Nova Iorque foi esta noite o centro mundial da relojoaria, e principalmente do colecionismo de relógios de pulso vintage. O lote nº8 do leilão da Phillips, que estava associado ao Rolex Daytona Paul Newman Ref. 6239 que pertenceu ao ator e piloto, foi o destacado protagonista de um leilão de relógios cuja divulgação global parece ter extravasado largamente a habitual audiência associada a estes eventos.
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Aurel Bacs, o leiloeiro “extraordinaire” da Phillips tinha já afirmado que o relógio iria definir um antes e um depois para o setor da relojoaria vintage, já que este relógio em particular é considerado como o responsável por ter dado início ao colecionismo de relógios como hoje o conhecemos.
Os 15.500.000,00 USD avançados por um comprador via telefone definiram o lance vencedor a quem ninguém, na sala totalmente lotada, ficou indiferente. Mas a vitória não foi fácil apesar de o lance inicial de 1 milhão ter saltado quase instantaneamente para os 10 milhões avançados por um interessado via telefone. Os lances sucederam-se a bom ritmo alcançando uma fasquia que poucos tinham arriscado prever. Com a comissão do leiloeiro, o valor que agora define o recorde do mundo para um relógio de pulso é de 17.752.500 USD (€ 15,228,095), e pertence à Rolex, destronando a Patek Philippe que tinha alcançado os 11.002.000,00 CHF com a Ref. 1518 em aço.
Um relógio lendário
Mas qual é a história que se esconde por detrás deste relógio em particular, e como podemos justificar o valor recorde pelo qual foi adquirido daquele que é considerado por muitos como o “Graal” do colecionismo de relógios vintage? O artigo publicado na última edição da Espiral do Tempo pode ajudar a perceber o fenómeno em que se tornou o Rolex Daytona “Paul Neman”:
Em novembro de 2016, perguntei ao leiloeiro da Phillips, Aurel Bacs, qual o relógio mítico que gostaria de leiloar. Bacs demorou alguns segundos a responder: «o Rolex Daytona Paul Newman, que pertenceu ao próprio Paul Newman». Mas a forma descontraída com que Bacs respondera, escondia uma informação que passados seis meses viria a cair como uma bomba na comunidade de colecionadores de relógios vintage. Poucos meses antes da minha entrevista, Aurel Bacs soubera que James Cox, antigo namorado da filha mais velha de Paul Newman, estava a considerar vender um relógio que o próprio ator lhe tinha oferecido. O mesmo que originou a lenda em que o Rolex Daytona Paul Newman se tornou. Em julho de 2016, Bacs encontra-se com Cox e, no dia seguinte, partilha com a sua equipa a informação confidencial de que possivelmente conseguiria o relógio para a Phillips. Poucos meses mais tarde, tudo se confirma, e a 27 de fevereiro de 2017 cabe ao jornalista Michael Clerizo a primazia na divulgação da notícia que é publicada no The Wall Street Journal a 1 de junho, originando uma agitação sem precedentes entre colecionadores e meios de informação.
O Rolex Cosmograph Daytona
Lançado em 1963, o Rolex Cosmograph obtém a sua designação do fervor que à época rodeava a ideia da exploração espacial. Mas, tratando-se de um cronógrafo, o apelo do desporto automóvel leva a que o modelo seja batizado inicialmente com o nome Le Mans, e logo a seguir com a designação Daytona, que ainda hoje perdura, devido ao envolvimento da Rolex nas provas do Daytona International Speedway. Entre o início da década de 90 e o ano 2008, quem ambicionasse possuir um Rolex Daytona em aço, seria confrontado com uma lista de espera de pelo menos três anos. Um efeito que, curiosamente, teve início assim que a marca deixou de anunciar o modelo em aço, tornando-o em fonte de fascínio. Os mais raros são hoje os produzidos na versão original, entre 1961 e 1987, com as referências 6238, 6239, 6240, 6241, 6262, 6263, 6264, e 6265.
O Daytona Paul Newman — a diferença está no mostrador
Quando alguém pronuncia as palavras “Rolex Daytona Paul Newman”, está a referir-se às versões produzidas com mostradores exóticos. Apresentadas três anos após o lançamento original do Daytona, eram uma opção de aparência mais lúdica que pretendia estimular as vendas do modelo. Uma ação de sucesso reduzido que deu origem a produções bastante limitadas, estimando-se, hoje, que por cada 20 mostradores convencionais do Daytona, apenas um seja exótico. Consequentemente, o Rolex Daytona Paul Newman é hoje um dos relógios vintage mais colecionáveis e procurados, com uma evolução gradual de preços nos últimos anos e valorizações que em alguns casos superam em 200 vezes o valor original.
Newman´s ‘own’
Nascido no Ohio, em 1925, Paul Newman foi ator, realizador, empreendedor e piloto de carros de corrida. Em 1985 cria uma linha de produtos alimentares chamada Newman´s Own cuja receita, ainda hoje, é destinada a ações de beneficência. Em 1969, é o protagonista de Winning, onde contracenava com a sua mulher, Joanne Woodward e interpreta a personagem de um temerário piloto de corridas. Newman aparece no filme com um Rolex, mas é só depois da estreia do filme que é fotografado com uma referência 6239 com mostrador exótico branco que lhe tinha sido oferecida por Joanne, após a conclusão das gravações. Mais tarde, no final da década de 70 e início de 80, a Rolex patrocina um livro sobre a carreira de Paul Newman, onde o ator aparece na capa a usar o Daytona. É a partir deste momento que o interesse pelo modelo aumenta, e surge a designação Daytona “Paul Newman”, atribuída, provavelmente, pela atenta comunidade de colecionadores italianos.
Em 1995, ao vencer as 24 Horas de Daytona, Newman inscreve o seu nome no livro de recordes do Guiness como o piloto mais velho a vencer a célebre prova de resistência automóvel. Tinha 70 anos. Diz-se que, desde que se tornou piloto de corridas, Newman usou um Daytona todos os dias, até à sua morte, em 2008. É esta peculiar relação entre o ator, as corridas e o relógio que dá origem à lenda. Efetivamente, Paul Newman possuiu diversas versões do modelo, mas foi a referência 6239, com mostrador exótico branco e subsidiários negros, que ficou sempre associada à sua imagem.
O Rolex Cosmograph Daytona Paul Newman, agora redescoberto por Aurel Bacs, foi produzido em 1968, adquirido na Tiffany´s e é precisamente o relógio que foi oferecido a Paul Newman por Joanne Newman. No verso, a inscrição “DRIVE CAREFULLY – ME”. No verão de 1984, o ator acabou por oferecer esse relógio a James Cox. Newman sabia que Cox não tinha um relógio, pelo que se limitou a perguntar-lhe que horas eram. Ao responder que não sabia, Newman atirou-lhe o Daytona, dizendo: «Toma, aqui tens um relógio. Se lhe deres corda, ele dá as horas bastante bem».
Foi este o lendário cronógrafo da Rolex que acabou por ser leiloado hoje – no leillão Winning Icons.
Os sete magníficos
A raridade dos Rolex Daytona com mostrador exótico Paul Newman é indiscutível. O facto é que há muito mostradores exóticos “Paul Newman” que não pertencem aos relógios aos quais foram associados. Trata-se, muitas vezes, de mostradores verdadeiros, mas que foram aplicados no relógio errado, já que é apenas o mostrador o único elemento que distingue um Newman de um Daytona convencional. A caraterística mais marcante de um mostrador exótico Paul Newman, produzido entre 1963 e 1987, é a alternância de cores contrastantes em relação à escala de segundos periférica do cronógrafo. Adicionalmente, este mostrador introduz um grafismo pouco habitual destacando-se os mostradores subsidiários num estilo Art Deco, com pequenos quadrados na extremidade. Nestes, a indicação de segundos às 9 horas tem um grafismo distinto (mais bojudo) para o algarismo 5 que faz parte dos números 45 e 15, valendo-lhe a alcunha de ‘Jimmy Five Bellies’. De igual modo, o algarismo 3 do número 30, no contador de minutos do cronógrafo, às 3 horas, apresenta-se mais alongado do que os restantes algarismos com este valor.
Em 1967, nos modelos com números de série a partir de 1.6xx.xxx, aparecem os primeiros exemplares com mostrador Paul Newman, com os seus caraterísticos mostradores subsidiários afundados, suaves sulcos concêntricos e escala de segundos do cronógrafo rebaixada (os chamados mostradores Texas não apresentam este degrau, mas a sua autenticidade é dúbia). Os 12 indexes horários aplicados têm a forma de pequenos meios cubos e são polidos lateralmente. A superfície, no caso dos mostradores negros, é arredondada a negro no topo, e, no caso dos mostradores brancos, é polida. Todos apresentam, no lado orientado para o centro do mostrador, um ponto de material luminescente em tirito, com a única exceção do marcador das 12 horas. A utilização deste material, que emite radiação do tipo ß (Beta), está identificada às 6 horas com a inscrição T SWISS T. Produzidos numa base de latão pela Singer, os mostradores do Daytona apresentam inicialmente a marca deste fabricante gravada com letras arredondadas no verso, e, mais tarde, com letras mais geométricas.
São sete os modelos do Rolex Daytona que incluíram mostradores exóticos – e aconselhamos a leitura do dossier completo que, como já referimos, foi publicado na última edição da Espiral do Tempo. Identificado entre as asas da caixa, apresentam a gravação da referência do modelo: 6239, 6240, 6241, 6262, 6264, 6265 e 6263. Cada uma das referências inclui, em diferentes momentos, ao longo da sua produção, exemplares com mostrador exótico Paul Newman, que, por sua vez, estão identificados com um total de sete variantes com combinações cromáticas distintas.
No entanto a ref. 6239, leiloada esta noite em Nova Iorque, fica para já para a história como o relógio que deu origem ao fenómeno e que por isso mesmo, e pela personalidade humana do homem a quem pertenceu, passa a ser o relógio de pulso pelo qual todos os outros serão medidos.
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