Breguet na aviação: porque o tempo voa

EdT41 — Há muitas companhias relojoeiras que se vangloriam da sua vocação aeronáutica. A Breguet representa uma legitimidade a um plano mais profundo: não só fez instrumentos de bordo e relógios de piloto como criou aviões pela mão de Louis Breguet, bisneto de Abraham-Louis Breguet. Uma extraordinária saga que cruza o tempo com o céu e inclui um certo Antoine de Saint-Exupéry.

Texto originalmente publicado no número 41 da Espiral do Tempo.

Abraham-Louis Breguet é unanimemente considerado como o mais genial relojoeiro de todos os tempos e a ele se devem praticamente todos os principais desenvolvimentos da relojoaria mecânica — que foram patenteados no final do século XVIII e inícios do século XIX. Quase todas as complicações de relevo que se conhecem atualmente são variantes ou evoluções das suas invenções, pelo que a marca que ostenta o seu nome só pode estar à altura de tão grande reputação e até mesmo a coleção atual é maioritariamente composta por adaptações contemporâneas das suas criações — mas há uma linha específica de relógios que remete para um outro membro da família Breguet.

Além dos mostradores evocativos do Século das Luzes na tecnicista linha Tradition ou da elegância pura dos modelos Classique, há um naipe que tem mais a ver com Louis Breguet do que com Abraham-Louis Breguet — os modelos Type XX de estilo militar e aeronáutico, ultimamente reforçados com os evolutivos Type XXI e sobretudo os novíssimos Type XXII alimentados por um mecanismo de alta frequência (10 Hz: 72.000 alternâncias/hora) com escape em silicone e totalizador flyback de meio minuto ao centro.


Dinastia engenhosa

A grande época dos hidroaviões: construção de um Breguet 530 Saigão na fábrica Breguet, no Havre, em 1934.   | Foto de abertura:Louis Breguet em 1936 no seu escritório da rua George-Bizet em Paris, diante do seu estirador.   © Coll. Part. e Breguet
Construção de um Breguet 530 Saigão na fábrica Breguet, no Havre, em 1934.
| Foto de abertura: Louis Breguet em 1936 no seu escritório da rua George-Bizet em Paris.
© Coll. Part. e Breguet

Desenhado na década de 50 para os oficiais da marinha aeronaval francesa, o Type XX foi reeditado com grande sucesso no catálogo da Breguet nos anos 90. Os seus sucessores Type XXI (lançado em 2004 para coincidir com o 50.º aniversário do Type XX) e XXII (estreado em 2011) nas versões Aéronavale e Transatlantique ajudam a cimentar uma lenda que associa a instrumentação relojoeira aos progressos da aviação e da marinha. E ajudam também a consolidar um nome com mais legitimidade para se associar à conquista dos ares do que muitas outras marcas que assentam a sua comunicação numa estratégia de marketing permanentemente aérea.

O insigne Abraham-Louis Breguet (1747-1823) transitou de Neuchâtel para França e tornou-se relojoeiro da corte e membro da Academia das Ciências; a sua genialidade passou para as gerações seguintes e o filho, Antoine-Louis Breguet (1776-1858), ainda o acompanhou na carreira, mas os genes criativos da família começaram a abranger as novas áreas tecnológicas que começavam então a surgir. O neto, Louis-Clément Breguet (1804-1883), inventou vários aparelhos elétricos e um telégrafo com mostrador, além de vários sistemas de telecomunicação. O bisneto, Antoine Breguet (1851-1882), foi o politécnico que introduziu em França o telefone de Graham Bell e fomentou o uso de novos materiais, mas morreu prematuramente; deixou três filhos: Madeleine (1878-1900), Louis (1880-1955) e Jacques (1881-1936). O do meio ajudaria o mundo a avançar pelo século XX fora.


Asas pelos ares

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Breguet 20 Léviathan, com quatro motores Breguet-Bugatti que acionavam uma hélice de quatro pás, antes do seu primeiro voo em Junho de 1922. © Coll. Part. e Breguet

A quinta geração teve quase tanta importância como a primeira — ou teve mais importância numa vertente mais lata. Tal como Abraham-Louis Breguet, também Louis Breguet viveu no futuro; o relojoeiro dominou a técnica do tempo como nenhum outro até então e tornou-se numa figura grada na história da relojoaria com a invenção do turbilhão que contrariava a força da gravidade, enquanto o seu trineto se dedicou apaixonadamente à aviação a partir dos 25 anos para contrariar a força da gravidade e usar o céu como via de transporte.

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Elementos do Breguet 21 Léviathan apresentados depois do Salão de 1921 no Grand Palais, em Paris. © Coll. Part. e Breguet

Começou com uma espécie de helicóptero, depois passou aos aeroplanos rudimentares movidos a motor de explosão — que se tornaram monoplanos, biplanos em 1910 e hidroaviões em 1912. A Primeira Grande Guerra Mundial, de 1914 a 1918, estreou o belicismo nos ares e impulsionou a indústria aeronáutica. Louis Breguet tornou-se num grande nome da aviação mundial e, depois do conflito, funda a Companhia dos Mensageiros Aéreos em 1919 para iniciar o transporte de correio entre Paris, Londres e Bruxelas; dedica-se também ao transporte de passageiros enquanto prossegue o fabrico de aeronaves, importando aviões para Portugal na década de 20. O Breguet XIX foi o primeiro avião a fazer o primeiro voo transatlântico bem-sucedido entre Paris e Nova Iorque, em 1930. A sua Air Union era a maior companhia aérea francesa em 1932 e esteve na origem da criação da Air France em 1933. E o primeiro helicóptero digno desse nome foi o giroplano Breguet Dorand de 1935.

Louis Breguet fundou a fábrica de aviação com o seu nome, criou empresas de transportes e salvamentos, fomentou a atividade aeropostal que se tornou famosa pelo romance Vol de Nuit, do mesmo Antoine de Saint-Exupéry que escreveu O Principezinho. Sim, também ele pilotou um Breguet.


Dos céus aos oceanos

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Hidroavião de vigilância costeira Breguet 790 Nautilus. © Coll. Part. e Breguet

Mas não era apenas o céu que incentivava Louis Breguet: os mares também o fascinavam. Se nos ares contribuiu para a história da aviação militar e dos transportes aéreos civis, nos oceanos revelou a sua destreza de skipper e até ganhou uma medalha em vela nos Jogos Olímpicos de 1924, sendo o fundador do famoso Deauville Yacht Club, em 1928.

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Carro elétrico Breguet, brochura comercial, 1941. © Coll. Part. e Breguet

No início da década de 40, começou a experimentar soluções mais ecológicas de transportes: viaturas elétricas e planadores. Sofria de angina de peito; morreu de crise cardíaca a 4 de maio de 1955. E a sua companhia fundiu-se com a famosa empresa aeronáutica Dassault em 1971, com o nome Breguet a desaparecer definitivamente do nome da companhia em 1990. Mas o mesmo apelido Breguet reganhava entretanto força nos meandros da relojoaria com o recrudescimento em força da marca que homenageia o fundador da dinastia Breguet e que começou a fazer os primeiros relógios para pilotos em 1918, sendo a primeira encomenda destinada ao US Army Air Service.

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Jaguar, cooperação Breguet Aviation / BAC, 1969. Documento de apresentação.© Coll. Part. e Breguet


Instrumentação de bordo e de pulso

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Biplano Breguet, 1910, à partida de la Brayelle para manobras na Picardia. © Coll. Part. e Breguet

Como não podia deixar de ser, os aviões idealizados por Louis Breguet adotaram imediatamente os relógios de bordo da Societé d’Horlogerie Breguet. Esses relógios dos primórdios da aviação eram, na maior parte dos casos, cronógrafos com contadores de minutos e escalas instalados no painel de instrumentos para ajudar à navegação, mas vários pilotos começaram a usá-los também presos à coxa através de correias de pele. E rapidamente se tornaram mais pequenos e passaram para o pulso. A relojoaria artística preconizada por Abraham-Louis Breguet tornava-se funcional na era do trineto, Louis Breguet.

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Relógios de bordo Breguet Type 11. © Montres Mecaniques/ Domingo Chavez

A ligação entre a relojoaria e a aeronáutica tornou-se mais estreita na década de 50, quando a Força Aérea Francesa passou a adotar cronógrafos Breguet Type XI a bordo; em 1954, surgiu a encomenda dos cronógrafos de pulso Type XX com Calibre Valjoux 22 de roda de colunas e flyback que se tornariam famosos pelos mostradores pretos de grafismo inconfundível; e, em 1956, surgiu um lendário relógio de piloto de bolso que é muito cobiçado em leilões sob a designação Type 2668.


Era contemporânea

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Breguet 14 F-POST pilotado por Eugène Bellet, sobre a costa marroquina, 2010. © Coll. Part. e Breguet

O cronógrafo Type XX estava tão intimamente ligado à esfera militar e aeronáutica que o arranque da sua produção para o consumidor civil chegou a causar protestos. Por volta de 1995, o modelo foi reeditado, mas sempre se destacou entre a moda dos relógios de piloto ou de aviação: afinal de contas, tratava-se de um Breguet! Type XX, denominado ‘Rei dos Relógios de Piloto’! E foi dos primeiros após a renascença da relojoaria mecânica a apresentar a função flyback (ou retour en vol, ou retorno instantâneo) que tornava a ação de cronometrar mais rápida e eficaz, já que uma única pressão recolocava o ponteiro dos segundos a zero e simultaneamente fazia disparar uma nova contagem. A nova versão do Type XX, ao contrário do mecanismo de corda manual do original nos anos 50, era motorizada por um calibre automático (o Lemania 1340).

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Breguet Type XXII © Coll. Part. e Breguet

Além do pedigree Breguet, outra diferença relativamente aos relógios de piloto da concorrência residia na estética da caixa — que elevou os padrões de estética para relógios supostamente funcionais. A versão Type XX designada Aéronavale, de 1995, foi anos depois acompanhada de uma versão maior designada Type XX Transatlantique. E em 2004, no imperdível 50.º aniversário do lançamento do primeiro Type XX, foi estreado o Type XXI 3810 com um tamanho maior até que o mais recente Type XXII alargou os seus limites para os 44 milímetros de diâmetro e a elevada frequência de 72.000 alternâncias/hora.
Porque o tempo voa. ET_simb

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