Após centenas de novos modelos escrutinados ao longo dos corredores da Palexpo, aqui fica uma seleção muito pessoal de relógios que se destacaram de maneira especial no recente Watches & Wonders.
A primeira grande cimeira relojoeira de 2022 ficou concluída com uma intensa semana em Genebra que teve o seu foco nevrálgico na Palexpo, onde decorreu a primeira edição presencial do Watches & Wonders — o certame que sucedeu ao antigo Salão Internacional de Alta Relojoaria (SIHH) e que passou a aglutinar também várias marcas anteriormente presentes na extinta Baselworld. O Watches & Wonders contou com 38 marcas, mas os eventos limítrofes — desde o Time to Watches ao Barton7, passando pelos showrooms de marcas em hotéis, elevaram o número de marcas expositoras para além da centena. Seria praticamente impossível visitar todas, mas houve a oportunidade de apreciar tudo o que foi mostrado no Watches & Wonders e aqui fica uma seleção pessoal e arbitrária dos relógios que, de uma maneira ou outra, mais se evidenciaram na Palexpo.
“And the winner is…”
A Watches & Wonders ainda decorreu na ressaca da traumática cerimónia dos Óscares que tanta tinta fez correr e se tornou num tema incontornável nas redes sociais, mas a frase já é antiga e aproveita-se para qualquer ocasião em que seja necessário determinar um vencedor. E, para mim, o relógio vencedor do Watches & Wonders é… o Vacheron Constantin Les Historiques 222. Mesmo não sendo eu um apreciador de metais amarelos e prefira relógios com algum tipo de complicação, logo que vi o anúncio e as imagens da reedição do histórico 222 de 1977 por parte da Vacheron Constantin achei que poderia muito bem ser ‘a peça’ do salão — e confirmei a minha opinião quando o tive na mão.
Claro que tenho de fazer aqui uma declaração de interesses. O 222 sempre foi o meu relógio preferido da tipologia do design integrado que dominou a década de 70, batendo por pouco o Royal Oak da Audemars Piguet. E há já muito tempo que suplico a Christian Selmoni, responsável do departamento de património da Vacheron Constantin, que o ressuscite. Seria lógico que o fizesse em 2027, no 50º aniversário do modelo que posteriormente daria origem ao Overseas, mas ainda bem que anteciparam a reedição para o 45º aniversário porque agora é uma excelente altura para o lançar: em plena folia à volta do Royal Oak e do Nautilus, mostra-se ao mundo que houve outros excelentes desenhos integrados que não apenas os de Gérald Genta e que o designer Jorg Hysek merece ser mais conhecido do grande público. Para mais, a opção pela versão em ouro amarelo do 222 transmite ainda melhor o espírito dos anos 70. A reedição é completamente fiel ao original, com diferenças muito ligeiras; a mais descortinável é a discreta menção ‘Swiss Made’ em vez de ‘Swiss’ no mostrador, mas a versão moderna está dotada de um novo calibre e uma bracelete que, para além de ter os elos mais próximos para evitar depilações indesejadas, também inclui um sistema de microajuste.
Claro que também se poderia considerar o 222 como ‘Melhor Reedição/Reinterpretação’ em vez de ‘Melhor Relógio’, mas essa opção retirar-lhe-ia o peso que eu lhe quis dar. E em breve escalpelizaremos melhor um lançamento que vai fazer disparar o preço dos modelos originais de 1977 e valorizar devidamente a Vacheron Constantin face à predominância atual da Patek Philippe e da Audemars Piguet.
O mais clássico
Não há palavras para descrever a beleza do Richard Lange Minute Repeater da A. Lange & Söhne. A marca germânica introduziu três novos modelos no Watches & Wonders e, se for tido em conta que o relógio em grande escala à entrada do stand é tradicionalmente o mais relevante das novidades, a nova versão do Odysseus deveria ser a vedeta. Mas não; nem o Odysseus em titânio de mostrador azul gelado, nem a atualização do Grand Lange 1 com mostrador texturado me impressionaram tanto como o Richard Lange Minute Repeater — dotado de fabulosas proporções clássicas, com 39 milímetros de diâmetro e um mostrador branco confecionado com três camadas de esmalte contrastado por um grafismo negro de alta definição.
O classicismo do mostrador com pequenos segundos esconde toda a complexidade da complicação que lhe é inerente: o Richard Lange Minute Repeater marca o regresso da manufatura saxónica às complicações acústicas e é capaz de anunciar o tempo com o puxar da alavanca na parte lateral da caixa, apresentando melhorias de funcionamento (eliminação da pausa entre o batimento das horas e dos minutos, sistemas de proteção do mecanismo); está limitado a 50 exemplares em platina.
O mais épico
A minha geração ainda cresceu a ler a saga do Rei Artur, da espada Excalibur e dos Cavaleiros da Távola Redonda — pelo que as edições especiais da Roger Dubuis dedicadas a tão marcante temática da cultura anglo-saxónica me prendem sempre a atenção. E, tendo estado recentemente em Murano (uma localidade contigua a Veneza que é famosa pelo seu vidro colorido), as duas novas edições de 2022 com vidro de Murano não podiam passar despercebidas: são relógios completamente diferentes do que habitualmente se vê, têm essa simbologia épica que captura o imaginário de quem está familiarizado com a lenda do Rei Artur e ainda incluem 12 microesculturas na representação das horas.
Para além dos 12 cavaleiros esculpidos, o jogo de cores proporcionado pelas peças de vidro de Murano dispostas no mostrador e ainda o turbilhão central tornam o Knights of the Round Table um relógio muito especial.
O mais canhoto
Foi o relógio que mais deu que falar no início do salão, até porque qualquer novidade apresentada pela Rolex tem sempre grande repercussão mediática. E o novo GMT-Master II nem é o primeiro relógio da marca da coroa com coroa à esquerda (há raras exceções), uma configuração frequentemente pensada para os esquerdinos usarem o relógio no pulso direito ou mesmo para os destros que têm essa preferência. No entanto, e porque a Rolex não deixa nada ao acaso, é um relógio concebido de raiz e longamente testado para ser utilizado no pulso direito; não virou simplesmente o movimento ao contrário, como é frequente suceder, e até a colocação da janela da data representou uma complexidade adicional.
A combinação de cores na luneta Cerachrom é inédita, associando o preto ao verde tão caro à marca genebrina. Apesar de todas as outras novidades da Rolex, começando pela clara atualização do Air King e acabando no Day-Date em platina com nova luneta canelada no mesmo material precioso e mostrador ice blue, o GMT-Master II ‘Destro’ (ou ‘Sprite’, como já lhe chamam) foi mesmo o relógio mais mediático entre as novidades da Rolex e pode levar as marcas a reformular as suas coleções com mais modelos do género; afinal de contas, estima-se que a população de esquerdinos se situe entre os 10 e os 15 por cento.
O mais funcional
Na senda da sua sister company Rolex, a Tudor afirmou-se ao longo da última dúzia de anos como uma marca reputada pelos seus tool watches de inspiração vintage — e, no décimo aniversário da linha Black Bay que lhe deu tantos galardões e prémios por esse mundo fora, o Black Bay Pro é aquele relógio praticamente sem falha que fica bem em qualquer coleção. Apresenta múltiplos códigos rétro, sobressaindo uma luneta em aço com escala de 24 horas reminiscente dos modelos vintage Rolex Explorer Ref. 1655 (também apelidados ‘Steve McQueen’) e o ponteiro GMT num tom amarelo-alaranjado.
É também o primeiro GMT da Tudor executado na caixa de 39mm do Black Bay Fifty-Eight, um formato muito apreciado pelos aficionados da marca em particular e da relojoaria em geral. Está disponível, como habitual na Tudor, em bracelete de aço, correia de pele ou bracelete têxtil confecionada na tecelagem Julien Faure — mas é o look 100 por cento metálico que melhor faz sobressair o espírito do relógio. O Black Bay Pro é o paradigma do tool watch e um companheiro para todos os dias e todas as circunstâncias.
O mais futurista
A TAG Heuer puxou pelos pergaminhos do acrónimo TAG (Techniques d’Avant Garde) do seu nome e apresentou o inesperado Carrera Plasma Tourbillon Nanograph, um cronoturbilhão cuja estrutura é abrilhantada por diamantes criados em laboratório. O próprio mostrador é feito a partir de um diamante criado nessa forma específica, havendo ainda diamantes nos marcadores das horas, incrustados na caixa e na própria coroa. Sem esquecer todos os avanços tecnológicos presentes no movimento. Ou seja, um cocktail verdadeiramente futurista empacotado nas formas relativamente clássicas do Carrera. Com um preço de 350.000 francos suíços, é o mais caro relógio na história da marca.
O mais aventureiro
Atendendo ao peso institucional da Patek Philippe, o lote de novidades da histórica manufatura genebrina é sempre relevante — mas, mesmo que para mim o paradigma da marca sejam os seus cronógrafos com calendário perpétuo e a nova versão de mostrador verde seja extremamente apelativa, a minha opção foi para um relógio dedicado ao viajante que está muito perto da perfeição: o Calatrava Annual Calendar Travel Time, com um mostrador dégradé cuja superfície texturada é inspirada na textura granulada das caixas das antigas máquinas fotográficas. A decoração em Clous de Paris do segmento médio (lateral) da caixa em ouro branco também lhe dá uma personalidade muito especial.
No plano da complexidade mecânica, é a primeira vez que a Patek Philippe associa um calendário anual ao seu sistema patenteado Travel Time — sendo que apresenta o ineditismo de dispensar os botões para mudança do fuso horário em detrimento de um ajuste a partir da coroa, que faz com que o conjunto seja esteticamente mais elegante. O relógio exala um romantismo vintage muito apelativo e vem acompanhado de duas correias com tons que reforçam o seu espírito aventureiro.
O mais negro
Ainda não é um relógio propriamente dito, mas uma espécie de embrião — o Moser Streamliner ‘Blacker than Black’ em Vantablack exibido num expositor do stand da marca e que tanta gente enganou… porque praticamente não se via diante de um fundo negro! Apenas os ponteiros permitiam indicar que estava lá alguma coisa. O efeito ótico é notável e espera-se que a pesquisa e o desenvolvimento do produto permita à H. Moser & Cie concretizar um projeto que deu muito que falar durante o Watches & Wonders.
O mais alvo
Os relógios de caixa branca não constituem propriamente uma novidade, mas também não tem havido muitos que tenham alcançado a unanimidade do precursor J12 da Chanel. No entanto, o Pilot Watch Chronograph Top Gun Edition ‘Lake Tahoe’ é seguramente um dos melhores relógios brancos de sempre — e mostra também a adesão da IWC a uma mescla de cerâmica e titânio que assume um papel preponderante no seu catálogo.
As novidades apresentadas no Watches and Wonders andam precisamente à volta da cerâmica e da associação à Pantone para o estabelecimento de tons bem definidos; o verde ‘Woodland’ e o khaki ‘Mojave Desert’ são também cores muito apelativas, mas o branco ‘Lake Tahoe’ distingue-se claramente e contrasta em beleza com o seu mostrador negro. A alvura inspira-se nos uniformes brancos dos pilotos e na paisagem gelada de inverno do lago Tahoe, localizado na Serra Nevada (EUA).
O mais poético
A casa parisiense Van Cleef & Arpels tem-se revelado inultrapassável na execução de relógios dotados das chamadas complicações poéticas — e o Lady Arpels Heures Florales deste ano surge nessa sequência, sendo dotado de um calibre automático cujo módulo suplementar dá os minutos lateralmente e as horas a partir de flores que… se abrem no mostrador! O efeito visual é surpreendente e extraordinário, sem esquecer toda a excelência joalheira e artística da peça.
O mais joalheiro
A Cartier é imbatível no plano joalheiro, mas ultrapassou-se a si própria na concepção de um relógio de formato cushion que é mole como uma almofada! O novo Coussin de Cartier tem uma caixa que parece algo esponjosa, mas que assenta numa estrutura de rede cravejada com brilhantes que oferece essa sensação. Verdadeiramente espantoso…
O mais transparente
O LUC Full Strike Sapphire foi a estrela da companhia da Trilogia do Tempo apresentada pela Chopard — três relógios dotados de complicações acústicas baseadas no sistema patenteado de gongos integrados no vidro de safira que foi desenvolvido pela equipa de Karl-Friedrich Scheufele. E foi também uma das estrelas do Watches & Wonders, uma obra-prima limitada a cinco exemplares. É fácil ver porquê, até porque é transparente… mas não é apenas um regalo para a vista, é também para o ouvido!
O look cristalino total deve-se à estrutura em safira — que permite uma visibilidade de 360 graus do Calibre L.U.C 08.01-L. O Full Strike Sapphire é o primeiro relógio de caixa não metálica a receber o Punção de Genebra e o primeiro repetidor de minutos de caixa totalmente elaborada em safira. Conteúdo e contentor fundem-se num instrumento musical transparente; a safira sintética, confecionada por especialistas na matéria, é também um dos materiais mais resistentes ao risco e ostenta uma dureza de nove na escala de Mohs (só ultrapassada pelo diamante).
O mais semitransparente
A Panerai tem apresentado uma elevada cadência no lançamento de novidades — e este ano não foi exceção, sobretudo com os tão aguardados modelos Submersible em 44 milímetros. Mas o Submersible QuarantaQuattro acabou por ser relegado para segundo plano diante do novo Luminor Goldtech Perpetual Calendar, cujo espetacular mostrador semitransparente torna a animação da data e do dia da semana ainda mais relevante. As restantes indicações do calendário são fornecidas no verso.
O mais freak
Só podia mesmo ser o novo Freak S, da Ulysse Nardin — a mais recente versão de um dos primeiros ícones relojoeiros do século XXI. O revolucionário conceito inaugural idealizado por Corole Kasapi Foirestier com turbilhão-carrossel surge agora a rodar no mostrador em forma de nave espacial e com dois turbilhões; o nariz da nave indica as horas.
O mais imóvel
Não é tão portátil como um relógio de pulso e merece estar num altar para ser admirado: o Atmos Tellurium é mais uma adição extraordinária à longa linhagem do Atmos, o relógio da Jaeger-LeCoultre que é alimentado pelas mais ínfimas mudanças de temperatura.
O mais psicadélico
A Hublot investiu muito nas cores e em novos modelos Big Bang Integral com caixa e bracelete de cerâmica, mas deram ainda mais nas vistas as execuções joalheiras carregadas de pedras preciosas de todas as cores. Sobretudo um Classic Fusion com caixa transparente em safira e um mostrador rotativo em pétalas com doze cores distintas e um centro igualmente adornado com pedras preciosas multicolores! A psicadélica peça nasceu da colaboração com o artista nipónico Takashi Murakami, conhecido pelo multicromatismo das suas criações. O Classic Fusion Takashi Murakami Sapphire Rainbow estálLimitado a 100 exemplares e inclui 384 pedras preciosas no mostrador.
O mais simbólico
É um relógio associado a uma marca que escolheu não estar presente este ano no Watches & Wonders, mas o MAD1 Red foi orgulhosamente envergado no pulso de jornalistas e colecionadores ao longo da semana na Palexpo e em Genebra. Trata-se da segunda edição do relógio imaginado por Max Büsser que permite aos seus amigos aceder ao seu mundo (e ao da MB&F, embora não se trate de um relógio MB&F!) através de uma peça comercializada ao ‘preço acessível’ de 2.900 francos suíços — mas carregada de simbolismo e que personifica na perfeição a humanidade de Max e da sua equipa. O movimento Miyota foi completamente modificado para apresentar no topo um rotor tripartido em titânio e tungsténio, com as horas e os minutos a serem fornecidos lateralmente através de discos rotativos. O design é do mestre Éric Giroud.
Tive a sorte de, enquanto amigo de longa data, beneficiar de um código que me deu acesso direto à peça; neste momento há cerca de 30 mil candidatos inscritos numa tômbola que irá determinar quem fica com os cerca de 1000 exemplares MAD1 Red disponíveis após essa triagem inicial. A iniciativa arrancou em 2021, com uma tiragem mais restrita do conceito: o MAD1 Blue.
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