SIHH (dinâmica crescente) e Baselworld (bom senso precisa-se)

Os suíços podem ser pessoas maravilhosas, mas são também capazes de, em alguns casos, explorar a nossa capacidade de tolerância até perto do seu limite. Essa tolerância tem sido posta à prova, ano após ano, normalmente em março, quando decido dedicar oito dias completos àquela que ainda é considerada a maior feira do setor da relojoaria, joalharia e acessórios do mundo, a famosa Baselworld.

O grupo MCH, a entidade que explora as magníficas instalações renovadas em 2013 pelos arquitetos Herzog & De Meuron e onde organiza, entre outros eventos, a Baselworld, foi recentemente confrontado com um revés assinalável manifestado por uma avalanche de desistências por parte de centenas de expositores internacionais, alguns deles a marcarem presença há décadas naquele certame. Uma tendência que se iniciou há cerca de dois anos e que agora se agudizou de forma marcante.

E isso deixa-me satisfeito.

Sim… satisfeito, no sentido em que há uma lição a aprender e que poderá vir a beneficiar todos os que apreciam a bela relojoaria.

É que durante os anos de crescimento quase ininterrupto da indústria relojoeira suíça ao longo de 15 anos, a organização da Baselworld explorou para lá do razoável a capacidade financeira de muitas marcas de média e pequena dimensão com preços por metro quadrado capazes de esgotar a quase totalidade do seu orçamento de marketing e comunicação para o ano inteiro.

Mesmo o retalho, o verdadeiro motor do certame, chegava a pedinchar aos mais diversos responsáveis das marcas que lhes facultassem entradas que, de outra forma, apenas poderiam obter ao engrossar as filas das bilheteiras, onde os ingressos eram vendidos a preços que, por cá e por pessoa, dariam para assistir ao próximo concerto do Bob Dylan.

Para a imprensa, especializada ou não, e mesmo após anos a repetir a mesma crítica junto dos responsáveis, a organização da Baselworld foi incapaz de criar uma área de imprensa capaz de prestar eficazmente o apoio requerido por estes profissionais. Os cacifos esgotavam ao fim de uma hora de abertura do espaço e o serviço e área de bar assemelhava-se mais a uma paragem de metro lisboeta em hora de ponta. Um ambiente facilmente imaginável, se considerarmos que a acreditação de profissionais nesta área alcançou o ano passado os 3500 jornalistas (bloggers incluídos). Quanto a espaços de trabalho com tomadas para carregar o portátil, a procura tem sempre excedido largamente a oferta.

Mas o maior pecado terá mesmo de ser atribuído à incapacidade e manifesta indiferença com que a questão do alojamento é tratada pela organização. A cidade de Basileia não possui infraestruturas hoteleiras capazes e suficientes para acomodar os mais de 150.000 visitantes de todo o mundo, e mesmo a alternativa dos “Bread & Breakfast” esgota semanas antes do evento, obrigando muitos a procurar alojamento em França, na Alemanha ou mesmo Zurique, que dista a mais de uma hora de comboio.

Por outro lado, os preços praticados pela hotelaria, e mesmo pelos particulares, raia manifestamente a obscenidade com diárias em estabelecimentos de terceira categoria a alcançar valores que habitualmente encontramos em hotéis de 5 estrelas no centro nevrálgico das grandes capitais da Europa. 400 euros por noite num hotel de 3 estrelas, mas com aparência de 2 estrelas é uma realidade vulgar na semana da Baselworld. Para os privados, que alugam os seus apartamentos e quartos (e que muito ficam a dever ao termo qualidade), os oito dias de feira representam uma autêntica festa. A receita que fazem questão de extorquir a quem se desloca à cidade em trabalho nesta altura dá-lhes para pagar umas boas férias nos melhores resorts de Bali e arredores. Aliás, nesta altura, uma boa parte da população abandona por completo a cidade.

Mas o inflacionamento de preços não se fica pelo alojamento, estendendo-se também à restauração onde, para além de ser difícil obter uma mesa para jantar nos restaurantes da cidade, somos confrontados com o tradicional “Schnitzel” (escalope panado tradicional com as vulgares batatas fritas) acompanhado por uma cerveja por cerca de 60 euros… Quanto ao almoço, esse terá de ceder lugar à tradicional salchicha no pão servida em prato de cartão por cerca de 8 euros.

Com isto, é impossível não apontar o dedo à organização da Baselworld que manifestamente, e ao longo de demasiados anos, parece ter estado literalmente nas tintas para quem efetivamente era responsável pelo êxito do evento. Retalhistas, marcas, revendedores, produtores e jornalistas parecem agora ter chegado ao seu limite como atestam as comunicações e ações de charme que a organização começou já a empreender em todos os setores da indústria, reagindo a um outro sinal de alarme: o manifesto crescimento e vigor evidenciado pelo Salão Internacional de Genebra que abre as suas portas já na próxima segunda feira.

Mesmo sem a genuinidade e o purismo que se sente nos vastos corredores de Baselworld, o SIHH continua a marcar a agenda mundial do setor atraindo cada vez mais marcas de relevo e relojoeiros independentes para Genebra. A capacidade empreendedora da organização a cargo da FHH, a Fundação da Alta Relojoaria criada sob a égide do grupo Richemont, tem sido capaz de proporcionar a todos os profissionais envolvidos um evento de excelência que, não estando isento de crítica ou espaço de melhoramento, tem-se revelado, mais do que uma opção cada vez mais credível, como uma alternativa necessária de maneira a devolver o bom senso aos organizadores da Baselworld, afinal, a mais antiga feira do setor do mundo.

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