Todos nós percebemos o que é o tempo, é óbvio. O que não percebemos é como se explica. Sempre que, do alto da sua inocência, uma criança nos pergunta o que é o tempo, o que é óbvio, é que estamos em apuros. Pela sua importância, pela dificuldade de acesso à sua essência, o tempo ganha assim um certo carisma. Para o compreendermos melhor vamos conhecer o seu coração, o oscilador.
Artigo originalmente publicado no número 76 da Espiral do Tempo (outono 2021), mas revisto e atualizado posteriormente pelo autor.
O autor escreve seguindo o antigo acordo ortográfico.
Os acontecimentos decorrem, como uma corrente de água que flui, ou como o trajecto do Sol no céu. Ao medir o tempo, estamos, na verdade, a medir o decorrer dos acontecimentos. Esta medição começou por ser feita com uma grande proximidade com a natureza, através da contagem de porções de água, da deslocação do Sol, ou da quantidade de areia que cai. Talvez estas sejam mesmo ainda as mais belas formas de medir o tempo, mas, infelizmente, não são as mais precisas. A precisão implica sempre um tempo descontínuo, dividido em unidades cada vez menores. Para que esta divisão seja possível, é necessário um oscilador. Em relojoaria, um oscilador transforma movimentos contínuos em movimentos cíclicos, permitindo, dessa forma, uma medição precisa das unidades de tempo.
Os primeiros osciladores mecânicos
As primeiras máquinas capazes de medir o tempo não eram relógios, eram mecanismos destinados a reproduzir o comportamento dos astros. Como os cinco planetas observáveis a olho nu, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno; as luas; alguns cometas; e as estrelas. Na observação directa da natureza e dos seus fenómenos, não é possível encontrar a regularidade necessária à divisão do tempo em horas, minutos e segundos. Essa foi uma necessidade que começou a ser sentida com a deslocação do trabalho do campo para as cidades. A organização da duração do trabalho, tal como a indicação dos períodos de oração, criou a necessidade de dividir o tempo em unidades menores do que as necessárias à vida campestre.
→ A evolução dos osciladores acompanhou as necessidades da sociedade. Tornámo-nos menos ligados à natureza, mais tecnológicos, mais precisos. A própria noção de tempo foi alterada.
A evolução dos relógios só foi possível graças à evolução dos seus osciladores. O tempo começou por ser medido através da observação directa dos elementos da natureza, como acontece no relógio de água (clepsidra), relógios de fogo (velas graduadas), relógios de sol, e relógios de areia (ampulhetas).
Aquele que é frequentemente considerado o primeiro mecanismo com um oscilador mecânico servia para fazer girar uma esfera armilar metálica, como a que está presente na nossa bandeira. O seu autor foi o monge budista Yi Xing, da dinastia Tang, com o apoio do oficial do governo Liang Lingzan, aproximadamente no ano 723. Este mecanismo foi mais tarde aplicado por Su Song a uma torre astronómica de 12 m de altura. Existem também descrições de clepsidras árabes e mesmo de mecanismos com osciladores gregos do século III a.C. Porém, nenhum deles se assemelha aos criados na Europa a partir do século XIII, que permitiram o aparecimento dos relógios mecânicos tal como os conhecemos hoje. Estes osciladores chamavam-se osciladores de foliot e tinham um escape de roda de reencontro – um escape é uma ligação mecânica que prende e liberta periodicamente as rodagens de um relógio – e, embora a sua precisão variasse até uma hora por dia, foram os primeiros a funcionar sem recurso a nenhum elemento da natureza. Permaneceram até meados do século XIX em relógios de torre, pé alto, mesa e de bolso. O oscilador consistia num veio metálico apoiado num eixo central, com um peso em cada extremidade. Os pesos podiam ser deslocados manualmente para o centro, ou para a periferia, por forma a acelerar ou retardar o movimento. A falta de precisão deste mecanismo tornava-o muito dependente da acção e vigilância humana. Existia mesmo uma profissão designada «governante de relógio».
A mais genial das invenções dos últimos séculos surgiu, segundo se conta, quando Galileu Galilei observou a oscilação do candelabro da Catedral de Pisa. O movimento do candelabro era isócrono, ou seja, movia-se em tempos iguais para ambos os lados. Após anos a tentar medir o tempo através dos astros, de oscilações provocadas pela água, ou de forma mecânica, mas com variações de uma hora por dia, tinha sido finalmente encontrada uma forma de dividir o tempo em unidades iguais. Foi numa carta para Guidobaldo del Monte, em 1602, que Galileu Galilei descreve, pela primeira vez, a sua grande descoberta, a isocronia do pêndulo. As leis dos movimentos pendulares foram enunciadas por si e abriram, finalmente, caminho à construção de relógios precisos. Galileu criou mesmo um sistema de escape, que tinha um pêndulo como oscilador. Porém, como por essa altura já estava cego, descreveu apenas o mecanismo ao seu filho Vincenzio e não o construiu. Segundo o seu biógrafo e pupilo, Viviani, a descrição de Galileu falava num mecanismo de escape capaz de dar pequenos impulsos ao oscilador, o pêndulo, e dessa forma manter e regular a sua cadência. Tanto Galileu como o seu filho faleceram antes de terminar a construção do relógio. Com as leis dos movimentos pendulares enunciadas por Galileu, era uma questão de tempo até que fosse criado um relógio de pêndulo com uma precisão muito superior aos de foliot. É ao cientista holandês Christiaan Huygens que se atribui o mérito de construir o primeiro relógio de pêndulo, descrito no seu livro Horologium Oscillatorium de 1673.
Huygens tem muito mérito, não só por ter construído o primeiro relógio de pêndulo funcional, mas por ter melhorado bastante o sistema de escape de Galileu com várias invenções. Uma delas, usada até hoje, consiste num prolongamento da âncora através de uma peça chamada forquilha, que toca no pêndulo e lhe dá pequenos impulsos. A forquilha permite que a suspensão do pêndulo seja independente, o que contribui para o aumento da precisão. Huygens conseguiu que se passasse de uma variação de uma hora por dia, nos relógios de foliot, para uma variação de cerca de um minuto por dia, no seu relógio de pêndulo.
Os desafios da oscilação marítima
Os relógios de foliot e de pêndulo eram apenas eficazes em terra. É sabido que a oscilação do mar perturba a oscilação do pêndulo, o que cria um problema na medição da longitude. A medição da longitude começou por ser conseguida através de um sistema de nós numa corda. Esta corda era libertada no mar a partir de um navio em movimento, em intervalos regulares de cerca de uma hora, calculados com relógios de areia muito pouco precisos. Daí resultou a unidade náutica nó. A falta de precisão deste processo levava a grandes e catastróficos erros de navegação. Por esta razão, o parlamento britânico, entre muitos outros, ofereceu grandes recompensas a quem criasse uma forma precisa de medir a longitude no mar. O melhor oscilador encontrado para solucionar o problema da mediação da longitude foi o sistema balanço espiral. A adaptação deste sistema permitiu a criação de um relógio preciso, mesmo no interior de um navio, ou seja, de um cronómetro de marinha. A recompensa do parlamento britânico foi atribuída a John Harrison, um carpinteiro que dedicou parte da sua vida à construção do primeiro cronómetro de marinha eficaz para medir a longitude. Infelizmente, também dedicou muito tempo da sua vida a provar a eficácia da sua invenção, o que levou a que a recompensa lhe fosse atribuída já nos últimos anos de vida e não na totalidade.
Um oscilador para um relógio de pulso
O relógio de John Harrison só foi possível graças à invenção do oscilador de balanço espiral, do qual não se tem referência do autor. Um dos primeiros osciladores de foliot com formato circular foi encontrado no esquema de Giovanni de Dondi para a construção de um astrário. A primeira adaptação do oscilador de balanço espiral a um relógio está envolta numa grande polémica entre Christiaan Huygens e Robert Hook; aparentemente, ambos tiveram a ideia praticamente em simultâneo. A grande vantagem deste oscilador é que permite uma chamada ao ponto morto, tal como o pêndulo, o que contribui bastante para o aumento da precisão e reduz os gastos de energia. Este foi o oscilador mais usado até aos nossos dias; ainda hoje, é o oscilador da maioria dos relógios mecânicos de pulso. O seu desempenho foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos com o objetivo de melhorar, principalmente, a resistência a alterações de temperatura. As diferenças de temperatura provocam uma dilatação e uma deformação da espiral, o que produz, naturalmente, alterações significativas na precisão do relógio.
Com o estabelecimento de que este seria o oscilador mais eficaz, o que se seguiu foi um estudo exaustivo sobre quais os melhores materiais para construí-lo. Abraham-Louis Breguet e a sua equipa são os autores de uma das mais importantes alterações à espiral, que consiste numa curva da espira exterior levantada, com grandes contributos para o isocronismo. Já John Harrison tinha dado também um grande contributo com a introdução de dois metais diferentes na composição do aro de balanço. Com dois metais, latão no exterior e aço no interior, é criado um termopar que compensa a variação do comprimento activo do espiral. O que permite um balanço-espiral estável e um relógio preciso, mesmo em diferentes temperaturas. Posteriormente, na construção dos balanços, foram também usados outros metais, tal como algumas ligas construídas propositadamente para o efeito, com nomes comerciais como Maillechort e Glucydur. Toda esta investigação fez com que se conseguisse melhorar o oscilador balanço espiral ao ponto de permitir que o relógio passasse a ser usado no pulso e se tornasse num instrumento fiável capaz de organizar a vida nas cidades.
Osciladores espaciais e quotidianos
Com os olhos postos no espaço, os osciladores ganharam um papel fundamental. Para o lançamento de satélites e missões espaciais, o relógio com oscilador de balanço espiral passou a ser insuficiente. A divisão do tempo que este oscilador permitia não tinha a precisão necessária. Por esta razão, os relógios com osciladores eléctricos de diapasão metálico ganharam um lugar fundamental no desenvolvimento científico. Em 1957, foi produzido o primeiro relógio eléctrico, o Hamilton Electric 500; porém, este relógio ainda usava o oscilador de balanço espiral. O primeiro relógio com oscilador eléctrico foi o famoso Bulova Accutron, com uma frequência de 360 Hz, bem mais alta, por exemplo, do que a de um relógio mecânico de 36.000 A/h high beat, que tem 5 Hz. Este foi, até então, o maior salto de precisão da história do relógio de pulso. O oscilador do Accutron é um diapasão metálico que, quando activado electricamente, vibra. A ideia de usar um diapasão para medir o tempo já tinha sido anunciada por Louis Clément, filho de Breguet; porém, foi preciso um século para que o suíço Max Hetzel criasse o primeiro relógio de diapasão eléctrico, para a marca Bulova. Embora fosse uma invenção extraordinária, o seu domínio durou menos de uma década, até à invenção do oscilador de quartzo. Foi em 1967 que o Centre Électronique Horloger de Neuchâtel apresentou ao mundo um relógio de quartzo analógico, o Beta 1. Tudo começou, porém, em 1880, quando os irmãos Pierre e Jacques Curie descobriram que o quartzo tinha propriedades piezoeléctricas, ou seja, tinha a capacidade de gerar tensão eléctrica por resposta a uma pressão mecânica. Com base nesta descoberta, foi construído, em 1928, o primeiro relógio de quartzo por W. A. Morrison e J. W. Horton. Contudo, este era um relógio de grandes dimensões. Só em 1969 foi criado o primeiro relógio de pulso de quartzo, o Pulsar da Hamilton. Com o incrível sucesso da adaptação do oscilador de quartzo aos relógios de pulso, foi possível atingir frequências de 32.768 Hz. Para o relógio usado na vida quotidiana, deixou de ser necessária uma melhoria na precisão. Talvez por essa razão os relógios de quartzo tenham mantido o seu domínio até à actualidade.
Osciladores atómicos e quânticos
Embora estivessem supridas as necessidades de precisão temporal para a vida quotidiana, na investigação científica, a evolução continuou. A divisão do tempo em períodos cada vez mais pequenos é fundamental para melhorar, por exemplo, os GPS, as comunicações, ou, para melhorar a precisão da hora mundial. O relógio atómico ganhou um papel central nestes domínios. A ideia de usar as mudanças de estado dos átomos para medir o tempo foi sugerida por Lord Kelvin em 1879. Contudo, o primeiro relógio atómico, construído em 1949, no Instituto Nacional Americano de Padrões (American National Standards Institute), era menos preciso do que um relógio de quartzo. Serviu, ainda assim, para uma boa demonstração do conceito. O primeiro relógio atómico preciso baseado na mudança de estado do átomo de césio-133 foi construído por Louis Essen e Jack Parry, em 1955, no National Physical Laboratory, no Reino Unido. Desde então, os relógios atómicos resultaram das mudanças de estado dos átomos hidrogénio-1, césio-133 e rubídio-87. A partir dos 5 Hz dos relógios mecânicos high beat, passou-se para os 360 Hz dos relógios de diapasão; de seguida, para os 32.768 Hz dos relógios de quartzo, e, com os relógios atómicos de Cesium-133, atinge-se uma frequência de 9.192.631.770 Hz. Estes relógios têm vindo a ser melhorados com recurso às teorias acerca da mecânica quântica. O universo existe há 13.800 milhares de milhões de anos, um relógio atómico com a mesma idade atrasar-se-ia 100 milissegundos. O funcionamento destes relógios é bastante complexo, as oscilações dos átomos são medidas com recurso a lasers. Num artigo publicado na revista Nature (16 de dezembro de 2020), os autores propõem que seja medida a oscilação de átomos entrelaçados quanticamente, ou seja, partículas ligadas de tal forma que, o que acontece com uma, acontece com a outra, seja qual for a sua posição no universo. A melhoria da precisão destes relógios poderá contribuir, por exemplo, para a detecção de matéria negra, para melhorar a percepção das ondas gravitacionais, ou para medir de forma exacta o efeito da gravidade no tempo.
No mundo dos relógios mecânicos de pulso, continuam, igualmente, a existir novas descobertas. Uma das mais fascinantes teve início com uma parceria entre a empresa Flexous, criada em 2012, e o departamento de desenvolvimento relojoeiro da LVMH, sob a supervisão de Guy Sémon. Desta parceria, resultou o primeiro oscilador de silício, de peça única, ou seja, monolítico. É uma solução impressionante. Estes osciladores substituem cerca de 20 peças, são antimagnéticos, resistentes a variações de temperatura, consomem menos energia, não sofrem o desgaste dos osciladores de balanço espiral, não necessitam de lubrificação e permitem manter a precisão durante quase todo o período de reserva de corda. Como se não bastasse, têm uma frequência de 40 Hz. O conceito foi inicialmente aplicado no Defy da Zenith (15 Hz); de seguida, no Zenith Defy Inventor (18 Hz) e, posteriormente, com bastantes melhorias, no Frederique Constant Slimline Monolithic (40 Hz). Existem outros relógios que conseguiram frequências bastante altas como o TAG Heuer — Mikrotimer Flying 1000 Concept Chronograph, que atinge 500 Hz, ou o De Bethune Résonique, que atinge 926 Hz. O aumento de frequências é conseguido com alterações ao sistema balanço espiral que passam pela utilização de materiais mais rígidos na construção da espiral, entre outras inovações. Estas altas frequências pretendem atribuir precisão aos relógios de pulso. Infelizmente, com uma frequência mais alta, todas as peças do relógio sofrem maior desgaste, o que reduz a sua vida útil e os intervalos de manutenção do relógio.
Actualmente, o oscilador mecânico que permite uma maior precisão continua a ser o pêndulo, desde que esteja em condições absolutamente controladas, como é o caso do relógio de pêndulo construído pelo relojoeiro inglês Edward Martin Burgess, e completado pela Charles Frodsham & Co., a partir de um projecto desenhado por John Harrison que, num teste, atrasou apenas 0,625 segundos em 100 dias.
A evolução dos osciladores acompanhou as necessidades da sociedade. Tornámo-nos menos ligados à natureza, mais tecnológicos, mais precisos. A própria noção de tempo foi alterada. Os osciladores permitiram e facilitaram estas mudanças.