EdT51 — Universalmente considerada como um dos maiores símbolos do luxo, a Rolex começou por estabelecer os alicerces da sua reputação numa premissa muito mais pragmática e bem menos sofisticada: fazer relógios essenciais e robustos que funcionassem em quaisquer circunstâncias — fosse nas mais longínquas fronteiras do Planeta, no pico mais alto da Terra ou na fossa mais profunda dos mares. Porque o mundo sempre foi o melhor laboratório.
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Originalmente publicado na edição impressa da Espiral do Tempo número 51 .
O lema dos jogos olímpicos exalta a capacidade humana de se transcender — mais longe, mais alto, mais forte. Pode aplicar-se perfeitamente às conquistas geográficas conseguidas pela Rolex no decurso do século XX e que simultaneamente representaram também novas fronteiras para a relojoaria. Citius, Altius, Fortius: a obsessiva demanda do seu fundador foi alcançada através da constante melhoria de uma fórmula aparentemente rígida mas que é perfetível em si mesma.
A premissa foi lançada nos primórdios da relojoaria de pulso, quando a portabilidade e a miniaturização estabeleceram novos desafios de fiabilidade e estanqueidade. Enquanto muitas marcas relojoeiras e muitos cavalheiros da indústria ainda exaltavam a precisão e a elegância dos relógios de bolso, Hans Wilsdorf já via mais à frente e concentrava-se exclusivamente num binómio técnico que catapultou os seus relógios para o pulso de espíritos abertos à novidade: a combinação Oyster/Perpetual, baseada na caixa Oyster (ostra, o molusco que se fecha hermeticamente na sua concha) e no conceito Perpetual (de funcionamento perpétuo se utilizado regularmente no pulso). A caixa Oyster surgiu em 1926, apresentando uma inovadora estrutura em que várias partes vitais surgiam aparafusadas para garantir estanqueidade absoluta; os princípios do calibre automático já haviam sido anteriormente desenvolvidos através de pressupostos diferentes, mas o sistema de rotor Perpetual lançado em 1931 revolucionou mesmo os alicerces da relojoaria.
Paralelamente, a revolução dos transportes e da comunicação esticava os limites do conhecimento humano na primeira metade do século XX… com um senão: passou a saber-se quais esses limites, faltava alcançá-los. Tal como sucedeu com Mercedes Gleitze, a intrépida aventureira em cujo pulso Hans Wilsdorf colocou um Rolex Oyster que se manteve intacto durante a travessia do Canal da Mancha a nado (e que se tornaria na primeira grande embaixadora na história dos patrocínios relojoeiros), a Rolex fez questão de acompanhar essas expedições que capturaram o imaginário da época. Ou então os próprios exploradores faziam questão de se fazer acompanhar de um Rolex para nunca perderem a noção do tempo.
Fiel companheiro
A inquietude é uma caraterística inerente ao espírito humano — não em todos, mas na maior parte dos casos. Os limites foram feitos para ser ultrapassados, como os recordes olímpicos foram feitos para ser batidos. No sentido literal ou figurado, todos têm as suas fasquias para dobrar. Em 1910, a Rolex apresentou o primeiro relógio de pulso a ser certificado pelo Centro de Precisão Oficial de Berna; quatro anos depois, um modelo similar recebeu o selo de Classe A do Observatório de Kew, que até então só havia atribuído certificados a cronómetros de marinha. Com a reputação adquirida por essa precisão e uma forte estratégia de marketing no Reino Unido, a Rolex tornou-se num instrumento de precisão incontornável em muitas das expedições efetuadas a meio do século XX — a maior parte parte delas impulsionadas precisamente por britânicos.
Se a estanqueidade absoluta era um feito extraordinário para a época, também a robustez não era fácil de alcançar pelas marcas relojoeiras mais comuns. Nem todas as ligas de aço eram imunes à corrosão. Os mecanismos relojoeiros eram extremamente frágeis e vulneráveis aos choques, às variações de temperatura, aos campos magnéticos. Menos preocupada com o trabalho decorativo ou a ostentação preciosa do que outras manufaturas, a Rolex encarou a fiabilidade absoluta como o verdadeiro luxo; para os exploradores que partiam para as zonas mais inóspitas, essa fiabilidade também constituía o verdadeiro luxo. E foi assim que a marca da coroa expandiu o seu império — geograficamente e no imaginário do público.
No início da década de 1950, assente nessa reputação, a Rolex desenvolveu modelos ditos profissionais que depois passaram a integrar uma linha com essa designação — esticando mais além a sua fórmula de fiabilidade. Findas as preocupações da Segunda Guerra Mundial, o homem usou a tecnologia entretanto desenvolvida no campo militar para chegar mais alto e mais fundo. Com um fiel companheiro no pulso, porque tempo não é dinheiro onde ele não vale nada — é vida.
Espírito de conquista
Os míticos Himalaias foram paulatinamente conquistados, primeiro com o Annapurna em 1950, depois com o Evereste em maio de 1953, graças à expedição de Sir Edmund Hillary e do xerpa Tenzing Norgay. Existe um debate sobre quem usou o relógio, se foi Hillary ou Norgay — o que se sabe de certeza é que essa série de relógios Rolex tinha mostrador claro, sendo criado mais tarde nesse ano uma versão pré-Explorer com mostrador preto e indicadores luminescentes; o modelo foi batizado posteriormente Explorer e sofreu ligeiras alterações de 1957 até à versão de 1989 (referência 14270), substituída finalmente em 2010 pelo atual modelo vigente de 39 mm.
O advento do Explorer II em 1971 abriu novos horizontes à exploração e tornou-se na nova referência para aventureiros profissionais graças à introdução da janela para a data e sobretudo à inclusão de um ponteiro suplementar. Foi imediatamente testado no pulso do vulcanólogo Haroun Tazieff e logo se tornou equipamento essencial em numerosas expedições (sobretudo polares e de espeleologia) graças à graduação de 24 horas que permite distinguir o dia da noite. A mais recente atualização data de 2011, com duas versões de mostrador.
Hans Wilsdorf afirmava insistentemente que o mundo era o seu laboratório e a marca genebrina sempre manteve laços estreitos com exploradores e cientistas para colocar à prova e desenvolver os seus relógios; nesse mesmo ano de 1953 em que o Evereste foi conquistado, a Rolex prendeu o experimental Deep Sea Special ao casco do batiscafo Trieste, inventado pelo suíço Auguste Piccard; uma nova versão do protótipo Deep Sea Special acompanhou o Trieste na descida à Fossa das Marianas para o estabelecimento de um novo recorde de profundidade (10.916 metros) em 1960, aguentando a brutal pressão de 1 tonelada por metro quadrado.
O feedback proporcionado por mergulhadores ajudou à evolução do Submariner, que à partida para a década de 60 já tinha os ponteiros das horas e dos minutos bem diferenciados, uma graduação específica para os 15 primeiros minutos na luneta, coroa canelada de maiores dimensões e protetores laterais da coroa inseridos na arquitetura de uma caixa que cresceu dos 36 mm de diâmetro do original de 1953 para os 40 mm da versão de 1959. Estavam definidos os princípios e os códigos estéticos que fariam do Submariner o relógio mais reconhecível do Planeta — com variações que redundaram no Sea-Dweller com válvula de hélio a partir de 1967 e no sobredimensionado Deepsea com sistema Ringlock a partir de 2008. Do sistema de rosca Twinlock, passou-se ao Triplock; o desenvolvimento da matéria luminescente redundou no Chromalight atualmente utilizado. Os testes de estanqueidade desenvolvidos num tanque hiperbárico em associação com a lendária companhia Comex revelaram-se determinantes ao longo das últimas décadas e os recordes continuaram: a expedição Deepsea Challenge levou o realizador cinematográfico e explorador James Cameron, em parceria com a National Geographic Society, aos 10.908 metros de profundidade na Fossa das Marianas, em 2012 — com um protótipo Rolex Deepsea Challenge no braço robótico do submersível e um Deep Sea Special de 1960 no cockpit.
O Yacht-Master e o Yacht-Master II (com o seu sistema de contagem decrescente para a partida de regatas) trazem essa vocação náutica para a superfície como complemento da coleção.
As outras fronteiras
Para além dos cumes terrestres e das profundezas aquáticas, a Rolex também se aventurou no ar: o GMT-Master foi criado em 1954 para corresponder às novas exigências da aviação civil, com a travessia de vários fusos horários pelos primeiros voos transatlânticos frequentes. O modelo original desenvolvido em parceria com a Pan-Am tornou-se imediatamente identificável pela famosa luneta vermelha e azul; no ressuscitar desse emblemático modelo, a Rolex optou por uma combinação distinta para a sua primeira luneta bicolor em Cerachrom (cerâmica antirrisco e à prova de raios ultravioleta) ao juntar o preto e o azul num modelo em aço que recebeu o cognome ‘Batman’ em 2013; no ano passado reeditou finalmente o ‘Pepsi’ — embora apenas em ouro branco.
E depois há as fronteiras invisíveis. O Milgauss foi concebido em 1956 sob o signo do progresso tecnológico e dedicado aos profissionais que trabalhavam em ambientes submetidos a fortes campos magnéticos (até 1000 gauss, daí o nome), apresentando uma proteção magnética original que permitia ao movimento manter a precisão absoluta nessas circunstâncias. O mecanismo é resguardado dos campos magnéticos por um ecrã especial, construído em ligas ferromagnéticas e composto por duas partes aparafusadas ao interior da caixa Oyster. O modelo foi atualizado em 2007 e apresenta três versões dotadas de uma espiral patenteada Parachrom feita numa matéria paramagnética, tal como o balanço.
Também no capítulo da velocidade, a Rolex procurou estar associada a novos limites. Foi na extensa praia de areias duras em Daytona que Sir Malcolm Campbell alcançou, de 1930 a 1935 e com um Rolex Oyster no pulso, múltiplos recordes de velocidade a bordo de várias versões do seu Bluebird equipadas com motores de avião; entretanto, as corridas no areal fizeram com que Daytona se transformasse não só no centro nevrálgico do desporto motorizado americano mas também se tornasse lendária em todo o mundo — passando essas corridas posteriormente para um circuito inaugurado em 1959 sob o nome Daytona International Speedway. Logo depois, a Rolex associava-se às 24 Horas de Daytona para dar origem, em 1963, ao mais famoso de todos os cronógrafos: o Cosmograph Daytona. E continua esse compromisso com a velocidade: embarcou no projeto Bloodhound SSC em 2011 com a conceção de dois instrumentos analógicos vitais (velocímetro e cronógrafo) para o cockpit do carro supersónico Bloodhound, que pretende estabelecer um novo recorde em solo terrestre no próximo ano — almejando as 1000 milhas por hora (1609,34 km horários).
O espírito Rolex
A linha Professional personifica a vertente da marca da coroa que tantas vezes é esquecida devido ao status quo entretanto adquirido e os modelos em ouro tão ambicionados por certa clientela. São relógios práticos, praticamente imperecíveis, concebidos para funcionar para sempre no pulso, em aço da melhor qualidade cirúrgica (atualmente o 904L), com margens de construção na ordem do mícron… e que tanta fama granjearam à Rolex por estarem associados às maiores descobertas, às explorações, ao desporto, a campeões.
O famoso ‘Espírito Rolex’ é um conceito intangível mas sempre omnipresente e que representa na perfeição a filosofia da marca genebrina, tanto nos relógios de culto que produz como na sua interação com o mundo. O seu domínio não advém dos seus famosos embaixadores pioneiros e campeões; advém sobretudo de um controlo absoluto do tempo (é de longe a marca com mais certificações de precisão atribuídas pelo Controlo Oficial Suíço dos Cronómetros) e dos meios (a verticalização da sua produção é total, sendo a entidade relojoeira com o maior número de empregados e volume de faturação). Este ano, sem grande alarde, apresentou o novo Calibre 3255 — certificado pela COSC e pela própria Rolex, dotado de uma reserva de corda de 70 horas e do novo escape patenteado Chronergy em fósforo de níquel, um material que não é sensível à interferência de campos magnéticos tão perniciosa para a precisão, para além da espiral Parachrom paramagnética, sistema antichoque Paraflex, ajuste fino Microstella e todas as outras valências técnicas da Rolex.
Até nas braceletes a Rolex não deixa nada ao acaso, aperfeiçoando o seu modelo até à exaustão e depois repetindo a dose, atingindo tolerâncias na ordem do mícron e desenvolvendo o sistema de fecho Oysterlock. Este ano, apresentou a Oysterflex, uma bracelete patenteada devido ao facto de integrar no seu interior uma lâmina de metal superelástico (em titânio e níquel) revestido por borracha vulcanizada da última geração que inclui uma membrana interior que permite uma ‘colagem’ ideal ao pulso para um conforto superior. Até essa membrana amortecedora simboliza perfeitamente a posição da Rolex: a busca constante de afinações que tornam ainda mais perfeito um produto que já é intrinsecamente sólido — ou seja, esticar as fronteiras da perfeição.
Porquê? A resposta pode ser encontrada nas palavras de Sir Edmund Hillary, um nome tão ligado à Rolex. Reza a lenda que, quando lhe perguntaram por que razão tinha escalado o Evereste, ele forneceu uma resposta simples que resume não só a maneira de pensar de qualquer explorador mas também a da Rolex: «Porque está lá».
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