Rexhep Rexhepi: sangue novo

Em Genebra | No complexo cosmos relojoeiro, uma jovem estrela tem brilhado de modo intenso: Rexhep Rexhepi fundou a Akrivia em 2012 e, no espaço de seis anos, levou a sua marca aos píncaros da alta-relojoaria – ganhando um galardão no Grand Prix d’Horlogerie de Genève em 2018 e confirmando o estatuto de coqueluche com um excelente resultado no leilão de beneficência Only Watch de 2019. Sempre secundado pelo irmão Xhevdet Rexhepi.

O firmamento relojoeiro é caraterizado por constelações de marcas históricas, estrelas referenciais e muitos cometas que surgem de modo intermitente. Entre grupos de luxo, manufaturas tradicionais, companhias independentes, micromarcas e relojoeiros que se lançam em nome próprio, um jovem mestre tem brilhado de modo cada vez mais intenso – impondo uma nomenclatura exótica na etimologia maioritariamente francófona ou anglo-saxónica da alta-relojoaria. Rexhep Rexhepi, secundado pelo irmão Xhevdet Rexhepi, fundou a Akrivia e rapidamente se tornou num nome de culto entre os mais exigentes conhecedores. A sua história e a história da sua marca tornaram-se num caso de estudo no contexto da relojoaria contemporânea. «Quando tive pela primeira vez um turbilhão nas mãos, algo se passou. E quis logo fazer os meus próprio relógios. O mais duro foi aceitar ter a paciência necessária», admite, comparando a relojoaria a uma escola da vida: «Fazemos tudo na relojoaria: o design, a projeção, a construção, o acabamento, a identidade, a comunicação». As peças Akrivia são um reflexo da sua personalidade: manufaturados com paixão, criteriosos mas despretensiosos. «Não quero ter uma grande marca, quero ser um relojoeiro independente. E serei relojoeiro até ao fim».

A originalidade do mostrador do AK-06. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
A originalidade do mostrador do AK-06. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Do conflito à neutralidade

Nascido em 1987, Rexhep Rexhepi acompanhou parte da família na emigração para Genebra na década de 90 – devido à guerra do Kosovo. A passagem de uma zona de conflito para a neutralidade suíça aos 12 anos trouxe o despertar de uma vocação tipicamente helvética: os posters de relógios na chegada ao aeroporto e a ligação da cidade à relojoaria tiveram influência decisiva no rumo profissional escolhido, mesmo que antes já sentisse fascínio pelos relógios do pai e tivesse chegado a abrir um deles para explorar o mecanismo. Aos 14 anos, Rexhep Rexhepi estreou-se na Chopard, entrou para a escola de relojoaria da Patek Philippe e começou a trabalhar como aprendiz aos 15. Desde cedo, teve contacto direto com a secular tradição relojoeira e o que de melhor se fazia na alta-relojoaria clássica. Após três anos como aprendiz e mais dois anos como relojoeiro na consagrada manufatura genebrina, juntou- -se à BNB Concept, de Mathias Bouttet – um atelier de movimentos conceptuais de gama alta que fornecia especialidades mecânicas para algumas das melhores marcas do mercado. A sua precoce experiência e o seu talento natural tornaram-no responsável por uma equipa de mais de dez elementos que se ‘divertiu’ a criar mecanismos durante cerca de três anos ao mesmo tempo que fazia reparações/restauros. A experiência abriu-lhe os olhos para a utilização das premissas clássicas da relojoaria em novas soluções mecânicas de ponta.

AK-02 Tourbillon Heure Minute com centro de mostrador martelado à mão. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
AK-02 Tourbillon Heure Minute com centro de mostrador martelado à mão. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

O mestre e o exemplo

A desmantelamento da BNB Concept lançou Rexhep Rexhepi num mercado de trabalho altamente especializado. Após ter concorrido a um lugar na F.P. Journe, passou o teste e trabalhou ao lado do intransigente François-Paul Journe e da sua equipa durante 18 meses – lidando com os modelos mais complexos e ficando rapidamente conhecido pela ‘mão’ e pelo ‘olho’, caraterísticas essenciais para um relojoeiro de exceção. A influência do mestre marselhês e o modo como criou a F.P. Journe tornaram-se referenciais para o jovem de leste e constituíram o melhor exemplo de como vingar na exigente esfera da alta-relojoaria independente. Ganhando fama pela destreza e afinação, Rexhep Rexhepi sentiu que estava na hora de dar o passo seguinte.

Rexhep Rexhepi (esq.) e o seu irmão Xhevdet Rexhepi (dta.) no atelier da Akrivia em Genève. © Akrivia
Rexhep Rexhepi (esq.) e o seu irmão Xhevdet Rexhepi (dta.) no atelier da Akrivia em Genève. © Akrivia
AkriviA Tourbillon Monopusher Chronograph. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Akrivia Tourbillon Monopusher Chronograph. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

O advento da Akrivia

Aos 25 anos, Rexhep Rexhepi fundou a sua própria companhia a partir do apartamento onde residia. Na escolha do nome, inspirou-se na expressão utilizada pelos gregos para definir ‘precisão’ – nascia a Akrivia, que começou por dar nas vistas num círculo muito fechado e rapidamente ganhou tração através da sua originalidade e do nível de execução. A aura que o jovem mestre tinha entretanto granjeado também contribuiu para o seu sucesso, e a presença regular em eventos como a Baselworld e o SalonQP permitiram-lhe um valioso contacto direto com aficionados, colecionadores e a imprensa. A emergência das redes sociais foi um forte contributo para a sua afirmação. Os dados estavam lançados e a pequena companhia independente ia crescendo; a geometria original das suas caixas e o acabamento dos mostradores deram-lhe uma forte identidade estética, enquanto a aposta inicial em turbilhões foi complementada com outros calibres próprios dotados de um acabamento exímio no tratamento de arestas e ângulos das pontes.

Rexhep Rexhepi, secundado pelo irmão Xhevdet Rexhepi, fundou a Akrivia e rapidamente se tornou num nome de culto entre os mais exigentes conhecedores. A sua história e a história da sua marca tornaram-se num caso de estudo no contexto da relojoaria contemporânea.

O Chronomètre Contemporain vencedor no Grand Prix d'Horlogerie de Genève. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
O Chronomètre Contemporain vencedor no Grand Prix d’Horlogerie de Genève. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A consagração

Em 2018, Rexhep Rexhepi ‘ousou’ colocar o seu nome kosovar no mostrador esmaltado Grand Feu do Chronomètre Contemporain, que viria a ganhar a edição desse ano do Grand Prix d’Horlogerie de Genève na categoria ‘Relógio para Homem’. O calibre manual RR-01, com 100 horas de reserva de corda e zero-reset tem a certificação de cronómetro atribuída pelo Observatório de Besançon; a aposta da colocação do nome próprio – para mais tão ‘difícil’ no contexto habitual da alta-relojoaria – acabou por dar excelente resultado. A melhor prova disso veio em 2019, quando Rexhep Rexhepi foi aclamado como um dos grandes ‘vencedores’ do já famoso leilão de beneficência Only Watch: uma versão única do Chronomètre Contemporain, com mostrador martelado num azul acinzentado esmaltado e caixa elaborada pelo mestre Jean-Pierre Hagmann, atingiu a extraordinária soma de 360.000 francos suíços… um notável resultado em face da estimativa inicial de 40 a 60.000 francos suíços.

Decoração com anglage nos ângulos interiores dos movimentos Akrivia. © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Decoração com anglage nos ângulos interiores dos movimentos Akrivia. © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A família

Rexhep Rexhepi tem a trabalhar consigo o seu irmão mais novo, Xhevdet Rexhepi, tão talentoso como ele e com a reputação de ser um artista exímio no acabamento e na decoração dos movimentos que equipam cada relógio da marca. A equipa da Akrivia é formada por cerca de cinco jovens e brilhantes relojoeiros, um construtor/engenheiro e um micromecânico que trabalham num atelier de duas grandes salas, localizado na parte velha de Genebra e com janelas para a rua. A última aquisição para a equipa contrasta com a juventude vigente mas dá-lhe uma aura lendária: Jean-Pierre Hagmann é um mito no fabrico de caixas de alta-relojoaria, tendo concebido alguns dos mais celebrados modelos da Patek Philippe; a notícia da sua ‘contratação’ reforçou ainda mais a imagem da Akrivia. A produção atual anda entre as 30 e as 40 unidades por ano; assenta em relógios de excecional acabamento, com calibres de arquitetura simétrica e aturada decoração executada à mão, com grande destaque para as Côtes de Genève, o polimento espelhado negro e, sobretudo, a anglage – mesmo nos ângulos interiores, considerados os mais difíceis!

Outras leituras