François-Paul Journe: Primus Inter Pares

Em Genebra | François-Paul Journe é o mais galardoado mestre relojoeiro da atualidade, mas não é apenas o seu brilhantismo ou a excelência da sua manufatura que o fazem destacar-se. É também a vincada personalidade e a intransigente defesa da arte relojoeira. Na sequência do anúncio da entrada da Chanel no capital da F.P. Journe, aqui ficam os ideais de um viajante no tempo que é tão admirado como temido – e a sua abordagem a temas nucleares da atualidade relacionados com a manufatura.

_

O renascimento da relojoaria mecânica após a crise do quartzo entre a década de 70 e 80 trouxe um novo cenário: a eclosão de jovens mestres que não recearam colocar o seu próprio nome no mostrador de exemplares de alta-relojoaria, sacudindo qualquer repreensão oriunda dos sectores mais conservadores de uma indústria já de si particularmente tradicional. A Academie Horlogère des Créateurs Indépendants (AHCI) foi fundada em 1985, revelando-se fundamental para que toda uma geração de relojoeiros independentes pudesse desenvolver as suas próprias marcas. Nos início dos anos 90 começaram por ser Daniel Roth e Franck Muller, acompanhados pelo designer veterano Gerald Genta, a arriscar mais do que algumas unidades com o seu nome e a chegar as várias centenas; François-Paul Journe surgiu logo depois, em 1999, abrindo as portas do novo milénio a tantos outros que se seguiram e aventuraram por conta própria ou empurrados por investidores.

F.P. Journe Chronographe Monopoussoir Rattrapante
O F.P. Journe Chronographe Monopoussoir Rattrapante em titânio. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

No caso particular de François-Paul Journe, atualmente com 61 anos, o estabelecimento da manufatura F.P. Journe mostrou algo de diferente – uma reinterpretação do passado como nenhuma outra marca. A intransigente defesa da arte relojoeira abriu caminho para outras marcas independentes de alta-relojoaria, mas a sua própria intransigência colocou a própria marca num patamar à parte. Porque o mestre de origem marselhesa simplesmente não faz concessões, tanto no que diz respeito aos próprios relógios em si como à gestão do mote ‘Invenit et Fecit’ que fundamenta a F.P. Journe. Como se pode constatar pela abordagem a temas nucleares que lhe estão relacionados, incluindo o da recente entrada da Chanel no capital da empresa.

Conceção das molduras que colocam em destaque os submostradores do Chronographe Monopoussoir Rattrapante. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Conceção das molduras que colocam em destaque os submostradores do Chronographe Monopoussoir Rattrapante. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Produção estável

Tendo começado com uma base de 200 exemplares, François-Paul Journe situa a sua produção nas 900 peças e não deseja ir mais além. “Não quero nem posso produzir mais porque o nosso método de trabalho não o permite, cada relojoeiro faz o seu exemplar do início ao fim e não vou ceder à produção em massa. Cada relojoeiro tem de ganhar a nossa confiança e estar à altura do desafio. E prefiro crescer através da raridade do que pela quantidade, porque é falsa a ideia constituída de que a chave matemática para o crescimento é aumentar a produção. Uma boa maneira é evitar os erros – manter o cliente interessado fazendo novos relógios com novos movimentos e não criar uma linha a partir de uma edição exclusiva feita dez anos antes para grandes colecionadores”.

O F.P. Journe Chronographe Monopoussoir Rattrapante em ouro rosa. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
O F.P. Journe Chronographe Monopoussoir Rattrapante em ouro rosa. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Valor facial:

Um modelo F.P. Journe mantém o valor facial ou até o aumenta. “Os nossos preços são justos. Temos uma relação qualidade-preço excecional. Se um colecionador graças à sua influência ou conhecimentos consegue preços num relógio de uma qualquer marca com 50 por cento de desconto rapidamente constata que se trata de uma marca que perde valor. No nosso caso, o interesse dos colecionadores continua a subir e isso é significativo”.

François-Paul Journe © Paulo Pires / Espiral do Tempo
François-Paul Journe © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Alta-relojoaria:

Numa altura em que o termo alta-relojoaria é usado por vezes de modo abusivo, François-Paul Journe faz questão de manter os padrões bem definidos e sobretudo elevados. “Para salientarmos o que faz a diferença hoje em dia na alta-relojoaria é preciso primeiramente definir as suas bases, assentes nos seguintes pontos: a qualidade mecânica; o grau de acabamento; a coerência dos sistemas (um turbilhão com um turbilhão é uma grave estupidez, é como misturar o óleo com a água); a criação e o fabrico in-house, de modo a mantermos toda a originalidade”.

© Paulo Pires / Espiral do Tempo
© Paulo Pires / Espiral do Tempo

Modelo de negócio:

Globalmente, a marca F.P. Journe está estabilizada. “Apresentamos uma situação sólida relativamente não só relativamente à manufatura em si, às boutiques e aos agentes oficiais – mas também no plano financeiro. Podemos rever o conceito de boutique porque os grandes colecionadores não querem aparecer, pelo que penso em espaços mais reservados em andares de casas que não tenham acesso público e decorados como se de um apartamento se tratasse. Endereços discretos mas sumptuosos no interior que constituem uma nova abordagem de negócio. Outra via é vender apenas a quem quer mesmo estabelecer uma coleção: vendemos o Vagabondage 3 apenas a compradores que aparecessem com o Vagabondage 2 no pulso”.

Assegurar património:

O conceito Patrimoine, lançado em 2016, destina-se a restaurar e certificar oficialmente modelos antigos F.P. Journe comprados pela própria marca no mercado ou em leilões. “Fazemo-lo para que colecionadores os possam depois adquirir com toda a confiança, revistos por nós e com o valor exato do mercado. Todos os relógios adquiridos por nós encontram imediatamente um comprador, ao passo que muitos colecionadores hesitam comprar modelos mais antigos em segunda mão ou em leilões. Não se trata de uma nova via de negócio porque não vamos subir artificialmente os preços; é um serviço que permite fidelizar a clientela e a única margem eventual prende-se com os custos da restauração”.

O F.P. Journe Chronographe Monopoussoir Rattrapante em ouro rosa. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
O F.P. Journe Chronographe Monopoussoir Rattrapante em ouro rosa. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Coleção estratificada:

O catálogo da F.P. Journe mantém-se coerente e assenta em quatro pilares (acrescidos das variantes joalheiras, das versões especiais para as boutiques e das edições limitadas), tendo tido como única alteração estrutural a adição de uma linha mais desportiva. A linha Souveraine carateriza-se por submostradores descentrados e inclui modelos complicados que descendem diretamente dos primeiros da marca. A linha Octa apareceu depois com os primeiros movimentos automáticos e tem ponteiros ao centro. A LineSport recebeu este ano a adição do novo Chronographe Monopoussoir Rattrapante. A linha Élégante com caixa ‘tartaruga’ oferece algo mais feminino com movimentos meca-quartzo especiais em modelos de 40mm e uma variante de 48mm que serve pulsos masculinos. “Perguntam-me sempre se farei uma linha mais acessível, tal como me perguntavam se faria uma linha desportiva ou feminina. A LineSport foi repensada e o Chronographe Monopoussoir Rattrapante vai redefinir uma linha que no entanto não terá preços abaixo dos 50 mil euros. A linha Élégante é algo de completamente distinto no nosso catálogo e foi muito bem recebida”.

A biblioteca de Jean-Claude Sabrier foi adquirida pelo mestre François-Paul Journe e está exposta na manufatura da marca em Genebra. © F.P. Journe
A biblioteca de Jean-Claude Sabrier foi adquirida pelo mestre François-Paul Journe e está exposta na manufatura da marca em Genebra. © F.P. Journe

Próxima obra-prima:

Com o anúncio da conclusão em breve da produção do excecional Sonnerie Souveraine vem também a revelação discreta de que o próximo modelo de topo é de inspiração celestial. “Comecei a trabalhar num projeto de relógio com movimento astronómico há uma dúzia de anos; depois do trabalho de desenvolvimento começou a manufatura dos componentes. Em breve apresentaremos o resultado final” .

© Paulo Pires / Espiral do Tempo
© Paulo Pires / Espiral do Tempo

Novo parceiro estratégico:

A Chanel é um nome fortíssimo no universo da moda e do luxo, mas também com peso no mundo da relojoaria de prestígio. A qualidade das suas criações relojoeiras é notável e defende intransigentemente os Métiers d’Art, sendo dona da G&F Châtelain (empresa produtora de braceletes e caixas para marcas de alta-relojoaria) e com participação no capital da Bell & Ross e da Romain Gauthier. A abertura começou como uma pergunta: “O que acontecerá à F.P. Journe se eu desaparecesse? Não tendo a certeza de que os meus filhos irão prosseguir o meu trabalho, decidi garantir o futuro da minha companhia ao ceder 20 por cento do capital à Chanel. A escolha foi muito refletida e resulta de uma longa amizade e de um profundo respeito pelos proprietários dessa grande casa francesa. Partilhamos os mesmos valores de savoir-faire e de excelência, e temos uma visão comum do futuro. Mantenho-me como acionista maioritário da companhia e permanecerei calmamente no nosso trilho sabendo que a sua perenidade está assegurada!”.

Outras leituras