Eric Giroud: cirurgião plástico

É o mais profícuo e versátil designer da atualidade. É também um cavalheiro de esmerada educação. O trabalho cirúrgico de Eric Giroud estende-se ao longo de quase três décadas e abarca uma extraordinária panóplia de marcas, desde as clássicas às conceptuais, desde a mais alta relojoaria até à mais acessível.


Artigo originalmente publicado no número 83 da Espiral do Tempo (verão 2023)


Em Genebra

Eric Giroud parece bem mais jovem do que os seus 59 anos — mantendo a caraterística aura de jovem intelectual com óculos de massa que é indissociável do seu visual. Estreou-se profissionalmente na área da arquitetura em 1989, até que foi desafiado a desenhar relógios em 1997. No espaço de 25 anos, o jovial suíço do cantão francófono do Valais tornou-se no mais profícuo designer do universo relojoeiro e o seu campo de intervenção tem sido extremamente lato — podendo mesmo afirmar-se que vai de um extremo ao outro do espectro estético e até mesmo no que diz respeito ao preço. Ou seja, que vai de A (Ali & Co.) a Z (Charles Zuber), tal é o portefólio de marcas com que trabalha. E é tão competente a criar uma estética de raiz como a dar pequenos retoques que transformam um design prévio em algo ainda melhor.

Eric Giroud: Schwartz-Étienne
O supreendente mostrador do Schwartz-Étienne Geometry | © Schwartz-Étienne

Integra o Conselho Cultural da Fundação da Alta Relojoaria para as áreas do estilo, design e competência artística desde 2015. E do seu currículo constam 12 troféus no Grand Prix d’Horlogerie de Genève atribuídos a relógios desenhados por si (incluindo dois na edição de 2022), mais três Red Dot Awards. O talento de Eric Giroud estende-se desde os modelos mais clássicos de uma tradicional manufatura secular como a Vacheron Constantin até às mais estrambólicas criações independentes, como o admirável Sequential One da defunta MCT ou a explosiva colaboração ZR012 ‘Nitro’ da etiqueta C3H5N309, criada pela Urwerk e a MB&F.

Eric Giroud
Eric Giroud: o mais profícuo e versátil designer relojoeiro da atualidade | © Johann Sauty

Entre as mais recentes apresentações de vulto no panorama relojoeiro com a sua assinatura encontram-se o HM8 Mark 2 da MB&F e as edições M.A.D. 1 da equipa de Max Büsser, o Open Worked Dual Time e os Academic Black & White da Speake-Marin, o Geometry da Schwartz-Etienne, o Tourbillon QP da Le Rhône, o Sirna de Andreas Strehler e a linha completa Zelos da Charles Zuber — tudo modelos lançados entre o mais recente salão Watches and Wonders e o verão de 2023. Sem esquecer o trabalho que faz para refinadas marcas como a Vacheron Constantin e a Van Cleef & Arpels, cujos acordos de confidencialidade impedem a identificação dos modelos da sua autoria.

Eric Giroud MB&F
Complexidade mecânica e estética: o MB&F LM Sequential EVO | © MB&F

Ironicamente, não gosta de usar relógios desenhados por si. E não causa admiração o facto de optar frequentemente pelo Octa Réserve de Marche da F.P. Journe e por um Patrimony da Vacheron Constantin, dois clássicos. Da sua alargada coleção que foi juntando, destaca um modelo vintage por razões particulares e sentimentais: o cronógrafo Heuer Carrera Ref. 1158CHN dos anos 70 é não só um ícone da relojoaria, como Jack Heuer é tio da sua mulher. 

Começo e liberdade

Eric Giroud: Louis Erard
Colaboração: Le Régulateur Louis Erard x Eric Giroud | © Louis Erard

O mote de Eric Giroud é ‘A liberdade começa a partir do momento em que se ultrapassam as regras’. Mas precisou de aceitar os limites no arranque da sua atividade profissional. «Comecei na arquitetura, onde aprendi a ‘fazer amizade’ com as restrições. Os relógios surgiram um pouco por acaso, porque trabalhava numa agência que desenhava todo o tipo de objetos. Houve uma encomenda na área da relojoaria e fiquei intrigado; comecei a estudar o tema e foi então que descobri a paixão que envolvia os relógios, as pessoas por trás das marca».

Opus 9, parceria de Eric Giroud com Jean-Marc Wiederrecht para a Harry Winston | © Harry Winston

O seu trabalho pode também ser encontrado em algumas marcas joalheiras. «No campo das jóias e dos chamados relógios-jóia, a liberdade de design é maior». E com essa liberdade vem também o eterno duelo entre relógios redondos e os chamados ‘de forma’ — ou seja, todos os que não assumam o habitual formato circular. «É mais fácil para mim desenhar relógios de forma que sejam verdadeiramente originais do que relógios redondos, porque são muitos mais».

Sensualidade e preferências

Eric Giroud ZR012
O extraordinário ZR012 (vulgo ‘Nitro’) da colaboração C3H5N309 | © C3H5N309

O que é que dá a conotação sexy ou sensual a um relógio, aquele je ne sais quoi que o torna particularmente atraente? «A capacidade de mexer com a emoção das pessoas, aquela qualidade intangível que transforma o simples gostar em paixão». Obviamente, Eric Giroud tem os seus designs preferidos… com uma nuance: «As minhas preferências estão ligadas a momentos específicos da minha carreira, da minha vida. Mas poderia destacar o Opus 9 com Jean-Marc Wiederrecht para a Harry Winston e os Legacy Machine para a MB&F». Curiosamente, dois projetos baseados na ideia ‘colaboracionista’ de Max Büsser, que transportou precisamente o conceito da Harry Winston para a sua própria marca MB&F. E esse é precisamente o ponto forte de Eric Giroud: transformar designs conceptuais em realidade funcional. Porque a distância entre o abstrato e o funcionamento é muitas vezes impossível de concretizar.

O projeto Zuber

Um dos novos modelos Perfos da Charles Zuber | © Charles Zuber

«Em 2016, telefonaram-me a dizer que queriam fundar uma marca relojoeira associada ao nome de Charles Zuber — um lendário joalheiro suíço cujas criações pareciam não ter limites». Após anos de maturação e desenvolvimento de produto, a marca exibiu-se este ano na Watches and Wonders e apresentou uma primeira linha Perfos de visual marcante com a assinatura de Eric Giroud. «Começámos por um relógio de construção clássica mas com formas típicas dos anos 70 e 80, dando-lhe um toque mais moderno. Olhando bem, não existe uma única linha direita», sublinha. «Trabalhámos muito no mostrador; é uma espécie de sol nascente, mas através da lupa pode constatar-se que são dois mostradores e foi um calvário concretizar a ideia. A bracelete de aço também foi complicada: estamos numa era em que se fazem muitos relógios integrados e não se pode fazer algo que seja parecido com outras referências existentes».

Genta e os outros

Eric Giroud no espaço da Charles Zuber na Watches and Wonders | © Miguel Seabra/Espiral do Tempo

Se Gérald Genta é o designer mais falado no mundo da relojoaria, Eric Giroud prefere destacar outro nome entre os colegas da geração anterior à sua: «Eddy Schöpfer era um mágico». Eddy Schöpfer ficou conhecido por desenhar o Sport Classique, estreado pela Ebel em 1977 mas que se tornou num dos grandes ícones dos anos 80 e inícios da década de 90; também foi o autor do S/El da TAG Heuer celebrizado no pulso de Ayrton Senna e fez depois a atualização do próprio design na série Link.

Eternamente jovem: Eric Giroud | © Johann Sauty

Os designers só começaram a ser verdadeiramente celebrados na primeira década do novo milénio e através do boom mediático da relojoaria fina, com a eclosão de novos títulos da imprensa especializada e a expansão das comunidades de aficionados da internet. Os responsáveis dos departamentos criativos das grandes marcas passaram a ser apresentados como artistas e ganharam estatuto de vedetas. Entre os independentes, pode dizer-se que Eric Giroud é o Eddy Schöpfer do século XXI!

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