Wristshot: peculiar surto epidémico

Edição impressa | Continua a ser uma prática cada vez mais indissociada dos aficionados da relojoaria: tirar fotografias aos relógios no próprio pulso. O advento dos smartphones e, sobretudo, das redes sociais transformou esse hábito numa febre generalizada… da qual padeço alegremente.

Desde os meus primeiros tempos enquanto jornalista especializado em relojoaria, já lá vão uns 22 anos, que ganhei o hábito de tirar fotografias a relógios no pulso como ajuda à memória – permitindo-me posteriormente visualizar e recordar os relógios apresentados pelas marcas, com a vantagem acrescida de ficar imediatamente com uma noção do seu tamanho e de como assentariam no pulso. Esses instantâneos complementavam idealmente o que tinha escrito no bloco de notas e as entrevistas gravadas. Eram um excelente complemento à reportagem… mas rapidamente passaram de supporting role a protagonistas.

Numa primeira fase da Internet, ainda nos anos 90, essas fotografias acabavam por ser muito úteis em blogues e fóruns de discussão – e talvez tenha visto pela primeira vez o termo ‘wristshot’ num fórum qualquer, possivelmente do portal TimeZone.com. Com a eclosão quase simultânea dos smartphones e das redes sociais, sobretudo a partir de 2008, as fotografias de relógios no pulso assumiram um papel crucial no âmbito da paixão relojoeira. Primeiro, no Facebook; depois, no Twitter, e, seguidamente, no Instagram. Aficionados, colecionadores, jornalistas e profissionais do setor passaram a partilhar com afã os seus devaneios relojoeiros e a prática generalizou-se, ao ponto de se tornar num surto epidémico…

Fazendo contas por alto, já terei tirado mais de 100 mil wristshots na minha vida. A minha primeira estimativa foi de 50 mil, mas bastou olhar para o número de imagens que tenho no meu iPhone desde agosto (11 mil, além de todas as que já foram apagadas) para perceber que os números são mesmo exorbitantes. E dispararam furiosamente a partir de 2010, quando aderi finalmente ao iPhone: tornou-se mais fácil tirar fotografias, armazená-las e partilhá-las, além de o ecrã táctil facilitar a rapidez de focagem/execução. Tirar wristshots acabou por se tornar um hábito e até um vício; essa minha prática constante tem chamado a atenção de muitos colegas meus (também eles wristshooters!), e já me pediram conselhos para artigos em revistas e blogues. Está na altura de o fazer aqui na Espiral do Tempo

Seis regras básicas

A prática faz a perfeição, pelo que qualquer aficionado saberá o que mais lhe convém após tirar centenas e mesmo milhares de wristshots. Aqui ficam oito diretrizes que podem ajudar a conseguir melhores imagens:

ÂNGULO E DISTÂNCIA: é importante ter-se uma noção do ângulo a dar ao pulso e da distância a que fotografar. Claro que isso depende das condições de luz e da fuga aos maus reflexos (e a luz natural é sempre a melhor), mas tento sempre evitar aquilo que apelido de ‘efeito piza’: aqueles wristshots de cima para baixo em que o relógio mais parece uma piza ou uma panqueca. Uma fotografia angulada dá melhor noção do volume e da arquitetura da caixa. Também aconselho a que o pulso esteja algo afastado, porque há maior margem para editar – rodando a fotografia ou fazendo um crop.

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Patek Philippe Golden Ellipse 5738-50P-001 © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

SEM PRESSAS: seja a tirar fotografias ou a postar/publicar. É preciso calma e paciência, não só para tirar mais imagens, como também para encontrar um fundo sólido que permita realçar o relógio nos casos em que queremos que seja mesmo a única estrela da imagem. Depois, todas as ocasiões em que o fundo é relevante e ajuda a contar uma história. Também é preciso escolher cuidadosamente a melhor imagem e mesmo editá-la (as funções do Instagram permitem editar ainda melhor) antes da publicação.

MARCA PESSOAL: encontrar um signature shot é importante. O meu catálogo de wristshots no Instagram (em @miguelseabra) pode parecer repetitivo, mas é propositado. Uso frequentemente o mesmo ângulo de pulso e o mesmo filtro (Lo-Fi, com o respetivo enquadramento). Também tiro fotografias diferentes, mas para outros fins – desde o site da Espiral do Tempo até às Insta Stories. E com a nova possibilidade do Instagram, de se publicar até dez imagens num mesmo post, tiro também fotografias do relógio na mesa, na palma da mão, e alterno entre imagens verticais e horizontais. As horizontais oferecem mais margem para edição. As verticais são mais adequadas para as Insta Stories.

Montblanc 1958 Chronograph Bronze © Miguel Seabra / Espiral do Tempo
Montblanc 1958 Chronograph Bronze © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

USAR A MANGA: não sou grande apreciador de braceletes e joalharia juntamente com o relógio (até porque podem riscar); prefiro que o relógio seja devidamente complementado com um bom punho de camisa ou casaco, preferencialmente de cores sólidas – porque as riscas ou padrões de fantasia retiram protagonismo ao relógio.

MENOS BRAÇO, MAIS MÃO: um wristshot depende muito de cada pulso, das proporções do pulso e de como um determinado relógio assenta num determinado pulso; quem não gosta do modo como o relógio assenta ou se acha que o pulso não é fotogénico, basta tirar a fotografia com ele na palma da mão. Mas, no pulso, uma regra que considero fundamental é mostrar menos braço e mais mão.

VARIEDADE E INFORMAÇÃO: não gosto de postar sobre o mesmo relógio e a mesma marca consecutivamente – para mim, a variedade é fundamental… mas porque, sendo jornalista de relógios, tenho acesso a muitos. Quem não tenha tantos relógios à mão, pode sempre variar mudando de correia ou bracelete. Também gosto de ser informativo, adicionando dados sobre o relógio em si e as suas especificidades.

Porto Lange 1 Time Zone

FOCAR MANUALMENTE: a câmara de qualquer smartphone moderno tem autofoco, mas eu utilizo sempre o indicador para tocar na área que quero mais bem focada para ter a garantia de que a imagem sai com a melhor definição possível; usar a função de alta resolução também ajuda.

LIMPAR SEMPRE: finalmente, a regra básica que não deve ser esquecida é a da limpeza, sobretudo do vidro. Qualquer dedada pode arruinar um mostrador, sobretudo porque, muitas vezes, captura os reflexos.

A minha atividade de wristshooter já deu origem a muitos casos anedóticos, e os meus colegas gostam de me apanhar no ato, enviando-me depois a respetiva imagem. Mas o episódio que mais gosto de recordar é o de um wristshot na cara de Angela Merkel na Alemanha: gritei ‘Angie!’; ela olhou e ficou retratada para a posteridade, em segundo plano, atrás de um Lange 1 Daymatic!

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