A Maurice de Mauriac é uma marca como nenhuma outra no panorama relojoeiro internacional e a comemoração das suas Bodas de Prata tinha de ser igualmente diferente. Para além da apresentação de dois modelos comemorativos do jubileu, a celebração incluiu um verdadeiro festival que fechou a Tödistrasse em Zurique.
Zurique | Em Zurique mora uma marca relojoeira diferente que é dirigida por uma família muito peculiar — e que recentemente celebrou o seu 25º aniversário com dois relógios comemorativos e um evento de rua que teve a participação de cerca de três centenas de amigos e uma dúzia de carros clássicos. Na prática, tratou-se de um festival de música e amizade quase evocativo de um Woodstock (o mítico festival do final da década de 60 tão caro ao movimento hippie) que teve o condão de fechar a Tödistrasse, a rua onde se situa o atelier que serve de sede à Maurice de Mauriac. E nós estivemos lá para testemunhar tão singular acontecimento.
A história da Maurice de Mauriac é sobretudo uma história familiar e de amizade, pelo que a peculiaridade da celebração acabou por se tornar perfeitamente ajustada à ocasião. Estiveram presentes dúzias de clientes com relógios Maurice de Mauriac no pulso, mas não só: também parceiros comerciais e fornecedores que entretanto se tornaram amigos — desde os fornecedores de movimentos e correias até ao responsável da empresa que produz a famosa matéria SuperLuminova luminescente que se pode encontrar em praticamente todas as marcas. Muitos deles até trouxeram consigo belos carros de coleção, desde a Porsche à Ferrari. Mas os protagonistas foram mesmo a família Dreifuss, com o fundador Daniel à cabeça, a mulher Claudia e os filhos Massimo, Leonardo e Masha.
O exuberante Daniel Dreifuss trabalhava em Wall Street e entrou como que por acaso na relojoaria — pela porta lateral dos relógios publicitários, um negócio bem mais rentável do que se possa pensar. Claro que depois veio o mergulho na cultura relojoeira e a vontade de criar algo de muito melhor, só seu. A passagem aos relógios mecânicos e a criação da marca Maurice de Mauriac em 1997 foi inevitável e a sua maior afirmação internacional ocorreu sobretudo ao longo da última dúzia de anos. Entretanto, nos últimos tempos, o pai Daniel resolveu dar mais tempo a si próprio e gosta de passar temporadas na sua casa em Chiavari, na costa italiana da Liguria, remetendo a direção da marca e as decisões estratégicas principais para os filhos Massimo e Leo. Foram eles os organizadores do festival comemorativo dos 25 anos que tomou conta da Tödisstrasse.
O atelier que serve de sede à Maurice de Mauriac no número 48 da Tödistrasse fica num edifício relativamente moderno e urbano, com uma grande superfície envidraçada como montra principal. Mas quando se acede pela porta lateral entra-se num mundo à parte e torna-se imediatamente difícil fixar o olhar, tantos são os focos de dispersão: brinquedos vintage num lado, posters de Fórmula 1 dos anos 70 noutro; uma mesa de relojoeiro ao fundo; relógios aqui, correias ali e braceletes acolá; mostras de couro de um lado e de pele de crocodilo ou lagarto do outro; cromos, miniaturas, ícones, memorabilia… nota-se a omnipresença de Steve McQueen, o grande ídolo de Daniel Dreifuss, mas também duas grandes imagens de protagonistas associados à história recente da marca: Stan Smith, o campeão americano de ténis cujo nome está associado às lendárias sapatilhas da adidas e que tem um relógio da Maurice de Mauriac com a sua assinatura, e Stephan Lichtsteiner, o antigo defesa direito da Juventus e capitão da seleção suíça de futebol que resolveu tirar um curso de relojoaria no atelier após a retirada dos relvados!
A Maurice de Mauriac é o que se pode chamar de boutique brand, uma marca de nicho com produção restrita a umas cinco centenas de exemplares por ano – mas que até inclui modelos com turbilhão ou mostrador esqueletizado, a par dos mais conhecidos inspirados nas corridas automóveis, da gama L idealizada pelo designer Fabian de Schwaertzler (L1, L2 Diver, L3 Chronograph) e de edições especiais como o Stan Smith Signature Watch ou a colaboração com a revista de culto Racquet Magazine e o designer Carlton DeWoody. Um aspecto interessante tem a ver com a personalização: é possível escolher o número nos mostradores da linha Le Mans, tal como noutras linhas se pode mudar a luneta através de um sistema de rosca. E é esse toque de personalização e a escassez de produção que também tem atraído aficionados em todo o mundo, daqueles que gostam de ter um relógio que (quase) mais ninguém tem, embora atualmente talvez a gama L (L de linear) e o seu visual mais purista seja a linha de produto mais cobiçada.
Os relógios Maurice de Mauriac são motorizados por calibres de provas dadas, desde o Valjoux ao Concepto. E os preços são relativamente acessíveis dentro dos padrões da relojoaria mecânica, situando-se sobretudo entre os 1.800 e os 5.000 euros, com as variantes em ouro a passarem da dezena de milhar de euros e o turbilhão personalizável a partir dos 40 mil euros.
Há modelos muito interessantes e emblemáticos que incluem a utilização de vidros tingidos, como os irreverentes L2 ‘Red Sea’ e L3 ‘Sees Red’. Duas das edições limitadas associadas à gama L — a inicial significa ‘Linear’, a ideia subjacente à criação da linha por parte do designer industrial Fabian Schwaertzler, que fez a viagem desde a sua Basileia natal para estar presente no evento de Zurique.
E uma ligação muito simbólica a Portugal através de um tipo e cor de mostrador que hoje em dia está muito na berra: o vermelho. Mas que há cinco anos não contava para o campeonato…
A ligação a Portugal
Já se sabe que o preto, o branco e o prateado são as cores primárias dos mostradores. Logo a seguir vem o azul. O excesso de mostradores azulados e a força do verde ‘ecológico’ levou a uma pergunta lógica: e o vermelho? Até porque, seguindo a tendência neo-rétro tão vincada de há dez anos para cá, o vermelho-sangue ou vermelho escuro são cores muito vintage que ficariam especialmente bem em modelos de inspiração ‘antiga’. Pessoalmente, sempre houve uma cor que me fascinou e que sempre associei à camisola dos Magriços — a lendária seleção portuguesa que chegou ao terceiro lugar no Campeonato do Mundo de 1966.
Apesar de esse Mundial de 1966 ter acontecido antes mesmo de eu nascer, foi uma seleção que marcou o imaginário nacional durante muito tempo e a mítica imagem de Eusébio a chorar após a derrota nas meias-finais com a Inglaterra sempre conjurou aquela ideia de ‘sangue, suor e lágrimas’ — até porque a camisola era mesmo cor de sangue. Sempre quis ver essa cor num mostrador fumé ou mesmo num mostrador de uma edição limitada dedicada a Portugal. A Maurice de Mauriac concretizou-me esse desejo através do L2 Diver Deep Red e do L3 Chronograph Red Sphere… a inspiração veio mesmo da camisola da seleção de 1966, adaptada em belos mostradores de um avermelhado gradiente.
O L3 Chronograph é atualmente o meu modelo preferido da Maurice de Mauriac e uso orgulhosamente o L3 Red Sphere, precisamente pela cor inabitual que entretanto se tornou mais usada (ainda recentemente a TAG Heuer lançou uma versão limitada do Carrera com mostrador vermelho escuro!) e especialmente pela efetiva associação a Portugal. A ligação lusa estende-se a Ana Luisa Branco, uma jovem portuguesa radicada na Suíça que ajuda no departamento de marketing da marca, e ainda a Catarina Sobral, uma portuguesa que trabalha na área financeira em Zurique e que já é uma das maiores colecionadoras de relógios Maurice de Mauriac! Entretanto, e entre várias variantes do L3 Chronograph que incluem caixas em bronze ou escurecidas em preto DLC, a Maurice de Mauriac também lançou uma equivalente ao Red Sphere mas em tom verde e denominada Spheric Green — que usei no pulso durante a comemoração e também em Wimbledon, onde o verde é a cor reinante.
Para além dos relógios, o atelier merece ser visitado pela profusão de correias de todo o tipo de peles, braceletes NATO do todas as combinações de cores e ainda toda uma parafernália associada ao ténis ou aos tempos épicos do automobilismo. Mesmo tendo-se uma vaga ideia sobre o que pode encontrar pela frente, qualquer visitante — mesmo os jornalistas especializados — fica de boca aberta quando entra no número 48 da Tödistrasse porque não há nada de equivalente no universo relojoeiro.
Entretanto, foi aberta uma loja mais pequena numa zona trendy de Zurique frequentada por uma camada mais jovem. Uma espécie de concept store que entretanto se tornou muito popular na zona pela sua apresentação e por ser algo de completamente distinto do que se vê nesse bairro de Bleicherweg, muito perto de uma das mais caras avenidas do mundo: a Bahnofstrasse. Mas a sede no número 48 da Tödistrasse continua a ser o local a visitar em Zurique… até porque está constantemente no topo das preferências dos visitantes no Tripadvisor! Precisamente por ser única.
A Maurice de Mauriac é uma loja sui generis por ser organizada no seu caos, plena de odores, carregada de cores, com uma dimensão humana e artesanal que contrasta com o ambiente asséptico que actualmente se pode encontrar na esmagadora maioria das relojoarias de luxo ou boutiques monomarca. E é uma loja ao estilo do fundador, Daniel, e da família Dreifuss. No dia da comemoração das Bodas de Prata, e com a cumplicidade dos ‘vizinhos’, as duas lojas laterais ficaram por conta da marca — de um lado criou-se uma galeria a relatar o trajeto da Maurice de Mauriac ao longo dos seus 25 anos e exibiram-se os dois modelos comemorativos; do outro, criou-se uma espécie de bar e uma zona onde os visitantes se podiam mascarar para a fotografia.
Na rua, a boa disposição foi geral. Sorrisos por todo o lado, gelados italianos à discrição (comi uns 10…), churrasco, pizza, música a reforçar o ambiente de festival — primeiro com música típica suíça, depois com uma banda latina e finalmente com um novo ídolo pop helvético de unhas pintadas — Cramer. O ponto alto foi o emotivo discurso do fundador Daniel Dreifuss, recordando a trajetória da marca; foi depois acompanhado pelos filhos Massimo e Leo, vestidos com o emblemático fato de treino vermelho da adidas que se viu na comédia de culto The Royal Tenenbaums (o filme preferido da família Dreifuss). E surgiu então o desvelar dos dois modelos comemorativos do jubileu, ambos azuis e dedicados à cidade de Zurique (cuja cor institucional é precisamente o azul) numa tiragem limitada a 25 exemplares cada.
O Chrono Modern Blue ‘Big Date’ é um cronógrafo oversize (45mm) com data grande a condizer; o Automatic Modern Blue PVD ‘Züri Date’ é um Day-Date de 39mm em que o dia da semana (Mäntig, Zischtig, Mittwuch, Dunstig, Fritig, Samschtig, Sunntig) surge originalmente no dialeto alemão da zona de Zurique. Tanto um como outro dotados de uma caixa em titânio azulado e mostrador azul com inscrições/algarismos brancos contrastantes e calibres de corda automática, ‘vestidos’ com uma correia de tela técnica combinada com cauchu.
Foi, de facto, uma comemoração inolvidável — várias horas muito bem passadas entre amigos, clientes, aficionados e alguns colegas da imprensa relojoeira. Muito diferente da pompa e circunstância associada a tantos eventos de pendor muito mais institucional organizados ou patrocinados por marcas que dão extrema importância à imagem e à formalidade. No final do dia, em Tödistrasse, houve mesmo a certeza de ter acontecido algo de nunca antes visto na história da relojoaria…