E se, por alguma situação especial, como recursos ilimitados inesperados ou por ter vencido algum improvável concurso de uma marca relojoeira, pudesse escolher exatamente como seria o seu relógio perfeito? Quantas vezes já imaginou esse relógio? O relógio que teria o design e as funções que tanto gosta, combinadas harmoniosamente numa mesma peça?
Desde que comecei a gostar verdadeiramente de relojoaria, já gastei umas boas horas a procurar o relógio dos meus sonhos, mas nunca o encontrei. Até comprei alguns por gostar do design ou por terem complicações que aprecio, mas fica sempre a sensação de que falta algo; ou, pouco tempo depois, surge um outro que parece mais próximo daquele que parece ser o meu relógio de sonho ideal. Esta situação deveria ser normal, até agradável, se aproveitada com sabedoria, mas o facto é que, a cada dia que passa, imagino cada vez mais o meu relógio perfeito. Então, faço, nestas linhas, um convite a quem me está a ler para imaginar comigo como seria o seu relógio perfeito, caso ainda não o tenha. Ao mesmo tempo, permita-me que apresente como seria o meu. O que lhe parece?
Primeiro devo esclarecer que adoro a complicação GMT e ultimamente este é um pré-requisito para a compra de qualquer novo relógio. Diferente da sua função principal e longe de ser um viajante regular, a minha paixão vem da possibilidade de o GMT poder acompanhar, em diferentes fusos horários, o decorrer do dia em 24 horas, a fluidez do tempo do momento que acordo, passando pela aproximação da metade do dia, o início da noite e o quanto já fiz ou deixei de fazer no decorrer das horas. Uma outra complicação que sempre considerei obrigatória no meu relógio perfeito, mas que agora quase rivaliza com minha paixão pelo GMT, e que só ganhou este protagonismo após a leitura do revelador artigo escrito por Bruno Candeias aqui na Espiral do Tempo, é a data. Sempre considerei fundamental a presença de data nos relógios, mas depois de ler o referido artigo, passei a vê-la de uma forma mais poética, que combina perfeitamente com minha visão do GMT, como explicado nos seguintes excertos: «A janela da data mostra um número, mas um ponteiro da data aponta para um momento no loop infinito do tempo»; e «Para além da parte visual, o que mais me cativa é o elemento filosófico associado a esta complicação. Nestes relógios, a data segue a mesma trajetória que as horas e os minutos, completando lentamente o círculo à medida que o mês avança. Podemos acompanhar o seu progresso e sentir a passagem dos dias à medida que o novo mês se aproxima e o ciclo se repete novamente.»
Portanto, fica claro que meu relógio perfeito deverá ter as complicações de GMT e data, apresentadas analogicamente, com ponteiros numa escala circular, permitindo perceber o decorrer das 24 horas e do mês na nossa vida diária. Outra função fundamental para proporcionar esta percepção da condição dinâmica do tempo e da sua passagem no decorrer do dia é o ponteiro dos segundos, que deve ser o elemento central do meu relógio perfeito, pois só ele nos dá a noção de que o tempo nunca para. Também deverá ter a apresentação das horas e dos minutos, num formato que permita uma rápida e precisa leitura sem competir no design com as outras três complicações (GMT, data e segundos).
Por fim, proponho uma complicação poética que permita que o utilizador se aperceba dos momentos em que se encontra muito agitado ou acelerado, desta forma, ele poderá então fazer uma paragem estratégica para respirar e acalmar o corpo e a mente. Esta complicação poderia ser apresentada através de uma pequena esfera que se movimentaria verticalmente numa escala no mostrador e, à medida que o utilizador estivesse com o seu movimento muito acelerado (por exemplo, movimentando muito o braço), esta esfera iria subindo lentamente até chegar a um ponto máximo, em que a única forma de fazê-la regressar ao início seria com uma paragem de poucos minutos, que poderia ser aproveitada para um momento de relaxamento ou de meditação.
Esta complicação poderia ser concretizada tecnicamente da seguinte forma: a esfera estaria solidária com uma cremalheira, e um pêndulo carregaria uma mola que faria a cremalheira elevar a esfera; por sua vez, esta mesma cremalheira estaria associada a uma mola que forçaria sempre a esfera a regressar à sua posição de repouso. Ou seja, sempre que o dono do relógio estivesse muito agitado e a movimentar-se bastante, o pêndulo carregaria a corda ligada à cremalheira que, por sua vez, faria a esfera elevar-se verticalmente; mas, quando o utilizador parasse de se movimentar por apenas alguns minutos, a mola instalada no sentido contrário ao movimento ascendente da cremalheira, faria a esfera regressar rapidamente à sua posição de repouso.
Alguns podem argumentar, por exemplo, que no momento da prática de desporto, a esfera iria indicar a necessidade de parar, mas, na realidade, o dono do relógio encontrar-se-ia numa situação que lhe traz benefícios, logo, sendo uma complicação poética, a sua função seria apenas lembrar que precisamos de fazer algumas pausas, ao longo do dia. Além disso, embora eu trabalhe em mecânica industrial, a descrição técnica que fiz da minha complicação poética é somente a forma que imaginei de poder viabilizar a sua execução, importando sobretudo, neste momento, o seu objetivo no meu relógio perfeito.
Para o nome deste relógio, inicialmente procurei uma palavra que combinasse com a ideia da passagem do tempo de forma permanente, refletindo a ação de ser; a própria existência. Entretanto, resolvi chamá-lo simplesmente de «JFM» que representa as iniciais do meu nome (Jefferson França Meireles), não deixando assim de lhe dar um sentido de existência. Seguindo esta abordagem, nada melhor do que deixar o seu fundo sólido e liso, como uma tela em branco para a personalização.
E o leitor, conseguiu imaginar como seria o seu relógio de sonho? Já o tinha concebido na sua mente ou em algum desenho? Ou melhor ainda, já conseguiu adquirir no mercado o seu relógio perfeito? Eu, infelizmente ou felizmente, embora tenha relógios de que gosto muito e que têm um grande significado na minha vida, ainda não o encontrei, portanto, permito-me continuar a sonhar. Quem sabe se, partilhando a minha imaginação e o meu desejo, esta situação especial se concretize de alguma forma, conseguindo ter acesso ao meu relógio perfeito? Afinal, sonhar é o primeiro passo para a realização. Deixo em imagens, ao longo do texto, uma concepção livre do relógio que imaginei – com desenhos técnicos realizados pelo designer Ricardo Ferro (@ricardoferro2001).