Há histórias que parecem mentira. E esta é uma delas. No início do século XX, e com a Primeira Guerra Mundial, algumas empresas norte-americanas especializadas na aplicação de tinta luminescente (grande novidade na altura) nos mostradores dos relógios começaram a expandir-se de forma significativa.
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A aplicação dessa tinta era feita por centenas de jovens através de lip-pointing, uma técnica que consistia em afiar o pincel com os lábios de modo a poder cobrir com a máxima precisão os numerais, os indexes e os ponteiros. Claro está que os riscos deste procedimento lhes eram totalmente alheios: falamos de uma tinta à base de rádio numa época em que os cientistas começavam ainda a perceber as caraterísticas prejudiciais desta substância, bem como a sua particularidade de emitir radiação beta e gama. Porém, bem melhor do que os cientistas, estas jovens começaram a perceber e a sentir na própria pele os efeitos nefastos da massiva exposição a este elemento. Em The Radium Girls: The Dark Story of America’s Shining Women, Kate Moore conta-nos este incrível episódio que, batendo também às portas da indústria relojoeira, nos revela sem segredos a luta destas mulheres pela justiça e contra os interesses corporativos.
Um dos aspetos mais fascinantes passa pelo modo como cada uma das jovens referenciadas volta a ganhar vida, com um relato intimista das suas aspirações, da sua personalidade e na crença de que o seu trabalho era realmente especial e motivo de orgulho. Interessante é também acompanhar o modo como o rádio passa de substância-maravilha quase mágica repleta de futuro (são incríveis as descrições a este propósito) a veneno de grande ameaça.
Uma narrativa hipnotizante, que nos encanta, que nos revolta e que nos desafia a refletir sobre os mais diversos aspetos da história em geral e dos direitos no trabalho e das mulheres em específico.
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