Viagem no Tempo: swinging sixties

Considera-se habitualmente a década de 60 como fundamental para a chamada ‘era de ouro’ da relojoaria de pulso, frequentemente balizada entre meados dos anos 50 e princípios dos anos 70. A música da época conduziu à expressão ‘swinging sixties’, que ficou para a posteridade — e que também serve perfeitamente para caraterizar um período de relevante transição técnica e estética no universo relojoeiro, ao mesmo tempo que conquistas sociais e espaciais davam uma nova dimensão ao mundo.

A década de sessenta representa um significativo período de viragem na história da relojoaria – com a passagem do clássico ao moderno a ser inspirada na corrida ao espaço e na transição gradual dos relógios de corda manual para os modelos automáticos.

Sintomaticamente, a chegada do homem à Lua e a apresentação do primeiro cronógrafo automático ocorreram num curto espaço de tempo em 1969; já estavam então lançadas as sementes para a psicadélica década seguinte, considerada a mais revolucionária de todas em tantas vertentes distintas. O analista Christopher Booker descreveu mesmo os swinging sixties como «um clássico pesadelo junguiano, em que uma cultura rígida se revelou incapaz de conter as crescentes exigências de maior liberdade individual, escapando às restrições sociais do passado através de um desvio extremo da norma».

Tag Heuer : os primeiros cronógrafos automáticos
(TAG) Heuer : os primeiros cronógrafos automáticos, equipados com o calibre 11, e lançados pela marca no âmbito do  projeto 99 que contou com a parceria de outras marcas como a Dubois-Dépraz, Buren e Breitling. Documento encontrado a partir do site: onthedash.com

Mas essa transição aconteceu sobretudo a partir da segunda metade dos anos 60. A década começou sob um evidente pendor clássico e ainda muito condicionada pela sobriedade inerente ao período de convalescença pós-Segunda Guerra Mundial — e basta ver a evolução do visual dos Beatles para constatar isso mesmo: começaram com fatos slim fit e gravata skinny, que hoje em dia estão novamente tão em voga, e acabaram claramente influenciados pelo movimento hippie. Na relojoaria, essa mudança aconteceu de maneira paralela e evidente: do desenho depurado e minimalista assente sobretudo em mostradores prateados ou pretos, passou-se para a explosão de cores e de formas.

O quartzo e o automático

Mas é curioso constatar que foi logo no início que surgiram sintomas da adesão à tecnologia que redundaria na severa crise do quartzo que quase arruinaria a relojoaria tradicional a meio dos anos 70: em 1960, os Jogos Olímpicos (em Roma) tiveram cronometragem eletrónica oficial pela primeira vez sob a batuta da Omega, e o Bulova Accutron seria pioneiro nesse âmbito. O CEH (Centre Électronique Horloger) foi fundado em 1962, na Suíça, e em 1966 surgiu o primeiro protótipo de um relógio de quartzo helvético.

JOGOS OLÍMPICOS EM ROMA: O início da cronometragem eletrónica levada a cabo pela Omega iniciou-se nos Jogos Olímpicos de Roma em 1960 com Wilma Rudolph
JOGOS OLÍMPICOS EM ROMA: O início da cronometragem eletrónica levada a cabo pela Omega iniciou-se nos Jogos Olímpicos de Roma em 1960 com Wilma Rudolph
CENTER ELECTRONIQUE HORLOGER: Os engenheiros do CEH em 1967, François Niklès, Jean Hermann, Richard Challandes e Charles Frossard criaram o primeiro relógio de quartzo. À equipa pertencia também Charles- -André Dubois
CENTER ELECTRONIQUE HORLOGER: Os engenheiros do CEH em 1967, François Niklès, Jean Hermann, Richard Challandes e Charles Frossard criaram o primeiro relógio de quartzo. À equipa pertencia também Charles-André Dubois

Entretanto, e no que à relojoaria mecânica diz respeito, a Girard-Peregaux começou a aventurar-se nas altas frequências e a cultura do cronógrafo ganhou élan com o estabelecimento de alguns dos mais lendários modelos — enquanto a exploração dos cumes do Planeta e das profundezas do mar também era feita na companhia de relógios que se tornariam igualmente míticos. A Rolex, frequentemente no pulso desses aventureiros e sempre fazendo questão de publicitar os respetivos feitos, foi determinante na imposição do conceito automático que começou a criar no público a percepção de que os relógios de corda manual estavam desatualizados e pertenciam ao passado.

Girad-Perregaux Gyromatic à esquerda e Bulova Accutron à direita
Girad-Perregaux Gyromatic à esquerda e Bulova Accutron à direita

Outra mudança que se começou a processar ao longo da década teve que ver com o modo como os relógios mecânicos eram encarados: se hoje em dia são vistos como um acessório de afirmação pessoal e social que se usa consoante a roupa/circunstância e não precisam de ser absolutamente precisos porque o tempo exato está presente em todo o lado, na altura um relógio passava frequentemente de pai para filho e era, sobretudo, um instrumento de precisão que regia o quotidiano. Só mais lá para o fim dos anos 60 e com a explosão de formas e cores é que a relojoaria de pulso começou a ser mais influenciada pela moda: por um lado, novos códigos estéticos que já prefiguravam a década de 70 tornaram os mostradores mais coloridos (pop); por outro, a arquitetura da caixa transformou-se num campo experimental de design (funky). Numa terceira vertente, a técnica, é forçoso sublinhar a estreia dos cronógrafos automáticos em 1969, que voltou a trazer os cronógrafos para o primeiro plano da relojoaria — de onde tinham desaparecido precisamente por não serem automáticos.

39 Rubis e Gyrotron s: Os relógios Gyromatic eram dotados de 39 rubis e os ‘Gyrotrons’ permitiam a rotação da massa oscilante em ambos  os sentidos. // Precisão de 99,9977% : A publicidade da Bulova incentivava à compra do Accutron “em vez de um relógio”; o sistema electrónico era tão inovador e preciso que se considerava estar numa categoria à parte...
39 Rubis e Gyrotrons: Os relógios Gyromatic eram dotados de 39 rubis e os ‘Gyrotrons’ permitiam a rotação da massa oscilante em ambosos sentidos. // Precisão de 99,9977% : A publicidade da Bulova incentivava à compra do Accutron “em vez de um relógio”; o sistema electrónico era tão inovador e preciso que se considerava estar numa categoria à parte…

A expressão ‘swinging sixties’ sempre foi mais utilizada no plano musical, mas, na verdade, a ambivalência do termo aplica-se em muitos mais quadrantes, e é perfeita para caraterizar um significativo período de transição.

Tanto na relojoaria como nos planos social, económico e político.

Outras leituras