Edição impressa| As viagens espaciais são uma ciência exata e exigente onde o tempo e a distância se submetem aos ensinamentos de Sir Isaac Newton. Aventuras de exploração calculadas ao segundo onde o mínimo erro se torna uma questão de vida ou de morte e onde os relógios e os homens que os usam têm desempenhado um papel fundamental.
—
Versão completa do artigo publicado no número 51 da Espiral do Tempo.
A 12 de abril de 1961, precisamente às 6 h 07 min (GMT), o cosmonauta russo Yuri Gagarin, aos comandos da Vostok 1, dava início a uma era de voos espaciais tripulados que o mundo jamais esqueceria. Mas apesar de a ciência que colocou o homem no espaço e o trouxe de novo à Terra são e salvo ser a mais recente e moderna que estava nesta altura disponível, ironicamente, nos pulsos destes exploradores do espaço, estava uma tecnologia que já existia há séculos: a velha e boa relojoaria mecânica.
Já nesta altura, o relógio de pulso mecânico era uma peça de equipamento extremamente importante cuja fiabilidade e precisão eram de importância primordial. Segundo esta perspetiva, a seleção de um simples relógio de pulso, que Gagarin e muitos dos cosmonautas e astronautas que se lhe seguiram fizeram, não terá sido certamente uma escolha simples feita de ânimo leve.
Gagarin tornava-se no primeiro explorador espacial a bordo da Vostok 1, e com ele levava um equipamento oficial do estado soviético, um cronógrafo mecânico de corda manual com 23 rubis. O Sturmanskie era nesta altura construído pela fábrica russa Pobeda, hoje conhecida como Poljot. Um nome que significa «voo», precisamente em honra da missão espacial de 108 minutos concluída por Gagarin, em 1961.
O relógio Sturmanskie de Gagarin foi construído com máquinas e ferramentas cedidas pela Omega e pela francesa LIP ao abrigo de um programa instituído após o fim da Segunda Guerra Mundial. E apesar de bastante fiáveis, mais tarde seriam os próprios cosmonautas russos a adotar os Omega Speedmaster já usados pelos congéneres americanos.
No seguimento da façanha de Gagarin, só a 20 de fevereiro de 1962 o astronauta norte-americano John Glenn se tornaria o segundo homem no espaço. Na missão da Mercury 6, concluída a bordo da cápsula Friendship 7, Glenn usou um cronómetro de mão da Heuer preso a um elástico sobre o fato espacial. Este foi o seu relógio de apoio durante o voo.
Poucos meses depois, a 24 de maio de 1962, foi a vez de a Mercury 7 orbitar a Terra com Scott Carpenter a bordo. No pulso, levava o ábaco dos cronógrafos, um Breitling Navitimer Cosmonaute, tornando-se o primeiro astronauta americano a usar um relógio de pulso no espaço. O relógio indicava, por sugestão do próprio Carpenter, o tempo numa escala de 24 horas sobre o mostrador, em vez das habituais 12 horas. A Breitling só voltaria a associar-se à exploração espacial entre 1996 e 2001, quando decidiu fornecer uma versão especial modificada do Aerospace para uma série de missões franco-russas.
O Omega Speedmaster Professional Mark I surge em 1957 e fez a sua viagem espacial inaugural no pulso de Wally Schirra a bordo da Mercury 8, numa altura em que a NASA ainda não tinha certificado o modelo. Apesar de ter sido concebido a pensar no desporto automóvel, a escolha do Speedmaster com mostrador negro pode ser atribuída à sua excelente legibilidade e robustez geral.
Até aqui, eram os próprios astronautas que escolhiam os relógios que queriam usar. Com o início dos programas Gemini e Apollo, os técnicos da NASA começaram a procurar um relógio que se adequasse às invulgares exigências das AEV (atividades extraveiculares). A seleção devia ser feita com base em relógios de produção corrente sem qualquer modificação, os quais seriam sujeitos a testes operacionais realistas.
A NASA escolheria dez cronógrafos à prova de água, choque e antimagnéticos, onde se incluíram exemplares da Rolex, Omega, Longines, Elgin, Hamilton, Mido e Bulova, adquiridos numa relojoaria em Houston. Submetidos a fortes diferenças de temperatura, pressão, humidade relativa, vácuo, choque, aceleração (12 g), descompressão e vibração, só o Omega Speedmaster sobreviveu.
A 18 de março de 1965, o cosmonauta Alexei Leonov adiantava-se aos americanos e tornava-se o primeiro homem a efetuar um passeio espacial ao sair da proteção da cápsula da Vostok II com um Strela (seta, em russo) sobre o fato espacial. Um relógio que acompanhou todos os cosmonautas nas duas décadas que se seguiram e que tinha a reputação de ser o equivalente russo do Speedmaster.
Passados apenas cinco dias, os astronautas da Gemini-Titan III, Gus Grissom e John Young, levavam já no pulso os Speedmaster oficiais da NASA. Grissom, Young e Chaffee viriam mais tarde a tornar-se nas primeiras vítimas mortais do programa espacial norte-americano num acidente a bordo da Apollo 1.
Em junho desse mesmo ano, Ed White tornava o Omega Speedmaster famoso no mundo inteiro ao usar o relógio preso ao fato espacial através de uma fita de velcro durante o segundo passeio espacial da história com a Gemini IV. A fotografia do momento histórico fez capa da revista Life, e foi através dessa publicação que a Omega ficou a saber que o relógio estava a ser utilizado pelo programa espacial norte-americano. A partir daqui, o Speedmaster passava a acrescentar ao seu nome a designação «Professional».
E o momento mais alto chegou a 20 de julho de 1969 com a missão lunar da Apollo 11. Buzz Aldrin saiu para a superfície da Lua com o Speedmaster sobre o fato espacial que a partir daí passaria a ser mundialmente conhecido como Moonwatch, o relógio da Lua. Neil Armstrong, o primeiro homem na Lua, tinha deixado o seu Speedmaster no módulo lunar como relógio de apoio em caso de necessidade.
O Speedmaster voltaria a fazer história em abril de 1970, quando foi usado para cronometrar o disparo de um propulsor de forma a permitir a reentrada da danificada Apollo 13, após uma falha elétrica que originou a explosão de um reservatório de oxigénio. Nesta missão, Jack Swigert levou consigo um Rolex GMT Master, um equipamento não oficial que também acompanhou outros astronautas como Ed Mitchell e Ron Evans, a bordo da Apollo XIV e XVII, respetivamente.
Em julho de 1971, foi a vez de um cronógrafo da americana Waltham acompanhar o astronauta da Apollo XV Dave Scott numa AEV. Mas os Speedmaster continuaram a dominar o programa espacial norte-americano, apesar dos protestos do general Omar Bradley que, até 1973, dirigiu a Bulova. A influência do general levou a que os relógios fossem reavaliados para a missão final da Apollo 17, em 1972. Apesar de uma nova bateria de testes onde se incluíram modelos da Breitling, Elmore, Bulova, Elgin, Forbes, Girard-Perregaux, Gruen, Hamilton, Heuer, Lejour, Longines-Wittnauer, Rolex, Seiko e Zodiac, o Speedmaster acabou por ser novamente escolhido, estendendo-se o seu uso às missões Skylab e Space Shuttle.
Jim Lovell confirmou nesta altura que era possível usar dois relógios no espaço, pelo que exemplares da Casio e da Seiko começaram a acompanhar os astronautas nas missões da década de 70. Foi o caso do Seiko 6139 que viajou até à Skylab, a primeira estação espacial da história. Em 1973, o 6139 tornava-se no primeiro cronógrafo automático no espaço dissipando qualquer dúvida sobre o funcionamento da massa oscilante do sistema de carga automática num ambiente de gravidade zero.
Quanto aos cosmonautas russos, os relógios que habitualmente usavam durante as missões da década de 70 eram cronógrafos Sekonda, tal como o modelo usado por Aleksandrovich Gubarev na missão Soyuz 28, em março de 1978. Pouco tempo antes, os soviéticos tinham reformado os famosos Strela.
Com o advento das missões do vaivém espacial, teve também início uma nova era na exploração do espaço com astronautas de outras nacionalidades a integrarem as tripulações e, com eles, outras marcas de relógios. O astronauta alemão Reinhard Furrer usou um cronógrafo alemão SINN 141 na missão Space Lab One de 1983. O Sinn 141 voltaria ainda ao espaço numa missão à estação russa MIR, no pulso do astronauta alemão Dietrich Flade.
A partir de 1994, os russos escolhem o cronógrafo de corda automática Cosmonaut da Fortis como relógio oficial do seu programa espacial. Para ser aceite, o Cosmonaut suportou alguns dos testes mais exigentes a que alguma vez um relógio mecânico foi submetido. Os cosmonautas Talgat Musabayev e Yuri usaram o modelo em diversas AEV da missão Soyuz TM-19, dando ao Fortis o título de primeiro cronógrafo automático verdadeiramente no espaço.
Em 2007, o aventureiro, designer de jogos on-line e turista espacial Richard Garriott cooperou com a Seiko na criação do primeiro relógio de pulso especificamente criado para um uso no espaço. Quatro modelos do Spring Drive Spacewalk acompanharam Garriott até à Estação Espacial Internacional (EEI), em outubro de 2008, tendo tido um desempenho notável ao longo dos 12 dias da missão, sem necessidade de ajustamento ou corda, apesar da ausência de gravidade e dos reduzidos movimentos corporais em órbita.
Hoje, os astronautas usam dois relógios nas suas missões espaciais, e a NASA permite uma escolha entre o Casio G-Shock, o Omega Speedmaster X33, o Timex Ironman e o tradicional Speedmaster Professional. A escolha do segundo relógio é deixada ao critério do astronauta segundo a sua preferência pessoal.
Irão os astronautas do século XXI usar relógios de pulso nas suas viagens de exploração até Marte e mesmo além do sistema solar? Fará sentido medir o tempo por um ciclo de 24 horas, ou submeter-se-ão ao ritmo dos 1000 .beats por dia, como proposto pelo standard para o tempo global da Internet? Só os aventureiros que decidirem explorar a última fronteira o poderão dizer.
—