Em Londres — A sétima edição daquele que se tornou no mais relevante certame relojoeiro do Reino Unido bateu vários recordes — e confirmou uma vez mais ser uma exposição a não perder pelos aficionados. Vale a pena passar três dias de novembro na Saatchi Gallery porque, de certa maneira, o SalonQP até consegue ser melhor do que os incontornáveis Baselworld e SIHH. Porquê? Aqui fica a nossa reportagem.
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Não há dúvida sobre quais são os mais importantes eventos mundiais da indústria relojoeira — Baselworld (no mês de março, em Basileia) e o Salão Internacional da Alta-Relojoaria (no mês de janeiro, em Genebra). Mas Baselword, com as suas centenas de marcas distribuídas por enormes pavilhões, é uma autêntica Babilónia, ao passo que o SIHH, que em 2016 passará para um pouco mais de uma vintena de marcas, é muito exclusivo e de acesso vedado ao público. Face a esses condicionalismos, o SalonQP de Londres acaba por ser o melhor para os aficionados e talvez mesmo para a imprensa especializada: tem uma dimensão mais humana, realiza-se num prestigiado cenário de uma grande metrópole e permite um contacto mais direto com as marcas, os seus produtos e os seus responsáveis.
A partir do momento em que o SalonQP passou a realizar-se na famosa Saatchi Gallery, os auspícios não poderiam ser melhores e foi a partir da terceira edição que o evento descolou em termos qualitativos — é que o nome Saatchi é uma adaptação da palavra turca ‘saatçi’… que significa ‘relojoeiro’! E trata-se de um certame que promove fortemente a cultura relojoeira a par da vocação comercial inerente à presença das marcas expositoras; há exibições (este ano foram três: uma com os relógios laureados no Grand Prix d’Horlogerie de Genève, outra sobre relógios-joia, outra sobre cronógrafos relevantes da história) e seminários para todos os gostos.
A aderência dos visitantes aumentou 23% relativamente a 2014. Só em espaços de convívio, a escolha era muita: no Harrods Lounge Café & Bar havia também uma exposição com alguns dos melhores relógios das melhores marcas presentes na secção relojoeira da famosa department store de Knightsbridge.
Por sua vez, a SevenFriday montou um concorrido bar no terceiro andar com a ‘ajuda’ sonora da companhia de sistemas sonoros escocesa Linn (uma espécie de Rolls Royce dos sistemas áudio). Em três dias foram consumidas quase 200 garrafas de whisky!
A Tudor montou um espaço com a Ducati em que se promovia uma experiência fotográfica em cima de motas Scrambler — numa alusão direta ao novo modelo Fastrider Scrambler lançado este ano. Qualquer visitante podia sentar-se numa das motos e receber depois uma impressão da sua fotografia. E foi lá que encontramos as irmãs Maria e Rebecca Doulton, nossas colegas da imprensa relojoeira.
Fomos também jantar com Philippe Peverelli, o CEO da Tudor, muito ufano por o seu exemplar único Heritage Black Bay ter arrebatado à volta de 300.000 francos suíços no leilão de beneficência Only Watch – algo de extraordinário, sabendo-se que o modelo regular anda pouco acima dos 2000 euros! E mostrou-nos o novo Black Bay Black numa conversa animada à volta de braceletes NATO.
E a Tudor foi mesmo uma das vedetas do SalonQP, tendo colocado um North Flag dentro de um enorme cubo de gelo para comprovar a resistência e estanqueidade do relógio e do novo mecanismo de manufatura da Tudor perante tão extremas condições.
A principal característica do SalonQP é a convivialidade. Vai-se lá para, em ambiente informal, se estar com os amigos e entrar em contacto direto com a cultura relojoeira ao mesmo tempo que se bebe um copo e se descobrem novas marcas ou os mais recentes modelos. O facto de a iniciativa ter sido idealizada pelo fundador de uma revista da especialidade — James Gurney, da revista QP (QP são as iniciais de Quantième Perpetuel, calendário perpétuo) — pesou certamente no modo como o salão se desenvolveu ao longo da sua primeira meia década de vida. Nos últimos dois anos, James Gourney vendeu os direitos da revista e do salão ao grupo de media que detém o jornal The Telegraph e que deu um novo ímpeto à iniciativa.
Para além da parte mais comercial de apresentação das marcas e das exposições, há ainda toda uma série de eventos paralelos que enriquecem sobremaneira o evento e fazem com que a visita seja mais válida: mini-cursos, leilões de beneficência, seminários, filmes (estreou-se o The Watchmaker’s Apprentice, sobre Roger Smith e o seu relacionamento com o grande George Daniels) e discussões temáticas e cocktails — porque o SalonQP saboreia-se melhor de copo na mão.
No que diz respeito aos seminários, houve dez repartidos por dois dias — com os temas: ‘Relógios de Alta-Joalharia’, ‘Como Desenhar Um Belo Objeto’ (tendo por preletor o impagável Gilles Ellis, da Schofield Watch Company), ‘O Domínio das Pedras Preciosas Coloridas’, ‘Dentro do Segundo — A História do Cronógrafo’, ‘A Aprendizagem da Relojoaria’ (com o mestre Roger Smith), ‘Do Milsub ao Pelagos — O Legado de Profundidade da Tudor’; ‘Como Desenvolver Um Movimento’; ‘Harry Winston e o Opus’; ‘Porque Importam os Turbilhões’; ‘Mercado Vintage — Leilões, Colecionadores, Internet’.
Piso térreo
Entre os vários destaques do piso térreo, várias menções obrigatórias. A primeira vai para a estreia pública do Opus 14 (o tal cuja conceção se inspirou no funcionamento de uma jukebox), que anteriormente tinha sido apenas apresentado à imprensa especializada.
A exposição «Gemas do Tempo» celebrou a cor nos relógios de alta-joalharia, sublinhando a tendência atual por peças de grande aparato joalheiro em cores vibrantes. Também no primeiro piso ficou situada a exibição dos relógios que arrebataram prémios no Grand Prix d’Horlogerie de Genève, incluindo o vencedor da Aiguille d’Or — o Tourbillon 24 Secondes Vision da Greubel Forsey. A iniciativa parisiense Objectif Horlogerie teve dois relojoeiros a dar mini-cursos de relojoaria no seu espaço. E Roger Smith, o mais cotado dos relojoeiros britânicos vivos, desvelou quatro novos relógios no espaço da leiloeira Phillips.
A Lange & Söhne teve como vedeta o Zeitwerk Minute Repeater, com o seu mecanismo de toque que faz soar as horas, os intervalos de dez minutos e os minutos.
A Seiko, em ano de aniversário, teve um stand consagrado à sua linha mecânica Grand Seiko — muito considerada pelos jornalistas especializados. Alguns modelos são uma maravilha de simplicidade nipónica, ao mesmo tempo que são dotados de calibres automáticos muito sofisticados. Este modelo, com um mostrador em tom de marfim, é o meu preferido — e Novak Djokovic, embaixador da marca, confessou-me mesmo que foi o modelo que usou no Baile de Wimbledon após ganhar este ano na chamada Catedral do Ténis.
Na Raymond Weil, o destaque foi para as peças inspiradas pela música — o novo Turbilhão Cello e o Nabucco Gibson.
A Montblanc mostrou as últimas novidades, incluindo a nova linha 1858 — com um visual rétro acentuado pelo logótipo antigo mas de tamanhos definitivamente mais contemporâneos.
E é sempre um prazer beber uma cerveja na companhia dos Horological Bros — os irmãos holandeses Tim e Bart Gronefeld, com a sua marca exclusiva com uma produção de apenas várias dúzias de peças excecionais por ano — incluindo o Tourbillon Paralax e o One Herz.
Sempre perto dos mestres holandeses está Stepan Sarpaneva e os seus modelos inspirados pela Lua e pelos fenómenos cósmicos noturnos; o seu modelo com mostrador luminescente Northern Lights conheceu um grande sucesso em 2015.
Em ano de 260.º aniversário e com todo o seu pedigree, a Vacheron Constantin tinha de ter menção obrigatória. Para além dos modelos Harmony que tanto deram que falar no SIHH em janeiro, a manufatura genebrina apresentou o mais recente Cornes de Vache — um belo cronógrafo de estilo rétro com asas em forma de corno.
A F.P. Journe Invenit et Fecit esteve presente pela primeira vez no Salon QP e o próprio François-Paul Journe foi uma das vedetas do primeiro dia; o destaque foi para a apresentação dos novos modelos regulares da sua coleção com o novo tamanho de 42 mm.
Primeiro piso
No primeiro piso, o stand da Academia Relojoeira dos Criadores Independentes é incontornável — uma organização que engloba e promove mestres relojoeiros e marcas independentes. O destaque foi para a família Preziuso, com o pai Antoine e o filho Florian a mostrarem o extraordinário Tourbillon of Tourbillons que arrebatou dois troféus (Inovação e Prémio do Público) no recente Grand Prix d’Horlogerie de Genève.
A galardoada marca concetual Urwerk apresentou o seu EMC ‘Pistol’, uma edição limitada de cinco exemplares com gravação de um mestre especializado em decorar armas.
A Chronoswiss regressou à Saatchi Gallery após um ano de ausência, investindo fortemente nos modelos da Artist’s Collection com mostradores esmaltados e na nova versão do seu relógio acústico Répétition à Quarts.
A pequena marca belga Raidillon é popular entre os britânicos devido ao seu gosto pelos desportos motorizados; todo o imaginário da marca está relacionado com Spa-Francorchamps e as corridas clássicas, com vários produtos em pele destinados ao ‘Gentleman Driver’ (luvas, sacos) a acompanharem o lançamento de um novo cronógrafo inspirado pelos Pit Stops — com totalizadores pretos que parecem pneus e a utilização do verde/turquesa para dar mais vitalidade a um relógio moderno.
Outro jovem criador independente, Alexandre Meerson, desvelou sob embargo o desenho de um novo cronógrafo que homenageia um modelo feito pelo seu pai na década de 80 e apresentou mais uma versão do seu GMT — um relógio com uma caixa enganadoramente aparentada com a dos cronógrafos devido aos dois botões que ladeiam a coroa… só que os botões servem para fazer avançar ou recuar o ponteiro do segundo fuso horário.
No primeiro piso houve também exposições da escuderia Lotus e da companhia perfumeira Creed.
Terceiro piso
A jovem marca de alta-relojoaria AkriviA, fundada pelo menino-prodígio Rexhep Rexhepi, apresentou a sua mais recente novidade — o Tourbillon Chiming Jumping Hour, finalista da categoria dos relógios acústicos do Grand Prix d’Horlogerie de Genève com um movimento de manufatura dotado de turbilhão, horas saltantes e um mecanismo de ação silenciosa que faz soar as horas à passagem. Uma das marcas mais surpreendentes dos últimos tempos.
Com a sua casa-mãe presente em força no piso térreo, a recém-estreada Ferdinand Berthoud também centrou as atenções graças à apresentação da sua primeira peça — uma obra prima inspirada na obra de um dos mais famosos relojoeiros de todos os tempos que deu nome à marca ressuscitada por Karl-Friedrich Scheufele, copresidente da Chopard.
Também jovem, mas não tanto, a MB&F mostrou o seu novo Legacy Machine Perpetual — uma extraordinária peça que, na sequência dos modelos LM1 e LM2, coloca componentes vitais do mecanismo acima do nível do mostrador e debaixo de um vidro abobadado… com a particularidade suplementar de se tratar de um calendário perpétuo idealizado pelo mestre relojoeiro irlandês McDonald. A par da sua primeira peça dotada de uma grande complicação tradicional, a marca exibiu também os seus relógios de mesa da linha Arachnophobia.
O carismático Giles Ellis, designer fundador da pequena marca britânica Schofield, apresentou o Signalman Silvertop juntamente com a sua grande variedade de acessórios — desde correias em tweed até estojos em pele.
A Manufacture Royale mostrou novas peças da coleçãoo 1770 — nomeadamente o Voltige. O sensacional Micromegas, com os seus dois turbilhões de velocidades distintas está ainda em fase de afinação, mas é fascinante — senão mesmo hipnotizante!
Felix e Maria Christina Habring mostraram o seu galardoado Felix, vencedor da Petite Aiguille do Grand Prix d’Horlogerie de Genève. Mentor do famoso Doppelchronograph da IWC, Felix Habring mudou-se para a sua Áustria natal para fundar a Habring² com a sua mulher e mantém uma fiel legião de seguidores.
A Rebellion é a única marca relojoeira que é simultaneamente uma escuderia automóvel — e que este ano voltou a brilhar no campeonato de endurance com os seus bólides LMP1. Os seus relógios são poderosos e autênticos carros de corrida para o pulso.
O mestre finlandês Kari Voutilainen é um dos mais respeitados senhores da relojoaria independente — e os seus relógios são irrepreensíveis, tanto no plano técnico como sobretudo no estético: os mostradores em guilloché e a decoração do movimento são uma delícia.
A Vulcain mostrou as mais recentes variantes do seu relógio 50s Presidents — algumas delas com um extraordinário mostrador guillochado.
O designer Emmanuel Dietrich foi protagonista da história mais triste do SalonQP, já que os atentados em Paris na sexta-feira do evento vitimaram uma sua irmã. Só teve conhecimento do sucedido no final do salão, onde apresentou a sua coleção de modelos Dietrich com forte personalidade alimentados por um movimento automático japonês Miyota.
Antes da Dietrich, a Sevenfriday inaugurou um novo patamar de preço na relojoaria mecânica com os seus modelos também alimentados com movimento Miyota; no SalonQP mostrou o novo modelo da linha V-3 e o novo modelo Woodie em edição limitada, com uma parte lateral composta por sete anéis de madeira comprimida. Aqui está ele.
Claro que numa feira de relojoaria teriam de estar também marcas de industrias associadas. Como a Büben & Zorweg, especializada em caixas para relógios, ou a LIC, manufatura belga de produtos de pele que produz correias para algumas das melhores marcas suíças, como a F.P. Journe, e, claro, as marcas belgas como a Ressence e a Raidillon.
Para além das marcas expositoras, o ambiente do SalonQP também impressiona pela parte fashionista, indo do relaxado ao mais sofisticado, com as típicas exibições de irreverência espalhafatosa da moda britânica a alternarem com os mais sofisticados vestidos. E sempre muita bebida espirituosa a jorrar, com bloggers a circularem à mistura com jornalistas especializados vindos de várias partes da Europa.
A questão que se coloca é: para quando um certame relojoeiro digno desse nome e da melhor arte relojoeira em Portugal? Neste fim-de-semana a caravana relojoeira está presente no Carrossel do Louvre, com várias marcas de prestígio a exibirem-se no salão parisiense Belles Montres. E a Espiral do Tempo também vai estar por lá para depois vos contar como foi…
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