numa tirania do politicamente correto?
Ouça uma coisa, eu tenho a sorte de não dever nada a ninguém e por isso posso-me permitir certas coisas. Eu falo com muitos sócios do ACP e sei que muitas pessoas não podem fazer o mesmo porque se arriscam a perder o emprego, porque são vistos de uma maneira diferente ou são postos de lado e por isso muitos sócios, no que diz respeito à segurança rodoviária e à mobilidade, revêem-se no ACP porque nós tomamos a posição pública que eles gostariam de tomar mas que não podem tomar senão ‘levam na cabeça’. Isto é horrível.

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Nunca se dedicou á política partidária, mas não é indiferente à política pois não?
Não. Concorri como independente a deputado municipal, que sou, mas não vou a sessão quase nenhuma a não ser às que dizem respeito à mobilidade. São sessões políticas, não são para tratar dos assuntos de Lisboa, são uma cópia em miniatura do que se passa na AR e portanto não tenho interesse. Quando se tratam de coisa pertinentes que tenham que ver com a segurança de peões, com mobilidade, etc, contam comigo; para discutir se a política económica do governo é boa ou má, não contam comigo.

Empregar no Correio da Manhã o Francisco Ferreira, o célebre Chico da CUF, foi um ato político?
De todo. Ele era amigo do Vitor Direito e ele empregou-o naturalmente. O sucesso do Correio da Manhã foi não ter nada de político. O Correio da Manhã do meu tempo, note-se, o atual é diferente e é um jornal com o qual não me identifico nada. Um exemplo, temos a mania de pôr nos jornais ‘num hotel da cidade realizou-se isto’. Para o Vitor Direito a notícia era ‘no hotel Ritz realizou-se isto’. O Correio da Manhã teve o êxito que teve por ser popular, não por ser popularucho como é hoje, e porque tinha regras. Um exemplo de duas regras de ouro: não se falava sobre pessoas — hoje é uma vergonha o que o Correio da Manhã e outros jornais fazem — e não se falava sobre colegas. Se o Diário Popular, p.e., estivesse em más condições, nunca daríamos a notícia.

A incompetência é o que mais o desespera em Portugal?
É, é a incompetência de quem nos dirige ou de quem dirige alguma coisa.

E o que mais o apaixona?
Não posso dizer as mulheres senão tenho problemas, mas é viver, é viver.

Não, o que mais o apaixona em Portugal.
Ah… (risos) Lisboa é uma cidade única no mundo. Eu vou aos 14 ralis do campeonato do mundo portanto passo a vida a viajar e digo-lhe que não há nenhuma cidade como Lisboa, com a luz de Lisboa, com a qualidade de vida de Lisboa, com a simpatia de Lisboa, também com os buracos de Lisboa, que finalmente estão a ser reparados. Gosto muito de Portugal e de viver em Portugal e é por isso que odeio que pessoas que têm a decisão sobre a promoção de Portugal sejam tão pequeninos e sejam tão ridículos.

Colabora com uma ONG que promove a educação, uma faceta menos conhecida.
Apoio várias ONG mas privadamente, não gosto de publicitar isso. Tenho ajudado hospitais e tudo o que puder fazer faço, mas anonimamente.

Permita-me recordar que o Carlos Barbosa esteve por trás do projeto Espiral do Tempo.
Exatamente. A Espiral do Tempo começa como uma revista de um distribuidor, a Torres Distribuição. Naquela altura só falavam das marcas da Torres, mas a revista tornou-se das melhores senão a melhor revista do setor em Portugal porque entrou pelo caminho de que tudo o que é bom tem que ser mostrado. Acho isso muito inteligente. A Espiral do Tempo está a fazer um trabalho excecional porque está a mostar o que é bom, está a mostrar a cultura relojoeira, não está a olhar para o seu umbigo mas sim para o mundo relojoeiro, o que é bom.

Um carro bonito seduz as mulheres, um bom relógio nem tanto. Será esse o único handicap do relógio?
Você está completamente enganado! De há uns cinco anos para cá as mulheres, cada vez mais, olham para os relógios. Primeiro olham para nós para vêr se somos carecas ou não, que elas olham mais para os carecas que para os tipos com cabelo. Sabe que Nosso Senhor criou muito poucas cabeças perfeitas, nas outras colocou cabelo… (risos) ET_simb

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