Watches & Wonders 2020: Covid-19, cancelamentos e o efeito dominó

O dia amanheceu triste com a notícia do cancelamento da Watches & Wonders 2020, a feira genebrina anteriormente designada por Salon International de la Haute Horlogerie. E as expectativas estão agora voltadas para Baselworld, que deve tomar em breve a mesma decisão — num efeito dominó de repercussões inevitavelmente nefastas para a relojoaria.

Imagem acima: Genebra © Paulo Pires / Espiral do Tempo

O feedback de algumas figuras de destaque no grupo Richemont já deixava transparecer que as perspetivas de cancelamento eram ainda maiores do que se suponham. As notícias recentes do espalhar do surto faziam adivinhar o pior. Os temores confirmaram-se hoje: às 7h06 da manhã chegava o comunicado oficial da Fondation de l’Haute Horlogerie a anunciar o cancelamento da primeira edição do Watches & Wonders, o evento que este ano sucedia ao Salon International de la Haute Horlogerie. E que sucedeu, na decisão de optar pelo cancelamento, aos anúncios feitos nas últimas semanas pelo Grupo Swatch e pela Seiko/Grand Seiko, que decidiram anular os respetivos eventos que tinham planeado organizar na primeira semana de Março em Zurique e em Tóquio (respetivamente) para apresentarem as novas coleções de 2020.

© Watches & Wonders
© Watches & Wonders

Esses eventos eram mais restritos, como é o caso do World Presentation of Haute Horlogerie (WPHH) que o grupo Franck Muller organiza no seu quartel-general de Watchland a par do Watches & Wonders e que ainda não foi cancelado. Já o cancelamento do Watches & Wonders é muito mais significativo devido à sua dimensão e impacto na indústria relojoeira tendo em conta o número de marcas de prestígio envolvidas e ao efeito dominó que parece difícil de evitar: sendo que Baselworld se realiza nos dias imediatamente seguintes, parece mais do que pertinente que a organização da maior e mais antiga feira relojoeira do mundo acabe por tomar uma decisão semelhante — tendo em conta as recentes desistências de marcas (como a Bulgari e a Citizen) e ainda o facto de o cancelamento do Watches & Wonders inibir a deslocação até à Suíça por parte de muitos visitantes que tinham previsto a presença consecutiva nos dois salões. Para não falar dos riscos de saúde inerentes. A ameaça é real, mas parece surreal que um evento secular que se realizou durante as duas Grandes Guerras Mundiais e que ultrapassou surtos epidémicos anteriores (como o SARS) seja forçado a abdicar.

SIHH 2019 © DR
SIHH 2019 © DR

A repercussão na indústria relojoeira poderá ser fatal para a sobrevivência de muitas marcas e para a própria existência dos dois certames. Primeiramente, há muitas companhias dependentes de componentes feitos na China — desde peças dos próprios movimentos até aos estojos, sem esquecer as correias e braceletes. A esmagadora maioria das marcas que ostentam o labéu ‘Swiss Made’ no mostrador tem fornecedores na China. E muitas marcas de prestígio têm bloqueado o escoamento dos seus relógios através de boutiques na China graças à epidemia, piorando a situação já de si complicada pelos levantamentos sociais em Hong Kong. A produção e a venda estão comprometidas, a estagnação — maior ou menor, consoante os casos — parece inevitável, empolada pela crise dos mercados que já causou prejuízo nas bolsas de todo o mundo devido ao alarmismo provocado pelo surto.

Fim do dia em Baselworld à saída do Hall 1 © DR
Fim do dia em Baselworld à saída do Hall 1 © DR

Quanto ao futuro das feiras, o facto de as marcas terem de procurar soluções alternativas para venda e comunicação dos seus relógios poderá muito bem dar-lhes a confirmação final de que podem passar sem a onerosa presença no Watches & Wonders e em Baselworld — sendo que o modelo tradicional das grandes feiras relojoeiras já vinha sendo questionado antes mesmo da epidemia. Baselworld tem estado mesmo a lutar para manter a sua relevância e a edição deste ano afigurava-se como preponderante para ganhar um novo fôlego, tendo comunicado reiteradamente a decisão de avançar com a realização do certame. Mas o aparentemente inevitável efeito dominó ameaça mesmo transformar-se numa bola de neve de repercussões imprevisíveis.

SIHH 2017 © DR
SIHH 2017 © DR

Em Portugal, a situação de saúde pública (ainda) não é demasiado preocupante — quem sabe se a organização de um ‘Watches & Ondas’ ou de um ‘Basílioworld’ em solo luso não poderia eventualmente atenuar um pouco a estagnação que se adivinha. Brincadeira à parte, o que parece importante é não sucumbir ao alarmismo e constatar que o Coronavírus não se tem revelado tão letal como outras patologias e surtos gripais ditos ‘normais’ que, sobretudo no inverno, tantas vítimas fazem por esse mundo fora. No entanto, tendo em conta a sua elevada capacidade de contágio, o fundamental é tomar as precauções adequadas e ter cuidado com a saúde!

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