Os encantos musicais do Museu Speelklok

A pequena cidade Holandesa de Utrecht esconde um fantástico museu que explora a estreita relação entre a música e a contagem do tempo. O museu Speelklok (holandês para relógio musical) expõe uma vasta coleção de objetos capazes de tocar música de forma autónoma através de engenhosas técnicas mecânicas.

Foi deste museu que nasceu a ideia para a Marble Machine, uma máquina construída pela banda Sueca Wintergatan, capaz de tocar músicas através da queda de 2000 berlindes — um projeto que ganhou fama através de um vídeo viral no Youtube. Segundo o criador da banda, a inspiração principal da sua criação foi o carrilhão do museu Speelklok, a peça central deste museu localizado numa antiga igreja e cujo toque anuncia o início da visita guiada.

Museu-Speelklok: O carrilhão com a sua roda programável
O carrilhão com a sua roda programável | © Bruno Candeias

Na época não eram usados relógios pessoais, cabendo às igrejas das cidades a tarefa de contar e anunciar o tempo. Esta informação era dada à hora certa através do toque de sinos no número de badaladas correspondente — numa altura em que estes relógios não tinham mostrador e que a maioria da população nem sabia “ler” as horas. Uma melodia tocada pelo carrilhão, programável através de pinos fixos a um cilindro rotativo, cativava a atenção da população para o número de badaladas que se seguiam.

A primeira sala do museu dá continuidade à relação histórica entre a música e a relojoaria, estando dedicada aos relógios de parede e mesa com funções sonoras produzidos entre os séculos XVIII e XX. Estes relógios “aproveitam” o anúncio horário para tocar uma melodia, gravada em discos perfurados ou cilindros indentados. Os instrumentos variam de relógio para relógio, desde sinos e martelos a órgãos em miniatura.

Um dos relógios tinha o mostrador virado para a parede, optando por exibir aos visitantes do museu a traseira ornamentada com a mecânica visível. É possível pivotear a sua caixa na base para consultar o mostrador mas, segundo o guia, era pratica habitual colocar estes relógios virados para um espelho para permitir admirar as duas faces em simultâneo — uma espécie de Reverso do século XVIII.

À medida que os conhecimentos mecânicos e as artes decorativas foram evoluindo — motivadas pelo aumento da riqueza dos clientes e a vontade de possuir peças diferentes —a necessidade de informar as horas foi substituída pelo prazer do entretenimento, levando os mostradores a diminuir de tamanho e reservando o espaço livre para expor obras de arte. Na visita guiada destaca-se um relógio de mesa do século XVIII, decorado com uma paisagem campestre.

Museu-Speelklok
Momento da visita guiada na sala dos relógios | © Bruno Candeias

Com o início da melodia, a sua pintura ganha vida: pessoas começam a caminhar no fundo, enquanto que no primeiro plano um lenhador e dois carpinteiros serram e martelam para produzir um caixão. Este motivo acompanha vários dos relógios no museu e era usado na época como memento mori — um lembrete para aproveitar a vida, porque enquanto não dermos por isso já alguém está a trabalhar na nossa partida!

Museu-Speelklok: Um memento mori do século XVIII
Um memento mori do século XVIII | © Bruno Candeias

Na sala de dança conseguimos ver e ouvir alguns dos opulentos (e barulhentos) órgãos que antigamente animavam os bailes e festas através de uma variedade de instrumentos e estilos de música, programados em “livros” com cartões perfurados. A claridade do som e a harmonia destes instrumentos é verdadeiramente arrepiante, graças aos esforços de conservação do museu, que inclui uma oficina de restauro no piso superior.
Um dos órgãos foi recentemente convertido para MIDI, abrindo espaço para a música em formato digital — incluindo a possibilidade de interpretar canções dos Beetles num instrumento com mais de 100 anos!

Para os fãs de relojoaria mais tradicional, o museu também preserva alguns relógios de pêndulo, dos quais se destacam as complicações de um relógio Holandês criado em 1890. Para além das habituais indicações das horas, minutos e segundos, esta peça possui um calendário perpétuo, indicação do horário do nascer e pôr do sol, fases da lua, constelações e estações do ano. E como bónus musical, os dois seletores abaixo do mostrador das horas permitem escolher entre diferentes músicas e a sua frequência ao longo do dia.

Museu-Speelklok: Sala de dança
Sala de dança | © Bruno Candeias

A exposição conta também com alguns relógios de bolso do início do século XIX com uma variedade de complicações sonoras, desde repetição de minutos, complexas sonneries ou uma mistura das duas tecnologias. Estes relógios utilizavam minúsculas caixas de música, onde o cilindro ou disco giratório com protuberâncias colocava em movimento as palhetas metálicas em aço temperado que, ao vibrar, produziam o som correspondente a uma nota musical. Hoje em dia, são poucos os relógios de pulso com caixas de música devido à complexidade mecânica e ao tamanho do movimento, pelo que só marcas mais arrojadas como a Jacob & Co e a Ulysse Nardin é que experimentaram adaptar esta complicação sonora aos tempos modernos.

Relógio de pé com 12 complicações, incluindo a capacidade de seleção da música
Relógio de pé com 12 complicações, incluindo a capacidade de seleção da música | © Bruno Candeias

Ao longo da exposição somos convidados a conhecer o lado mais técnico da relojoaria, através da interação com modelos de mecanismos (perfeito para as crianças explorarem e experimentarem), ou estudando o funcionamento dos componentes dos relógios que se encontram desmontados no piso superior.

Soluções engenhosas como o “empilhar” dos sinos num único eixo central e a utilização de martelos duplos permitiram aumentar o número possível de tons dentro das caixas dos relógios e o ritmo da música; enquanto que o fuso e corrente contribuem para uma distribuição mais constante da tensão da mola, tocando os temas do início ao fim sem variações de velocidade.

O espaço de destaque do museu é sem dúvida a Royal Chamber, uma sala dedicada aos relógios e caixas musicais de antigas famílias reais e figuras políticas. Como seria de esperar, é aqui que se encontram os mais complexos relógios e peças únicas do museu.
Um dos exemplos é o relógio de mesa que pertenceu a Napoleão, criado por encomenda em Paris por Louis Moinet (o célebre inventor do cronógrafo). Esta peça completamente dourada possui uma interessante indicação das fases da lua (através de uma esfera que roda na ponta de um ponteiro), bem como um órgão musical e um autómato com a animação de Napoleão a ser coroado por dois anjos.
O grande motivo de orgulho do museu é o “Braamcampklok”, o monumental relógio que se destaca na Royal Chamber. Esta obra de arte de 2,5 metros de altura foi produzida pelo relojoeiro inglês Charles Clay em 1738 e cuidadosamente restaurada em 2016 pelo Rijksmuseum (o museu nacional holandês, situado em Amesterdão). O seu pequeno mostrador encontra-se embutido numa pintura a óleo e rodeado de motivos esculpidos em bronze.

Museu-Speelklok: Relógios de bolso com caixas de música
Relógios de bolso com caixas de música | © Bruno Candeias

O exterior elaborado esconde um órgão que toca uma seleção de árias de conceituados compositores da época, escritas especificamente para este instrumento—como ficaram gravadas e são reproduzidas mecanicamente, servem como uma autêntica cápsula do tempo que preserva a interpretação da música tal como soava quando foi composta.

Museu-Speelklok: Técnica: sinos empilhados (esquerda), corrente e fuso no cilindro musical (direita)
Técnica: sinos empilhados (esquerda), corrente e fuso no cilindro musical (direita) | © Bruno Candeias

O museu Speelklok é uma verdadeira joia no mundo da relojoaria, tanto pela variedade de peças preservadas como pela possibilidade única de ver autênticas maravilhas mecânicas em funcionamento. À saída do museu somos presenteados com o toque do carrilhão da Dom Tower, o final perfeito para esta viagem musical.

Museu-Speelklok
Braamcampklok (esquerda), e um orgão Carl Frei (direita) | © Bruno Candeias

Para mais informações, consulte o site oficial do museu Speelklok, enquanto aprecia uma playlist com músicas de 21 instrumentos mecânicos do museu.

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