Faltam dois minutos e meio para a meia noite!

Com agosto e as férias a terminar, há que começar a dar importância a coisas mais sérias pelo que quem não tem acompanhado a troca de ameaças entre o presidente dos Estados Unidos e Kim Jong-un, o líder da Coreia do Norte, não tem certamente dado atenção às notícias e aos telejornais das últimas semanas.

O tema da Guerra Fria, que todos pensávamos ter sido relegado para as páginas da história, foi recentemente resgatado e parece agora ter migrado ainda mais para Este, fazendo-se sentir através de uma sucessão de testes de mísseis balísticos que visam provar ao Ocidente o poderio militar do regime ditatorial que controla este país localizado acima do paralelo 38.

O tema da ameaça nuclear que lhe dá expressão, e que paira sobre a cabeça de todos nós desde que o projeto Manhattan pôs fim à Segunda Guerra Mundial, está intimamente associado a um relógio nefasto sem qualquer mecanismo, mas cujos ponteiros são movimentados por um importante grupo de cientistas e intelectuais.

Em junho de 1947, o Bulletin of the Atomic Scientists, então apoiado entre outros por Albert Einstein, centrava-se no tema do controlo responsável do poder da energia atómica. Tratava-se até aí de uma publicação científica algo austera, cuja capa era apenas preenchida pelos títulos dos temas principais de cada edição.

Tendo surgido em dezembro de 1945, como uma simples publicação oriunda de Chicago de apenas seis páginas, passados pouco mais de dois anos tinha-se expandido para uma verdadeira revista, pelo que a capa passou a ser um elemento importante.

A equipa editorial passa assim a discutir opções, e uma das ideias que surge é a de imprimir a letra “U”, o símbolo químico do urânio e a matéria prima indispensável à construção de qualquer bomba atómica. Mas a ilustradora Martyl Langsdorf, então casada com o físico Alexander Langsdorf, sugere uma outra opção, bastante mais persuasiva.

bulletin of atomic scientists june1947
© Bulletin of the Atomic Scientists

As capas das edições futuras deveriam mostrar o mostrador de um relógio, mais precisamente, o último quatro deste com o ponteiro das horas na vertical a apontar para a meia noite, e o ponteiro dos minutos apenas um pouco mais à esquerda.

A mensagem era clara e de fácil interpretação, com a edição de 1947 a estrear um relógio que indicava apenas sete minutos para a meia noite. Sete minutos para a destruição da humanidade. Sete minutos para o juízo final!

A força da mensagem era de tal forma eficaz que nunca necessitou de uma explicação concreta. Algo terrível deveria acontecer assim que os dois ponteiros se encontrassem, e os artigos dessa mesma edição discutiam formas de o evitar.

Mas quem e como se decidiu a posição do ponteiro de minutos? Nesta edição, a decisão foi puramente arbitrária e obedeceu maioritariamente a critérios estéticos. Langsdorf tinha escolhido os sete minutos apenas por ser agradável à vista.

Em 1949, e já com o biofísico Eugene Rabinowitch como editor, o ponteiro sobre a capa avança para três minutos para a meia noite, em consequência direta do teste da primeira bomba atómica por parte da União Soviética.

Com a morte de Rabinowitch em 1973, a responsabilidade de acertar o relógio passa para o comité de segurança e ciência da publicação, que passa a reunir duas vezes por ano para avaliar o estado do mundo. Para o efeito, consulta um grupo de colaboradores da revista do qual fazem parte 16 prémios Nobel.

Em 1953, o relógio passa a indicar o seu valor mais critico com dois minutos para a meia noite, devido aos testes termonucleares empreendidos pelas duas superpotências da época num período de apenas seis meses entre si.

Em 1972, a assinatura dos tratados SALT e ABM estabeleciam uma paridade entre as nações e firmavam um acordo sobre futuras limitações na proliferação de armas atómicas. O relógio regredia o ponteiro dos minutos para indicar 12 minutos para a meia noite.

Passados oito anos, com a Índia e o Paquistão a efetuar testes nucleares num intervalo de apenas três semanas, o relógio avança novamente e passa a indicar nove minutos para a meia noite.

Desde que foi criado em 1947, o relógio do juízo final movimentou o seu ponteiro de minutos por 24 vezes. Entre as considerações que são agora levadas em conta, a guerra nuclear é apenas um dos fatores. A relação entre as superpotências, a ameaça terrorista, o extremismo religioso assim como o bem estar geral do planeta em termos de fome, seca e subida do nível dos oceanos, são aspetos que passaram a contribuir para o “mecanismo” que movimenta os ponteiros deste tenebroso relógio.

Nos dois anteriores comunicados do Boletim, o reposicionamento dos ponteiros foi acompanhado por um aviso sério por parte do comité de ciência e segurança: “A probabilidade de uma catástrofe global é muito elevada, e as acções necessárias a reduzir os riscos de desastre devem ser avançadas o mais rápido possível”.

O Boletim dos Cientistas Atómicos considera que o risco aumentou ainda mais em 2017, sublinhando a necessidade urgente de mais medidas. Governos e governantes devem atuar imediatamente, desviando a humanidade do precipício. Se não o fizerem, devem ser os cidadãos a avançar e a mostrar o caminho.

Este relógio é certamente muito menos agradável do que os que habitualmente são abordados pela Espiral do Tempo. Mas quer se queira quer não, tornou-se imperativo dar também a este tipo de relógios toda a nossa atenção. Um género de relógio ao qual infelizmente alguns governantes insistem em dar corda.

Neste momento, faltam apenas dois minutos e meio para a meia noite, o momento mais crítico desde 1954!

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