Edição impressa | A Lange & Söhne é uma manufatura à parte no cenário da alta-relojoaria. Porque é germânica, porque adopta diferentes técnicas de construção e decoração, porque tem uma história sofrida e de redenção que torna ainda mais glorioso o seu renascimento. O futuro? Tranquilo e auspicioso.
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Artigo publicado na edição impressa da Espiral do Tempo 28 (primavera 2008).
Quando Walter Lange anunciou, em 1994, que queria «voltar a fazer os melhores relógios do mundo», foi interpretado com um misto de admiração e incredulidade. Ao seu lado, as imagens dos primeiros quatro modelos A. Lange & Söhne da nova geração deixavam entrever algo de verdadeiramente especial — tão especial que, nem mesmo uma década depois, já havia quem admitisse que a profecia se havia tornado realidade…
Depois do enorme impacto inicial provocado pela eclosão de uma marca luxuosa dotada de uma proveniência (Alemanha, para mais de leste!) diferente e de um ADN (técnico e estético) distinto das principais casas relojoeiras suíças, a Lange & Söhne prossegue paulatinamente o seu caminho de afirmação pela excelência. A inauguração de um sexto edifício de produção permitirá um incremento da produção anual de 500 para 1000 relógios instrumentos do tempo com a chancela ‘Made in Germany/Glashütte’.
Redenção
Entre as várias histórias das mais prestigiadas firmas relojoeiras do planeta existem deliciosos pormenores de superação humana e piscar de olho do destino, mas nenhuma consegue apresentar um grau dramático tão elevado como a da Lange & Söhne — os episódios trágicos e os revezes da fortuna foram tantos que têm forçosamente de abrilhantar cada relógio saído de um local que foi destruído há 60 anos.
Só que a crise pós-Primeira Guerra Mundial, as feridas dos bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial, as cicatrizes da expropriação política na Alemanha de Leste, a redenção após a queda do Muro de Berlim, o milagre do inverosímil regresso e até as cheias do início da presente década podem dar sentido histórico aos relógios da Lange & Söhne, mas não a alma. Essa nunca foi vendida ao diabo. Nem o coração, que sempre palpitou no peito do herdeiro Walter Lange e do financeiro Günter Blümlein, os artífices da segunda vida de uma firma que tinha praticamente 150 anos por altura da reunificação… e que precisou de mais quatro para renascer como uma fénix nos escombros da antiga RDA, minada pela bancarrota e pelo desemprego.
Walter Lange, bisneto do fundador Ferdinand Adolph Lange, recebeu a chave da cidade de Glashütte e a ordem de mérito do estado da Saxónia; actualmente pode descansar com o sentido do dever cumprido. A visão estratégica do malogrado Günter Blümlein é recordada por um busto de homenagem nas instalações da marca e na memória colectiva da manufactura. Hoje em dia, a Lange & Söhne é liderada por Fabian Kröne no seio do Grupo Richemont — e se há década e meia os cépticos metaforizavam a aventura da marca saxónica como uma corrida entre um Trabant de leste e um Mercedes ocidental, não há dúvida de que a Lange & Söhne mostra uma cilindrada capaz de ombrear com as míticas manufacturas relojoeiras suíças. Afinal de contas, foi considerada a primeira das 30 marcas mais luxuosas da Alemanha… à frente da Mercedes.
Quatro mosqueteiros
Filha da glasnost e da perestroika, a A. Lange & Söhne pós-Muro de Berlim surgiu personificada em quatro modelos iniciais. Esses ‘Quatro Mosqueteiros’ — o Lange 1, o Arkade, o Saxónia e o complicado Tourbillon Pour le Mérite — passaram com distinção no escrutínio da primeira apresentação aos clientes e à crítica especializada, no dia 24 de Outubro de 1994.
Não bastava que os relógios fossem esteticamente apelativos ou concebidos exclusivamente em metais preciosos. Denotavam pura classe e eram sobretudo diferentes sem destoar da tradição da marca, desde o plano estético e decorativo até ao aspecto técnico e à originalidade de concepção. Transpareciam alma e coração, imbuídos numa história com pedigree imperial: mecanismo tradicional em prata alemã com platina a três quartos, decoração única com gravação do galo do balanço e chatôns de ouro; a data sobredimensionada numa janela dupla inspirada num relógio da Ópera Semper de Dresden representou uma tremenda originalidade; o mostrador descentrado do emblemático Lange 1 e o princípio de transmissão (com fusée à chaîne) utilizado no Tourbillon ‘Pour le Mérite’ deixaram a indústria boquiaberta.
Feito um 31
A filosofia de produto manteve-se inalterável, insistindo na platina de base dos mecanismos em prata alemã (com níquel, zinco e bronze) que dá um tom único aos calibres Lange mas que é de difícil decoração e não permite margem para erro; oxida facilmente e qualquer descuido anula todo o processo, que é duplo: monta-se cada mecanismo para regulação e testes, desmonta-se para acabamento e decoração, e finalmente monta-se uma segunda vez.
A colecção evoluiu naturalmente, com os modelos menos complicados a serem devidamente acompanhados por prodigiosas complicações incluídas em modelos como o Langematik Perpetual, o Datograph, o Double Split com dupla função rattrapante, o Tourbograph com fusée à chaîne, o Datograph Perpetual ou o recente Lange 31. O nível dos acabamentos é simplesmente excepcional e a inventividade também, com a apresentação em média de dois novos calibres mecânicos por ano.
A transição entre o passado e o futuro parece assegurada da melhor maneira pelo actual chefe de pesquisa e desenvolvimento — o brilhante holandês Anthony de Haas, oriundo da escola vanguardista da manufactura de calibres Renaud & Papi mas que está imbuído da peculiar identidade da Lange & Söhne. É ele o homem por trás dos progressos no capítulo da reserva de corda, da criação de uma espiral própria e de novas invenções que aí virão.
Galeria de imagens
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