A hora da mudança na Richemont

Na Richemont, acertam-se as horas. Para uns, é tempo de abalar. Para outros, é a altura de ascender a cargos de topo, colocando a sua impressão digital no futuro de um dos mais importantes grupos de luxo do mundo.

 Crónica originalmente publicada no número 58 da Espiral do Tempo (primavera 2017)

As mudanças não são um ‘tremor de terra’, mas indicam uma nova perspetiva empresarial, depois de um período de arrefecimento dos resultados do crescimento global e do surgimento de novos desafios nas diferentes áreas de mercado onde a Richemont opera. As saídas não deixam ninguém indiferente: deixam a Richemont o chief executive officer (CEO) Richard Lepeu e o chief financial officer (CFO) Gary Saage, o que implica que os diretores de marcas passarão a reportar diretamente à administração e, sobretudo, ao seu presidente, Johann Rupert. Ao mesmo tempo, remodelou-se a estrutura de direção do grupo, tendo sido nomeados para esse núcleo duro Jérôme Lambert (diretor da Montblanc), que será chefe de operações, e Georges Kern (IWC), que passará a ser o responsável máximo das áreas de relojoaria, marketing e digital. Johann Rupert, o maior acionista da Richemont, continuará como presidente executivo, ao mesmo tempo que alguns membros da administração também se retirarão, incluindo o antigo CEO, Norbert Platt. Burkhart Grund substituirá Saage. Centralizar decisões e rejuvenescer quadros parece ser a nova palavra de ordem. A estratégia do grupo também parece mudar: maior peso no digital e no marketing. A tática para mais vendas é, para já, criar emoções fortes que cativem os consumidores.

A decisão foi recebida favoravelmente pelos investidores, o que levou a uma subida das ações na bolsa de Zurique, apesar da queda de 43% que os lucros do primeiro semestre sofreram. Trata-se da maior alteração na Richemont desde 2009, quando Rupert voltou a ser o homem do leme, para voltar a colocar em navegação o enorme porta-aviões, assolado pela crise financeira global. As decisões consolidarão também o poder nas mãos de Rupert e dar-se-á início a uma reformulação dos setores da relojoaria, mas também do luxo e da moda. Saem da Richemont nomes com tradição: Philippe Leopold-Metzger (Piaget), Juan-Carlos Torres (Vacheron Constantin), Daniel Riedo (Jaeger-LeCoultre) e Fabrizio Cardinali (Alfred Dunhill). A Piaget passará a ser dirigida por Chabi Nouri, diretora de marketing e vendas da marca. Louis Ferla, também diretor de marketing e vendas da Vacheron Constantin, substituirá Juan-Carlos Torres. Georges Kern ficará interinamente à frente da Jaeger-LeCoultre, e, na Alfred Dunhill, a chefia repousará nas mãos de Andrew Maag. No topo, reforça-se o poder de Rupert, que fundou a Compagnie Financière Richemont SA, em 1988, com o seu pai, Anton, que fez uma fortuna ao criar a Rembrandt Tobacco Corp.

Rupert é o homem mais rico da África do Sul, com uma fortuna avaliada em 6,5 mil milhões de dólares, segundo o índice de bilionários da Bloomberg. A questão geracional e o desafio digital estão obviamente entre as maiores preocupações de Rupert. As grandes marcas buscam atrair os clientes mais jovens que preferem as compras on-line. Outras marcas têm estado atentas a esta mutação de valores: Bernard Arnault, da LVMH, contratou um alto quadro da Apple para liderar a aposta digital do grupo. A TAG Heuer abriu um escritório em Silicon Valley. E a Richemont vai também apostar no marketing e comércio digitais.

Ao mesmo tempo, Rupert prepara o seu sucessor, que aparentemente será o seu filho, Anton Jr., de 28 anos, que deverá por agora ter um cargo não-executivo. A nova equipa de gestão de Richemont terá pela frente uma tarefa digna de Hércules: dar nova vida aos resultados menos interessantes dos últimos tempos. O lucro operacional do grupo caiu para 798 milhões de euros no semestre até setembro de 2016, devido, em muito, à recompra de relógios aos retalhistas. Reflexo de uma conjuntura negativa que tem afetado toda a indústria suíça. Para já, a Richemont deverá reduzir a produção do número de relógios e não se fala do corte de empregos (o grupo tem cerca de oito mil funcionários na Suíça). Mas vai avançar para o fecho de boutiques em locais menos importantes na China, onde se tinha expandido bastante. Algumas marcas que estão a funcionar abaixo dos valores que lhes garantem estabilidade também sofrerão alterações. Os dados têm sido cinzentos: as vendas do grupo declinaram, verificando-se as maiores quedas na Europa e no Japão. As vendas na região da Ásia/Pacífico, que representam 35% das receitas, caíram 8%, impulsionadas por recompras. A importância da Richemont no mundo do luxo é notória. Basta ver as marcas que controla: A. Lange & Söhne, Azzedine Alaïa, Baume & Mercier, Cartier, Chloé, Dunhill, IWC Schaffhausen, Giampiero Bodino, Jaeger-LeCoultre, Lancel, Montblanc, Officine Panerai, Piaget, Peter Millar, Purdey, Roger Dubuis, Shanghai Tang, Vacheron Constantin, e Van Cleef & Arpels.

Há, no mercado e entre os analistas, outras sensações sobre a mudança rápida da Richemont, bem diferente daquilo que era uma filosofia histórica de transições calmas, num grupo onde existia um espírito de clã, considerado atípico no universo as marcas de luxo e muito diferente do modelo familiar da Swatch, por exemplo. Avança-se para um sistema centralizado, muito próximo do que existe, por exemplo, na LVMH. Por outro lado, é notório que as substituições promovem quadros ligados ao marketing, o que evidencia que possivelmente assistiremos a uma menor autonomia por parte das marcas e a um maior controlo centralizado nas mãos de Georges Kern e Jerôme Lambert. Kern é um defensor da ideia de que os consumidores adquirem relógios por razões emocionais e que essa é a via de crescimento.

O modelo da IWC poderá ser o escolhido, na sua lógica de diversificação, nomeadamente na área de ligação ao desporto. O pavilhão da IWC na SIHH deste ano era sintomático deste conceito, recreando um palácio florentino, onde a ideia era vender sonhos, luxo e romance, particularmente às mulheres, e oferecendo algo novo, como a linha Da Vinci. Assim é de esperar na ‘nova Richemont’, o alargamento dessa ideia a outras marcas do grupo, com mais comércio digital, com uma aproximação muito grande do marketing à produção de relógios. Deverá haver mais aposta em modelos mais baratos (alterando-se, aí, por exemplo, a estratégia seguida pela Vacheron Constantin, com modelos mais complicados e caros) e em mais modelos de aço, com talvez menos aposta em movimentos de ‘alta-relojoaria’, que apelam, sobretudo, a setores muito específicos. Haverá também mais edições limitadas, sobretudo em mercados específicos, e mais modelos destinados ao consumidor feminino. Tentar-se-á ainda aliciar quem não costuma consumir relógios. Uma nova era na Richemont está a começar.

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