Bell & Ross: dimensão experimentalista

Mais conhecida pelos seus tool watches, a Bell & Ross desenvolveu uma interessante secção no seu catálogo dedicada à alta-relojoaria alternativa. E vale a pena mergulhar na dimensão experimentalista da marca parisiense — onde convivem caveiras, futurismo e translucidez.


Artigo originalmente publicado no número 78 da Espiral do Tempo (primavera 2022) 


«Porque quer viver as suas paixões no limite, o homem sempre se digladiou contra o tempo para transformar meros segundos em eternidade.» Esta é a frase que abre o livro da Bell & Ross — marca fundada em 1992 por dois amigos que complementaram valências para estabelecerem uma das mais singulares firmas do tecido relojoeiro. Mas se a Bell & Ross se afirmou, desde o início, por tool watches inspirados na instrumentação aeronáutica ou vocacionados para as profundezas, 30 anos depois apresenta um eclético catálogo que inclui peças mais viradas para o lifestyle e, sobretudo!, uma relevante secção da qual não se fala tanto… mas que merece toda a atenção.

BR-X1 Tourbillon Sapphire
BR-X1 Tourbillon Sapphire | © Bell & Ross

A linha Experimental da Bell & Ross transporta a marca franco-helvética para uma outra dimensão e engloba criações que vão desde os cronógrafos modulares até aos turbilhões conceptuais, passando por caveiras que se riem. É a parte da coleção em que os fundadores Bruno Belamich e Carlos Rosillo se aventuram para além dos limites — o introvertido ‘Bell’, no design, e o extrovertido ‘Ross’, na sua materialização. Do pragmatismo dos instrumentos para profissionais passaram para um universo paralelo com peças de sonho. Esse universo paralelo não é apenas alegórico: divide-se entre a prototipagem de veículos futuristas e a tiragem limitada de relógios excecionais.

→ A linha Experimental da Bell & Ross transporta a marca franco-helvética para uma outra dimensão e engloba criações que vão desde os cronógrafos modulares até aos turbilhões conceptuais, passando por caveiras que se riem.

«A alta-relojoaria é uma demonstração de savoir-faire técnico. Representa o interesse de ir mais além. Não está no coração da nossa atividade, mas é uma vertente muito interessante», diz Carlos Rosillo. «Tal como integrar a Formula 1 permite a um construtor automóvel desenvolver facetas técnicas mais complexas, na relojoaria o princípio é o mesmo: o experimentalismo. Na Bell & Ross, temos uma união de competências — os designers, os relojoeiros, os engenheiros e os utilizadores profissionais. O domínio do design associado à alta-relojoaria e à tecnologia de ponta proporciona peças excecionais com a chancela Bell & Ross».

Máquinas do extremo

Um dos exercícios da Bell & Ross consiste em imaginar os seus próprios veículos e, a partir deles, esticar o foco criativo para lá da realidade, de modo a explorar novos territórios relojoeiros. «A cada ano que passa, para criar novos relógios, preciso de novas fontes de inspiração», explica Bruno Belamich. Entre esses veículos conceptuais, denominados ‘máquinas do extremo’, encontram-se a moto-foguete B-Rocket, o bólide Aero-GT, o muscle-car Hot-Rod Bellytanker e o avião de competição BR-Bird — todos eles com linhas aerodinâmicas inspiradas pela aviação, cada qual suscitando um conjunto de relógios de preço médio (normalmente, um modelo de três ponteiros e um cronógrafo) associado ao seu design.

Supercarro AeroGT conceptualizado pela Bell & Ross.
Supercarro AeroGT conceptualizado pela Bell & Ross | © Bell & Ross

Já as execuções vanguardistas encontram-se num patamar de preço naturalmente mais elevado e recorrem a movimentos exclusivos, idealizados pelos melhores especialistas do setor e assemblados nas instalações da marca em La Chaux-de-Fonds. Começam no ‘cronógrafo hipersónico’ BR-X1 de 45mm, verdadeiro puzzle mecânico assente numa arquitetura modular onde a simbiose de materiais de ponta (titânio, cerâmica, alumínio, safira, inserções em cauchu) permite combinações muito aliciantes limitadas a 250 exemplares. Dotado de um movimento cronográfico esqueletizado, o BR-X1 é o esteio da linha Experimental e surge muitas vezes declinado em coleções específicas (como a dos modelos associados ao patrocínio da equipa Alpine de Formula 1). O seu ‘irmão’ BR-X1 Tourbillon junta à função cronográfica aquela que é a complicação relojoeira nobre por excelência, o turbilhão, num movimento de corda manual com quatro dias de autonomia.

A versão BR-X1 Tourbillon Sapphire vai mais longe: o calibre cronográfico de acionamento monopulsante surge rodeado de uma total transparência que permite o visionamento do movimento com roda de colunas esqueletizado e regulado por um turbilhão volante. «É o nosso relógio mais complexo», sublinha Carlos Rosillo. A caixa é confecionada a partir de um bloco único de safira e, como sucede com quase todos os componentes em safira, qualquer percalço leva à inutilização da estrutura — daí a tiragem de somente cinco exemplares. A bracelete em borracha e fibras Kevlar contribui para a translucidez quase total da peça. Ainda mais radical, o BR-X1 Skeleton Tourbillon Sapphire foi elaborado em três peças únicas, consoante a cor do movimento (preto, azul e dourado).

Insustentável leveza do ser

Igualmente notável é o BR-X2, que, em 2017, representou o definitivo ingresso da Bell & Ross na esfera da alta-relojoaria: o movimento mecânico e a caixa formam uma única unidade, ladeada por duas placas de vidro de safira. Ou seja, a estrutura tradicional da caixa desaparece para valorizar o calibre BR-CAL.381 automático com turbilhão alimentado por um microrrotor. Tão notável exemplo de alta-relojoaria contemporânea foi posteriormente complementado com a variante BR-X2 Skeleton Tourbillon — em que o bloco central é esqueletizado para uma noção de leveza ainda mais acentuada. É uma opção frequente no pulso de Carlos Rosillo: «É o modelo da linha Experimental que utilizo mais frequentemente. O seu tamanho de 42,5mm por 4,05mm faz com que seja muito agradável de usar e dá a sensação de estarmos com um movimento poisado no pulso, quase sem caixa. É a arte relojoeira diretamente no pulso. Um relógio fino, parece que flutua».

Bell & Ross BR-X2 Skeleton Tourbillon e BR 01 Laughing Skull
BR-X2 Skeleton Tourbillon e BR 01 Laughing Skull | © Bell & Ross

A Bell & Ross também tem catalogado os seus modelos Skull na linha Experimental. A caveira é o símbolo universal da morte e da inexorabilidade do tempo, estando muito associada ao imaginário militar e à aviação — passando do tempo dos piratas para os exércitos modernos como talismã que também é usado para impressionar os inimigos. Na última dúzia de anos, a Bell & Ross desenvolveu edições anuais que mais recentemente passaram a incluir um movimento autómato com abertura manual do maxilar da caveira: o BR 01 Laughing Skull.

Caveira em suspenso: o BR 01 Cyberskull nas versões em safira e cerâmica preta.
Caveira em suspenso: o BR 01 Cyberskull nas versões em safira e cerâmica preta | © Bell & Ross

O conceito evoluiu para o novo BR 01 Cyber Skull, desvelado em 2020 numa primeira versão em cerâmica e depois declinado numa variante completamente translúcida em safira — que surgiu no seguimento da pièce unique elaborada pela Bell & Ross especificamente para o leilão de beneficência Only Watch de 2021. Tal como no BR 01 Laughing Skull, a caveira vai-se rindo à medida que se dá corda manual ao movimento através da coroa. Não é a única a rir-se: os modelos da linha Experimental podem ser radicais e inabituais, mas não há dúvida de que são os que mais gozo dão ao departamento criativo da marca franco-helvética.

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