No mostrador do Mondia Top Second existe um ponto vermelho intermitente no lugar dos pequenos segundos cuja utilidade pode ser questionada. No entanto, apesar da sua aparente pouca utilidade, este ponto vermelho é mais importante do que à partida se poderia pensar…
—
«Plicar» significa dobrar, como em duplicar, aplicar ou complicar. Uma coisa desdobrada é mais simples do que dobrada. Quando juntamos dobras estamos a complicar. Para que serve complicar? Para que queremos relógios complicados? Complicar um mecanismo simples faz sentido se se conseguir uma função útil. O realmente complicado é quando complicamos o mecanismo sem acrescentar algo de útil, quando criamos uma complicação inútil. As verdadeiras complicações são as inúteis!
Mondia Top Second: ponto vermelho intermitente
Uma das complicações mais inúteis que vi até hoje é a do Mondia Top Second. Este relógio tem um movimento honesto AS1913, com uma frequência de 21.600 alt/h. Os modelos Top Second têm todos acabamentos muito cuidados, são relógios com um estilo marcado dos anos 70 – a melhor época. E seriam relógios normais dos anos 70 se não tivessem uma complicação completamente inútil: um ponto vermelho intermitente no lugar dos segundos. De facto, no mostrador existe uma pequena janela circular e, por detrás dessa janela, descobre-se uma ventoinha com duas pás que rodam uma vez a cada dois segundos, permitindo que cada uma delas surja à janela a cada segundo. É assim criada a ilusão de que existe uma luz intermitente no mostrador. Indicar os segundos por meio de um ponteiro permite-nos saber quantos segundos passaram, indicá-los por meio de um ponto intermitente permite-nos apenas saber que o relógio não está parado. O que torna esta complicação completamente inútil é o ponteiro dos segundos que o relógio já tem… Por que razão alguém se daria ao trabalho de criar uma alteração num movimento para acrescentar um ‘pisca-pisca’? Ainda não se sabe bem a razão desta invenção. O que sabemos é que se trata de uma ideia fantástica, incrivelmente bem executada. Pela altura em que este movimento foi criado, os relógios de quartzo eram preferidos em relação aos relógios mecânicos. Um ponto intermitente que se assemelhava a uma luz mostrava que os relógios mecânicos também conseguiam acompanhar a inovação criada pelos relógios digitais. Mas o melhor de tudo é mesmo o facto de, efetivamente, esta complicação não servir aparentemente para nada.
Uma obra de arte
O Mondia Top Second acaba, assim, por ser um relógio com alguma relevância porque pode ser encarado como representativo de um período a partir do qual os relógios mecânicos se libertaram do fardo da utilidade. Podemos, assim, finalmente apreciar a mestria, apreciar os relógios como máquinas fantásticas, como obras de arte, com a inutilidade admirável inerente a qualquer obra de arte. É aos relógios de quartzo, mas também aos telemóveis e aos smartwatches que temos de agradecer por passarem a carregar o fardo da utilidade deixando o caminho livre para os relógios mecânicos se tornarem obras de arte. Os relojoeiros independentes da atualidade e algumas marcas sabem tirar o melhor partido desta oferta. É fantástico ter liberdade para criar um relógio com cara de Joker e dentes de Drácula que apenas surgem à meia noite, como o Joker Dracula de Konstatin Chaykin, ou criar um relógio em que o ponteiro dos minutos é, na verdade, todo o movimento como o Freak da Ulysse Nardin. Nesta perspetiva, é a utilidade que permite separar o artesanato da arte. Ninguém quer uma complicação pela sua utilidade, todos vibramos com complicações inúteis. Como acontece neste Mondia Top Second e em muitos outros relógios…
[flowplayer id=”36280″]