Monza: Vade retro!

EdT56 — A reedição do cronógrafo Monza para celebrar o 40.º aniversário do seu lançamento por Jack Heuer prova que a TAG Heuer não descurou a sua herança histórica face aos ímpetos modernistas de Jean-Claude Biver. E é já garantido que o Autavia de 1966 irá ressuscitar no próximo ano.

Originalmente publicada na edição outono de 2016 da Espiral do Tempo, número 56.

Monza Calibre 17 Automatic Chronograph
TAG Heuer Monza Calibre 17 Automatic Chronograph © Espiral do Tempo / Paulo Pires

Nunca como na presente década a TAG Heuer fez valer a dicotomia inerente ao seu nome composto — formado na sequência da junção concretizada em 1985 entre a TAG (Techniques d’Avant Garde, companhia fundada em 1977) e a Heuer (tradicional casa relojoeira suíça cujas raízes remontam a 1860). Ao longo dos últimos anos, a abertura de novas fronteiras técnicas permitiram à marca não só estabelecer recordes no âmbito das altas frequências como aventurar-se na utilização de campos magnéticos, além da recente parceria com Silicon Valley, que lhe permitiu lançar um smartwatch juntamente com a Google e a Intel. Mas esse pendor futurista — primeiro personificado na alta-relojoaria de ponta através do anterior presidente, Jean-Christophe Babin, e agora assente na moderna linha Heuer-01 e no Carrera Connected tão do agrado do atual CEO, Jean-Claude Biver — não asfixia a vertente saudosista que a marca também apresenta na sua coleção e que lhe granjeou tantos fãs entre os aficionados de relógios desportivos e dos desportos motorizados.

A prova disso é a reedição de mais um emblemático modelo e a certeza de que outro estará a caminho, na sequência de um processo de escolha verdadeiramente único. Em 2017, a TAG Heuer irá apresentar fisicamente em Baselworld a reedição do Autavia dito ‘Rindt’, após um original torneio online que colocou frente a frente várias versões que se foram enfrentando em eliminatórias até à escolha final. Em 2016, a TAG Heuer desvelou em Baselworld um cronógrafo que rapidamente integrou as listas dos modelos mais destacados do certame e que está a cumprir o seu 40.º aniversário: o Monza.

Tempos épicos

Heur Monza, 1976
Heur Monza, 1976 © TAG Heur

O Monza surgiu na linhagem de grandes cronógrafos lançados na profícua era em que Jack Heuer liderou a marca fundada pelo seu tetravô Edouard — mas numa altura em que a indústria relojoeira suíça estava já a mergulhar na crise provocada pela invasão do quartzo asiático. Ao longo da década e meia anterior,  desde 1962 e até ao advento do Monza em 1976, foram lançados vários ícones que posteriormente ganharam uma nova vida enquanto reedições ou reinterpretações: o Carrera foi a primeira reedição, em 1996, enquanto o Monaco surgiu como reinterpretação, em 1998. Fortemente ligada a uma imagem moderna a partir da fusão em 1985, a TAG Heuer surpreendeu com essa iniciativa rétro que implicava um regresso aos clássicos e não só continuou nessa senda como ainda foi imitada pela concorrência. Hoje em dia, praticamente todas as marcas com um certo historial revisitaram o passado em edições muito do agrado dos aficionados.

E os cronógrafos produzidos sob a égide de Jack Heuer têm mesmo muitos seguidores. «Os anos 60 e 70 foram décadas muito criativas no setor dos cronógrafos — estamos a falar da época em que surgiu o cronógrafo automático, por isso o negócio nesse setor começou novamente a crescer e o cronógrafo voltou a ser muito popular a partir do final dos anos 60», confessou-me Jack Heuer antes da merecida reforma, já depois de cumprido o seu 80.º aniversário. As décadas de 60 e 70 foram também um período dourado para o desporto automóvel; sendo um apaixonado pelas competições automobilísticas, Jack Heuer não perdeu a oportunidade de se associar a corridas míticas ou pilotos famosos — e se o Autavia, em 1962, recuperava a designação de um antigo instrumento de bordo da marca (o nome é a contração de ‘Automobilismo’ com ‘Aviação’), a partir do Carrera, em 1963, todos os cronógrafos dessa época passaram a ser batizados com o nome de lendários circuitos/provas.

TAG Heuer Autavia
TAG Heuer Autavia, ‘Jo Siffert’, reedição de 2003. © TAG Heuer

«Entre 1969 e 1979, concebemos muitos modelos e ainda não aproveitámos nem metade dos que poderiam ser recriados. Fiz algumas sugestões de outros modelos antigos que poderiam ser reeditados e que estão a ser consideradas, por isso penso que teremos material mais do que suficiente para os próximos anos. Fomos nós que começámos a tendência de reeditar relógios antigos em 1996, quando o Carrera foi relançado pela primeira vez, e depois lançámos o Monaco em 1998. A partir daí, muitas outras marcas copiaram a ideia de recuperar modelos antigos, mas outras não tiveram essa possibilidade porque não tinham uma história que lhes permitisse homenagear o passado».

Entre as reedições posteriores aos ‘inaugurais’ Carrera e Monaco, o Autavia de 2003 e o Silverstone de 2010 eram versões muito próximas dos respetivos originais — o Autavia do modelo com caixa em ‘C’ entre os que foram apresentados em 1969 com o primeiro movimento cronográfico automático (Chronomatic), nas versões ‘Jo Siffert’ e ‘Orange Boy’, o Silverstone do modelo de 1974, que, na altura, pretendeu ser uma versão mais arredondada do Monaco. Mas o Monza e o Targa Florio do início do milénio foram mais exercícios de estilo que usaram códigos estéticos do passado.

TAG Heuer Monza 2000
TAG Heuer Monza, reedições de 2000. TAG Heuer

No caso específico do Monza, as reinterpretações livres que surgiram primeiramente em 2000 (com uma pequena coleção que incluiu versões em aço e ouro, cronógrafos e não cronógrafos, calibres modulares ou derivados do El Primero) e posteriormente a de 2011 (em edição limitada, com um mostrador mais vintage) não tinham qualquer ligação estética ao Monza original de meados da década de 70 que integrou a tal corrente de grandes cronógrafos lançados por Jack Heuer com a nomenclatura de circuitos lendários. Essas reedições adotavam uma caixa carré cambré inspirada num cronógrafo monopulsante dos anos 30 e até pareciam mais próximas do Camaro do que propriamente do ‘verdadeiro’ Monza lançado em 1976 para comemorar o triunfo da Ferrari no Campeonato do Mundo de Construtores de Formula 1, em 1975, graças a Niki Lauda e Clay Regazzoni. A comemoração era devida: a Ferrari não ganhava o título de ‘Construtores’ desde 1964.

Jack Heuer teve a visão de se associar à Scuderia como cronometrista oficial em 1971, nos primórdios do sponsoring desportivo, e ambos os pilotos eram embaixadores da marca. O temperamental Regazzoni, um suíço-italiano, era mais adepto do Silverstone; o frio austríaco Lauda (que em 1975 ganhou o primeiro dos seus três títulos mundiais de piloto) usava mais o Carrera da geração lançada em 1969, com caixa em ‘C’ e coroa à esquerda que indicava imediatamente que o calibre utilizado era o automático Chronomatic. Na verdade, o Monza de 1976 não era muito mais do que um Carrera em aço revestido com tratamento PVD preto.

O ‘novo’ Monza

Monza
Da esquerda para a direita: Heuer, Cronógrafo Monopulsante, 1933; Heuer Monza, 1976; TAG Heuer Monza Calibre 17 Automatic Chronograph, 2016 © TAG Heuer

Quarenta anos volvidos, e após as anteriores incursões estilísticas que aproveitaram o nome Monza, a TAG Heuer apresentou finalmente um cronógrafo cujo esquema cromático remete diretamente para o cobiçado original de 1976 — embora com uma arquitetura que aproveita o formato carré cambré do ‘outro’ Monza do início do milénio num tamanho maior. Ou seja, é uma reedição que talvez devesse ser mais considerada uma reinterpretação… mas que, como cantavam os U2, acaba por ser «even better than the real thing». Tão boa que foi imediatamente inserida nas listas de relógios mais destacados — e mesmo na dos mais cool! — deste ano em Baselworld.

Monza Calibre 17 Automatic Chronograph
TAG Heuer Monza Calibre 17 Automatic Chronograph © Espiral do Tempo / Paulo Pires

O ‘novo’ Monza é um relógio de caráter vincadamente desportivo que evoca imediatamente uma conotação motorizada com a caixa e o mostrador pretos a contrastarem fortemente com o vermelho e o branco repartidos entre os ponteiros e o grafismo fiel ao Monza inaugural — sendo que a parte luminescente apresenta um branco ‘patinado’ para acentuar o espírito rétro. A caixa é grande sem ser sobredimensionada (42 mm), e foi construída a partir de uma base de titânio de grau cinco (titânio de melhor qualidade que pode ser polido) escurecida com carboneto de titânio (que torna a superfície imune aos riscos, ao contrário do PVD normal), mas a coroa e os botões apresentam-se em aço ‘natural’, tal como no original, embora numa disposição tradicional que não segue a da coroa à esquerda exigida pelo calibre Chronomatic em 1976. A disposição do mostrador é clássica: submostradores às 3 e 9 horas, com janela para a data às 6. Mais potenciadores do espírito vintage: escala pulsométrica das 12 às 3 horas e taquimétrica das 3 às 12 horas), vidro de safira convexo e correia de couro envelhecido perfurada, além da utilização do logótipo Heuer.

O ‘outro’ Autavia

A próxima homenagem da TAG Heuer ao seu glorioso passado será mais uma reedição do que uma reinterpretação, e foi decidida maioritariamente pelos aficionados da marca num processo verdadeiramente democrático e original — que recebeu o nome de Autavia Cup. Depois das reedições Autavia de 2003, que recuperaram o visual dos Autavia baseados na caixa em ‘C’ de 1969, com coroa à esquerda devido ao calibre automático Chronomatic, a próxima reedição do Autavia a ser apresentada para o ano em Baselworld saiu de uma espécie de torneio virtual em que 16 diferentes modelos Autavia primeira geração (ou seja, pré-Chronomatic), foram emparelhados de modo a defrontarem-se entre si num mano a mano com três rondas de eliminação até à final.

Entre modelos de dois contadores e três contadores, na sua esmagadora maioria com combinações ‘Panda’ (contadores pretos em fundo branco) ou ‘reverse Panda’ (contadores brancos em fundo preto), mais de 50 mil votações online estabeleceram a vitória do referência 2446 MK3, conhecido por Autavia ‘Rindt’, por ter sido usado frequentemente pelo malogrado piloto alemão campeão de Fórmula 1 Jochen Rindt.

Autavia Cup Referência 2446 Mark-3 «The Rindt»
O vencedor da Autavia Cup foi a Referência 2446 Mark-3 «The Rindt». © TAG Heuer

A iniciativa, sugerida à TAG Heuer pelo historiador e blogger do universo Heuer Jack Stein, foi um enorme sucesso entre os ‘heueristas’ — porque contribuíram diretamente para a reedição fiel de um dos principais ícones na história da marca. E porque será precisamente uma reedição e não uma reinterpretação, embora sejam feitas concessões relativamente ao original — a passagem dos 39 mm de diâmetro para um tamanho maior de 42 mm e a adoção de uma motorização automática (o Calibre Heuer 03) em detrimento do movimento de corda manual.

O processo também revela bem a nova estratégia da TAG Heuer relativamente às suas recriações de pendor histórico, enquanto os originais vão batendo recordes em leilões da especialidade num ímpeto ascensional espoletado pelo Leilão Haslinger de 2010 na Bonham’s de Londres: as reedições ou reinterpretações passam a ser lançadas de modo autónomo e não inseridas em minicoleções com múltiplas variantes, como sucedeu anteriormente com o Monaco. O Carrera é um caso à parte, já que se tornou numa linha de grande sucesso que cresceu exponencialmente para se tornar no maior sucesso comercial da marca. E que até já contempla a tal versão Connected que está nos antípodas dos modelos de inspiração vintage. O espetro de abrangência da TAG Heuer apresenta-se cada vez mais alargado, combinando pretérito e futuro de maneira perfeita no presente. ET_simb

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