Não consta dos nomes mais mediáticos, entre mestres relojoeiros e CEOs que surgem regularmente nas parangonas — mas Jean-François Mojon é, seguramente, um dos protagonistas da relojoaria moderna e tem um brilhante currículo para o comprovar. Eis o perfil de alguém que deixou a sua criatividade voar para assinar algumas das mais impressionantes criações contemporâneas.
Perfil originalmente publicado no número 82 da Espiral do Tempo (primavera 2023).
Na história da relojoaria, é frequente haver personalidades essenciais cujo nome nunca chega ao grande público ou mesmo à maioria dos aficionados. Há muitos designers que idealizaram alguns dos mais emblemáticos relógios jamais desenhados e que permaneceram no anonimato, tal como há muitos criadores que pensaram alguns dos mais prodigiosos mecanismos jamais concebidos e se mantêm na sombra por uma questão de feitio ou condicionantes contratuais… que fazem com que as honras sejam recolhidas por outrem. É o caso de Jean-François Mojon, seguramente merecedor de maior reconhecimento, após quase três décadas na vanguarda da relojoaria contemporânea.
Depois de concluir os estudos em engenharia micromecânica e ter feito o mestrado em economia, juntou-se à IWC em 1995 — primeiro, no controlo de qualidade; seguidamente, com a possibilidade de criar novos calibres e complicações no departamento de pesquisa e desenvolvimento. Dez anos volvidos, resolveu estabelecer-se por conta própria e fundou o atelier Chronode em Le Locle para satisfazer a demanda por criações excecionais inerentes ao boom da relojoaria mecânica. A nomeação como ‘Melhor Relojoeiro Independente’ no Grand Prix d’Horlogerie de Genève de 2010 foi o primeiro reconhecimento oficial do trabalho feito para prestigiadas casas de alta-relojoaria, na maior parte dos casos através de uma abordagem mecânica completamente inovadora. Todo esse investimento na relojoaria conceptual e o desenvolvimento de múltiplos projetos paralelos também contribuíram para que estivesse ligado ao advento de uma nova marca, a Cyrus.
Além disso, Jean-François-Mojon assinou o notável Opus X para a Harry Winston; colaborou com Kari Voutilainen na conceção do LM1 da MB&F e idealizou especialidades para a MB&F, a HYT, a Hermès, a Czapek, a Urban Urgensen e várias outras casas relojoeiras sob confidencialidade. A crise de 2008 veio colocar um travão nos investimentos em grandes inovações relojoeiras e a macroeconomia mudou o foco da relojoaria para um período em que a criatividade foi amarrada pela excessiva influência clássica, que pôs o vintage na moda. Mas as coisas estão a mudar: a Chronode tem vindo a ser cada vez mais requisitada por marcas emergentes que pretendem estabelecer-se no patamar do luxo e atrair as novas gerações endinheiradas.
As origens
O mergulho na relojoaria foi natural e gradual — tal como o estabelecimento por conta própria e o surgimento da Cyrus. «O meu pai costumava falar com a família do seu trabalho enquanto relojoeiro e trazia componentes para nos mostrar. Os estudos em engenharia permitiram-me descobrir o design de movimentos e senti logo que esse seria o meu caminho. O trabalho na IWC foi importante; é uma marca rica em história que produz também relógios muito técnicos. Pela sua localização geográfica, a IWC desenvolveu uma cultura corporativa muito própria com a qual me identifiquei. Também tive a oportunidade de trabalhar com Günther Blümlein e a A. Lange & Söhne. Em 2005, circunstâncias várias favoreceram o surgimento da Chronode. Foi o momento certo para lançar o meu próprio negócio, alimentado por uma grande paixão pela inovação. Na altura, a concorrência era limitada e havia uma grande procura por relógios não convencionais. O core business é o desenvolvimento de calibres e complicações. Quando apareceu a Cyrus, proporcionámos o serviço completo para a criação do primeiro relógio segundo as especificações da marca».
Equipa de especialidades
«A razão por que escolhi não usar o meu próprio nome foi a importância que dou à equipa», diz o mestre. A Chronode pode assumir um projeto de A a Z: «Estamos envolvidos desde o início do processo de design. Podemos assumir a responsabilidade total e entregar um relógio completo. A Cyrus requer relógios que não se fazem todos os dias, com soluções específicas e exigências estruturais que temos de reavaliar continuamente. Gostamos de desafios, prosperamos no desconhecido e a Cyrus oferece-nos essa dinâmica porque tem a coragem de se comprometer com algo que é incomum e polarizador. Na década passada, pediam-nos para fazer produtos mais sensatos, mais alinhados com a tradição relojoeira, mas o apetite por desenvolvimentos técnicos está a voltar e a Chronode é procurada para realizar projetos ambiciosos. Marcas independentes pedem-nos para traduzir o que as torna diferentes. Para isso, temos de nos desviar dos trilhos habituais. E esse é o nosso domínio».
Verticalidade e duplicidade
No que diz respeito à alta-relojoaria contemporânea da Cyrus, destacam-se dois emblemáticos desenvolvimentos: o Klepcys Tourbillon Vertical e o Klepcys DICE. O primeiro apresenta um turbilhão vertical em posição central, com um movimento articulado inteiramente em torno dele e ponteiros retrógrados em cada lado do mostrador. «A abordagem que nos levou a colocar o turbilhão na vertical é dupla. Por um lado, o relógio de pulso é colocado, na maior parte do tempo, em posição horizontal e o mecanismo do turbilhão produz o seu efeito de compensação da gravidade quando está na vertical; por outro lado, a posição central no mostrador dá à gaiola do turbilhão o papel de eixo de simetria». O segundo é o primeiro cronógrafo duplo independente do mundo: liberado da necessidade de um único ponto de partida no tempo, o Klepcys DICE pode cronometrar dois eventos não relacionados ao mesmo tempo — como medir a diferença entre duas voltas do mesmo piloto. Foi inspirado pela escuderia de Formula 1 parceira da Cyrus, a Haas, e vai muito além da tradicional função rattrapante (que possibilita medir dois eventos simultaneamente, embora o ponto inicial no tempo deva ser o mesmo para ambos os eventos).
Cabeça na Lua
O sistema de engrenagem planetária desenvolvido para o Harry Winston Opus X é uma das grandes assinaturas de Jean-François Mojon. O seu princípio mecânico abriu uma infinidade de possibilidades de exibição originais — e foi usado para o desenvolvimento do Hermès Arceau Heure de la Lune. «As complicações da velha guarda foram muito testadas e estão omnipresentes na alta-relojoaria. No entanto, de vez em quando, há um passo evolutivo e somos lembrados de que há muito espaço para novas novidades técnicas. Como as fases da Lua do Arceau L’Heure de la Lune: não é uma revolução enquanto função, mas foi um desafio». O mesmo sucedeu com o Arceau Le Temps Voyageur, que colecionou prémios em 2922: dá o tempo de origem numa janela às 12 horas e o tempo local num submostrador que roda à volta do mostrador. Para o mestre, não há nada mais importante do que a experiência visual de um relógio; é o mostrador que prende os colecionadores durante o uso diário.