Pior do que a meteorologia só mesmo a ficção científica

Recentemente assisti a uma sequela que cai facilmente na categoria de “filmes da minha vida”. Blade Runner 2049 de Ridley Scott, dá seguimento ao filme que há 35 anos atrás foi capaz de me marcar como poucos. Um efeito que atribuo a uma cinematografia (e onde incluo a extraordinária banda sonora dos Vangelis) que desde então não foi suplantada no âmbito da ficção cientifica.

Blade Runner 2049, de 2017, sucede pois a Blade Runner, de 1982. A comparação cinematográfica da realização de Ridley Scott tem gerado opiniões positivas e outras menos positivas. Confesso que tremi durante a primeira metade do filme, apenas para ver confirmado durante a segunda parte a arte de um dos mais conceituados realizadores deste género. No entanto, a versão de 82 continuará na minha memória como um dos melhores filmes de sempre.

E um dos aspetos sobre os quais avalio sempre este género, relaciona-se com a plausibilidade do mundo do amanhã, um aspeto relacionado com o tempo, a sua medição e de como evoluímos como espécie. Sendo um facto que os autores que definem uma realidade paralela ou dispensam marcar uma data concreta se safam sempre deste escrutínio, os restantes caem frequentemente numa armadilha onde o futuro que projetam lhes é negado pelo presente.

Para a realidade revelada por Ridley Scott em 1982, faltam apenas dois anos. “Blade Runner” mostrava-nos então como seria o mundo em 2019, e para “Blade Runner 2049” faltam agora exatamente 32 anos. Sinceramente, parece-me que não iremos ver materializada a realidade imaginada pelo autor Philip Kindred Dick (1928 – 1982), que faleceu poucos meses antes da estreia do filme, apesar da hábil extrapolação de aspetos decadentes da humanidade que, de certa maneira, são bastante contemporâneos. Replicants, carros voadores e edifícios de dimensão descomunal, são apenas alguns elementos retratados no filme que parecem tão deslocados da realidade previsível de 2019, como o deverão ser em 2049.

Mas não foi apenas o autor que parece ter falhado na antevisão de uma realidade futura. A ficção cientifica está pejada de exemplos que não conseguiram colocar a acção numa realidade cronologicamente credível. Até mesmo o prolífico Robert Heinlein teceu uma série de previsões em 1952 para a transição do milénio que, passados 17 anos, se verificam ter falhado estrondosamente. Isaac Asimov fez o mesmo exercício em 1964, prevendo uma realidade para 2014 que apenas em alguns pontos se veio a verificar.

De regresso ao grande ecrã, o extraordinário “Metropolis” de Fritz Lang mostrava-nos o mundo em 2026, 100 anos após a realização do filme. Faltam pois apenas 9 para uma simulação que, mesmo depurada do imaginário vigente no primeiro quartel do século XX, não poderia estar mais desajustada da realidade.

Quando foi estreado, em 1968, ninguém tinha dúvidas que Stanley Kubrick tinha seguido à risca as indicações de Arthur C. Clarke, com quem partilha a autoria de “2001: Odisseia no Espaço”. Passados 16 anos sobre o relato ficcional, o regresso do homem à Lua mantém-se ainda na “Bucket list” da humanidade, que não contempla sequer uma viagem a Jupiter.

O satélite terrestre é, aliás, o alvo preferencial de muitos escritores de ficção cientifica, mas cujas datas anunciadas teimam em não corresponder à passagem do tempo. Na estreia em 1975 da célebre série “Espaço 1999”, os autores Gerry e Sylvia Anderson previam uma estação espacial Lunar, que, passados 48 anos da aventura protagonizada por Armstrong, é ainda uma realidade que continua longe de ver algum género de concretização.

Mas mesmo enredos mais recentes parecem, felizmente, não conseguir acertar com a realidade assim que a data ficcional projectada é alcançada. Lançado como videojogo em 1989, pelo designer de jogos japonês Shinji Mikami, a acção de Resident Evil passa-se em 1998. A previsão catastrófica não poderia ter falhado mais estrondosamente,

Em 1996, “Escape from LA” de John Carpenter, mostra-nos um mundo apocalíptico que não podia estar mais em desacordo com a realidade de 2013, o ano em que decorre o enredo. E em “Terminator”, lançado em 1984, o apocalipse nuclear vai sendo adiado à medida que o franchise de James Cameron acumula episódios. Em “Terminator 2”, o dia do julgamento final é fixado em 2 de Agosto de 1997. Em “Terminator 3”, a data passa para 25 de julho de 2004, apenas para ser novamente adiada em “Terminator: The Sarah Connor Chronicles” para 21 de Abril de 2011. Finalmente, “2012”, rodado em 2009, previa a destruição total do nosso planeta, mas afinal, parece que ainda cá estamos.

É por tudo isto que gosto de calendários perpétuos. Pelo menos com este género de relojoaria complicada sabemos exatamente com o que contamos. Pelo menos até ao ano 2100. Uma capacidade de antecipação que bate a ficção científica aos pontos e que deixa a milhas qualquer previsão do boletim meteorológico.

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