Há inúmeros episódios da história recente da civilização em que um determinado relógio acaba por assumir protagonismo. Foi o que aconteceu com a expedição britânica ao norte da Groenlândia entre 1952 e 1954 — com o Tudor Oyster Prince a desempenhar um papel especial no pulso do major Des ‘Roy’ Homard perante condições extremas de frio e humidade. O relógio esteve extraviado durante décadas e só foi descoberto há meses, no fundo de uma gaveta, e em perfeito estado de conservação.
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Texto originalmente publicado no número 51 da Espiral do Tempo
O século XX foi o século das grandes descobertas, até porque o progresso tecnológico também proporcionou os meios necessários para que o Homem lograsse chegar mais fundo e mais alto do que alguma vez tinha chegado — e mais longe também. Os polos da Terra sempre exerceram uma particular atração sobre cientistas e exploradores, com algumas das expedições ao Ártico e à Antártida a cotarem-se entre as mais impressionantes aventuras humanas da história moderna.
Foi também no decurso do século XX que o relógio mecânico passou definitivamente do bolso para o pulso, passando a acompanhar mais intimamente as grandes expedições que se foram realizando sobretudo no período imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial. Foi o caso da incursão à Groenlândia, denominada British North Greenland Expedition, e que decorreu de 1952 a 1954, sendo apadrinhada pela então recentemente entronizada rainha Isabel II (cuja cerimónia de coroação até ocorreu precisamente durante a expedição) e também por Winston Churchill.
Na mais pura tradição britânica, integrou numerosas individualidades das áreas militar, médica e científica — que tinham como objetivo não só investigar a geologia, como registar a topografia da cúpula de gelo da Groenlândia do Norte e ainda pesquisar fenómenos sísmicos e gravitacionais. As condições eram duríssimas: temperaturas negativas e jornadas contínuas de 24 horas de escuridão total ou luz absoluta; a gestão do tempo era crucial e apenas relógios excecionais para a época poderiam sobreviver num ambiente tão hostil.
Imediatamente antes do arranque dessa expedição, a Tudor lançou em 1952 o Oyster Prince. Beneficiando dos avanços na área da estanqueidade e do mecanismo automático desenvolvidos pela sister company Rolex, era um relógio concebido para enfrentar os mais duros desafios e cada um dos 26 membros do contingente recebeu um exemplar. Precisamente 60 anos após a conclusão dessa expedição, um dos últimos sobreviventes da iniciativa encontrou o respetivo relógio na parte de trás de uma gaveta da cozinha; o seu Tudor Oyster Prince estava desaparecido há meio século e foi recuperado num ano duplamente simbólico já que, além de ser o ano em que a Tudor celebrou o 60.º aniversário, 2014 marcou também o regresso oficial da marca ao mercado britânico. Adequadamente, tão relevante peça histórica foi doada ao museu da Tudor e a efeméride proporcionou o mote ideal para o lançamento da nova coleção North Flag por parte da Tudor na edição de 2015 de Baselworld — um modelo inspirado pela aventura e dotado do primeiro movimento de manufatura da marca que foi preparado precisamente para sobreviver às mais exigentes condições. Um relógio-instrumento, essencial, à semelhança do Oyster Prince da década de 50.
Explorando no gelo
Foi numa viagem aérea em 1950 que Cortland Simpson, comandante da Marinha Real, avistou ao longe uma zona desconhecida no norte da Groenlândia que foi denominada Dronning Louise Land. A vontade de explorar o desconhecido levou-o a juntar um grupo de aventureiros (entre oficiais e cientistas) e estabelecer, nos dois anos seguintes, os apoios necessários para o lançamento da British North Greenland Expedition. Foram estabelecidos postos de apoio, um navio de fornecimento do material de suporte necessário (de equipamento pesado aos cães) e a Royal Air Force lançou de paraquedas os membros da expedição.
Desde o início que as peripécias e os testes se sucederam a um ritmo diário, com Cortland Simpson e Angus Erskine a caírem em água gelada e a sofrerem de hipotermia. Foi necessário percorrer no gelo 370 km até ao local de estabelecimento da principal base da missão e um dos aviões que vinha largar mantimentos tocou com a asa no solo e foi necessário uma dramática operação de salvamento… embora, à boa maneira britânica, quando o encontro se deu, houve uma festa improvisada na fuselagem do aparelho.
Ao longo dos dois anos da expedição, muitas foram as áreas de estudo abordadas — as especificidades da região, o degelo, a acumulação de neve, o fenómeno da gravidade no polo, a frequência sísmica e várias outras. Mas foi um trabalho moroso e nada fácil. Em maio de 1954, quase no final da missão, houve uma explosão que afetou um elemento; foram feitos registos médicos de todos e a evolução do estado físico nas condições extremas do Ártico, com particular atenção aos períodos de sono. Desmond Homard, curiosamente conhecido por Roy, debruçou-se mais particularmente sobre os estudos sísmicos da região, e tinha a seu cargo a manutenção dos oito Studebaker Weasels — veículos utilizados para navegar em cima da cúpula gelada e que muitas vezes caíam em buracos ou ravinas dificilmente percetíveis mesmo de perto. Toda a experiência acumulada foi fundamental para posteriores expedições.
O capitão JD Walker, dos Royal Engineers, enviou para a Tudor uma carta que relatava o seguinte: «Gostaria de exprimir a minha extrema admiração pelo Rolex Tudor Oyster Prince que usei no pulso durante a expedição. As minhas funções exigiam as mais diversas atividades, desde montar abrigos até conduzir os Weasels ou trenós de cães. As temperaturas variavam desde os 70 ºF até aos -50 ºF e, em inúmeras ocasiões, o relógio teve inevitavelmente de estar debaixo de água. Apesar de tudo isso, ocasionais sinais de tempo emitidos desde Inglaterra provaram que o meu relógio manteve uma notável precisão. Nunca precisei de lhe dar corda manual. E quando por vezes passava várias semanas longe da base principal foi sempre de valor inestimável ter no pulso um relógio cuja precisão era fiável sob quaisquer circunstâncias».
O Tudor Oyster Prince foi lançado em 1952 por Hans Wilsdorf, também fundador da Rolex, tendo sido especificamente desenhado para ser utilizado como instrumento de precisão em condições difíceis. A Tudor aproveitou a British North Greenland Expedition para promover o relógio através de publicidade em revistas: «O Tudor Oyster Prince aguenta-se na Groenlândia», titulava a publicidade, assinalando também «os corajosos homens que usam os Tudor Oyster Prince têm uma fé inabalável na sua resistência perante desafios tremendos».
O Oyster Prince assentava no conceito Oyster de caixa estanque introduzida pela Rolex em 1926 e nos desenvolvimentos dos mecanismos automáticos Perpetual que a Rolex estreou em 1931. O modelo da expedição continha um calibre FEF 390 aperfeiçoado a partir de uma base de movimento da Fabrique d’Ébauches de Fleurier. Os membros da expedição mantiveram o registo da precisão dos respetivos relógios, tendo por referência os sinais emitidos pela BBC, e, no final, entregaram a documentação à Tudor. Quando Homard encontrou o seu Oyster Prince, ainda tinha a correia extensível desenhada para que o relógio fosse utilizado sobre os fatos protetores.
Tão a norte, os instrumentos magnéticos perdiam efeito e mostravam-se vulneráveis a influências externas (como o próprio metal do motor e da caixa de velocidades dos veículos Weasel). Foi necessário recorrer a compassos tradicionais alinhados pelos relógios e pela sombra. Os Tudor Oyster não eram adereços sofisticados — eram uma peça vital do equipamento de cada um e o relógio de Homard evidencia todas as marcas das provações por que passou na British North Greenland Expedition.
Desmond ‘Roy’ Homard está a caminho dos 94 anos, mas ainda se recorda bem do que sucedeu há mais de seis décadas. «Não sabia o que iria acontecer, mas tinha a certeza de que estaria muito frio, que seria muito duro e perigoso. Que estaria por lá cerca de um ano e meio. Disse-me a mim mesmo que poderia fazê-lo». Não só o fez como repetiu a dose no polo oposto: em 1956, Homard tornou-se apenas no segundo soldado britânico (após o capitão Lawrence Oates) a chegar à Antártida, integrando a Trans-Antarctic Expedition liderada por Vivian Fuchs, que atravessou 1000 milhas de território gelado e não reconhecido. Essa ‘bipolaridade’ fez dele o único soldado britânico a explorar o Polo Norte e o Polo Sul e o único soldado britânico em serviço a ter atravessado a Antártida de uma costa a outra passando pelo polo. Os seus feitos contribuíram para a sua passagem a major e foi galardoado com a Medalha Polar pela rainha Isabel II.
A mulher de Homard usou o Oyster Prince numa das suas ausências e subitamente deram por falta do relógio. Em 2014, e intrigado com o desaparecimento, o veterano explorador revirou a casa e não descansou até que o encontrou — e contactou a Tudor.
O advento do North Flag
A história inspirou a criação do North Flag, um relógio completamente novo e que não surge associado à popular linha Heritage que tem sido ex-líbris da marca desde o seu lançamento em 2010. É certo que tem alguns elementos de estilo do passado, nomeadamente uma arquitetura de caixa com bracelete integrada típica da década de 70 que também se viu nos Rolex Oyster Quartz, no Tudor Prince Oyster Date 1530, e sobretudo no Tudor Ranger 2, mas é um modelo de personalidade própria que, para mais, foi escolhido para estrear o primeiro calibre de manufatura na história da Tudor — o MT5621.
Inspirado pelas expedições e explorações, o North Flag é um robusto relógio de aventura feito para ser testado nas condições mais duras. O calibre automático MT5621 é igualmente robusto, privilegiando a funcionalidade e o rendimento sobre a estética; o modo como foi idealizado assegura grande estabilidade, recorre a uma espiral de silício acompanhada de um oscilador de inércia variável e proporciona 70 horas de reserva de marcha — ostentando a certificação de cronómetro atribuído pelo COSC após uma bateria de testes de precisão. E é um calibre de fabrico próprio, não feito nas instalações da Rolex em Bienne.
Apesar das referências rétro, trata-se de um relógio moderno de caraterísticas técnicas que abre um novo espaço no catálogo da Tudor, além de dois outros emblemáticos modelos de aventura associados ao mergulho — o Black Bay, com reminiscências vintage, e o mais contemporâneo Pelagos. O toque de cor com a utilização do amarelo no mostrador vem na sequência da linha estética atual da Tudor e, como tem sucedido com outros modelos, o North Flag está disponível com variantes de ‘vestimenta’: uma correia de tela técnica e pele ou uma bracelete em aço. Tudo embrulhado num preço praticamente imbatível para um relógio equipado com um calibre de manufatura!
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