A 54.000$ USD por minuto

Sopram ventos de mudança no mundo da relojoaria e, curiosamente, uma boa parte da corrente de ar tem sido provocada por meios de comunicação especializados como a holandesa Fratello Watches ou a norte americana Hodinkee. Ainda ninguém se constipou seriamente, mas é inequívoco que já há narizes vermelhos.

Em outubro de 2015, os nossos colegas da Hodinkee estrearam-se na venda online direta de relógios novos com uma edição especial limitada a 10 exemplares em aço do LM 101, da independente MB&F. Com um preço de venda ao público de 52.000$ USD, os modelos esgotaram em apenas 5 horas dando à Hodinkee um encaixe financeiro bruto de cerca de 520.000$ USD, 173$ USD por minuto.

Passado cerca de um ano, novo episódio com o lançamento de uma outra edição especial limitada a 25 unidades, desta vez baseada no Zenith El Primeiro cujo preço público foi de 7.900$ USD. Em apenas uma hora, o modelo esgotou e mais de 350 pessoas engrossaram uma lista de espera, quem sabe, talvez para uma futura nova edição. Resultado? 197.500$ USD de receita, ou seja, quase 3.291$ USD por minuto.

No mês seguinte, a mesma Hodinkee faz mais uma incursão num setor que até agora se pensava ser da exclusividade das próprias marcas (Boutiques) ou do clássico retalhista de relojoaria, tal como hoje (ainda) o conhecemos, propondo uma edição limitada a 100 unidades do Metro Chronometer produzido pela saxónicas Nomos Glashütte. Em apenas uma hora, a centena de exemplares propostos a um preço de 2.650$ USD geraram uma receita de 265.000$ USD, ou seja, 4.416$ USD por minuto.

E a mais recente marca a associar-se a esta estratégia comercial da Hodinkee foi a Vacheron Constantin, cujos 36 exemplares em aço do magnifico Cornes de Vache 1955, propostos aos leitores do site na semana passada, esgotaram em apenas 30 minutos. Façamos as contas… A um preço público de 45.000$ USD, o encaixe financeiro foi de nada menos que 1.620.000$ USD, ou seja, 54.000$ USD por minuto! Provavelmente um recorde numa nova métrica associada à venda de relógios online.

Mas desde o mês passado que o fenómeno deixou de ser um exclusivo da Hodinkee. Em janeiro, numa altura em que o famoso hashtag #speedytuesday completava meia década de existência, a Omega anunciava uma edição limitada especial de 2012 exemplares do Speedmaster, um modelo criado com a preciosa colaboração da Fratello Watches e do seu editor Robert Jan Broer, os criadores do fenómeno das redes sociais por #speedytuesday.

[PT] Tivemos a oportunidade de tirar uma fotografia ao Omega Speedmaster ‘SpeedyTuesday’ — o primeiro relógio de sempre a ser comercializado online pela @Omega, dedicado à comunidade #SpeedyTuesday. A tiragem é limitada a 2012 exemplares, número associado ao ano em que começou a iniciativa promovida pelo nosso colega holandês @RJbroer Broer. Este é o seu exemplar… o número 0! [EN] We had the chance of taking a picture of the brand new Omega Speedmaster ‘SpeedyTuesday’ — the first ever watch sold online by @Omega, dedicated to the #SpeedyTuesday comunity. The series is limited to 2012 watches, representing the year the initiative promoted by our dutch colleague @RJBroer. This is his personal watch… number 0! #espiraldotempo  #omega #omegawatches #geneve2017 #ontheroad

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A adesão foi tal, que os 2012 exemplares esgotaram, segundo a marca, em precisamente 4 horas, 15 minutos e 43 segundos (tanto a Vacheron Constantin como a Omega parecem fazer gáudio em divulgar estes dados incluindo-os com destaque nas suas comunicações). Com cada modelo a ser proposto por 5.800 CHF, a ação permitiu à Omega um encaixe de 11.669.600 CHF, ou seja, 47.826 CHF por minuto.

Números à parte, por mais interessantes ou mesmo impressionantes que eles se revelem, o fenómeno começa a causar alguma inquietação entre os clássicos retalhistas que, verdade seja dita, fizeram das marcas aquilo que elas são hoje, e que, com honrosas exceções, onde se inclui a venerável Patek Philippe, parecem começar a considerar o tradicional logista como um mal (ainda) necessário. Com estas edições especiais, tanto a MB&F como a Nomos, a Zenith, a Omega e a Vacheron Constantin estrearam-se de forma mais ou menos encapotada na venda direta online.

Mas nada disto interessa ao comprador, o verdadeiro apaixonado pela bela relojoaria a quem apenas o resultado final interessa. E se o interesse pelo Omega Speedmaster #speedytuesday parece totalmente justificado pelo facto de emanar de um movimento autónomo criado por um público que há muito se apaixonou por este modelo, no caso das edições curadas pela Hodinkee, por mais belas e bem conseguidas que sejam, há algo que inquieta o coleccionador mais exigente e informado. O que representa, afinal, a inscrição “Hodinkee” gravada no verso das caixas? Que valor acrescido acarreta? Será que a associação de um meio de comunicação especializado surgido há menos de uma década a nomes que em alguns casos ultrapassam mais de dois séculos de existência é justificado?

Muitos acham que não, mas o facto é que as edições esgotaram em minutos. Um novo género de comprador/colecionador? Um novo canal de vendas/compras para as marcas/colecionadores? Como iremos valorizar e avaliar estes modelos dentro de alguns anos?

Os ventos de mudança que se fazem sentir permanecem e não me parece que venham a perder intensidade.

Definitivamente, a tradição já não é o que era…

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