Ora bolas!

  Wimbledon concluiu-se recentemente com a consagração de dois campeões patrocinados pelo cronometrista oficial do torneio. Poucas semanas antes, Roland Garros tinha assistido a uma final entre dois jogadores de relógio no pulso. O circuito de ténis profissional tornou-se num cenário mais ou menos perfeito para muitas marcas relojoeiras ganharem notoriedade e há episódios rocambolescos que merecem ser contados…

 

É raro verem-se tenistas jogar de relógio no pulso, mas há exceções e também há casos em que as exceções se encontram nas grandes cimeiras da modalidade. Na recente final masculina de Roland Garros, Rafael Nadal fez-se acompanhar do recém apresentado Richard Mille RM27-03 para derrotar Stan Wawrinka, que usou um Audemars Piguet Royal Oak Offshore Chronograph Ceramic. O espanhol não só chegou ao décimo troféu na terra batida parisiense como também elevou o seu total de títulos do Grand Slam até aos 15.

Richard Mille
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Rafa Nadal com o seu Richard Mille Rafa Nadal RM27-03. © Richard Mille

Tanto Nadal como Wawrinka são excelentes representantes das suas marcas relojoeiras patrocinadoras: a visibilidade é redobrada porque jogam sempre de relógio e o exemplar de Rafa é mesmo um extraordinário cocktail de tecnologia de ponta com as cores do estandarte espanhol e um turbilhão capaz de aguentar choques na ordem dos 10.000 Gs, valendo cerca de 750.000 euros; já Stan varia de modelo Royal Oak para melhor combinar de cor com as suas indumentárias. Também o japonês Kei Nishikori, um top 10 crónico dos últimos anos, enverga sempre no pulso um TAG Heuer Professional Watch e a campeoníssima Serena Williams, atualmente afastada da competição devido à sua gravidez, nunca dispensava o seu Audemars Piguet Royal Oak ou Millenary – embora a manufatura de Le Brassus tenha sido forçada a adaptar modelos para ela porque a coroa feria-lhe a mão na preparação da sua pancada de esquerda.

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Serena Williams, com o seu Audemars Piguet Royal Oak Offshore, no torneio de Wimbledon 2015. Foto: GLYN KIRK/AFP/Getty Images)

Sendo o ténis a minha outra área da especialização, fico todo contente quando as duas temáticas se cruzam; ou porque os jogadores usam relógio quando jogam ou porque se apressam a coloca-lo antes de serem entrevistados no fim dos encontros, muitas vezes abordo as marcas e os respetivos modelos durante os meus comentários para o Eurosport. E, sabendo-se no meio tenístico da minha ligação à relojoaria, sou por vezes procurado para dar conselhos sobre eventuais patrocínios ou mesmo estabelecer pontes entre tenistas e marcas. Ironicamente, ainda não dei uma para a caixa – mas há histórias e estórias que vale a pena contar.

Novak Djokovic com o seu Seiko em Wimbledon 2015. © Seiko Watch Corporation
Novak Djokovic com o seu Seiko em Wimbledon 2015. © Seiko Watch Corporation

Como a de Novak Djokovic, cuja entourage me pediu para interceder junto à Audemars Piguet em 2010. Falei-lhes no potencial do rapaz e que seria o número um mundial que sucederia a Roger Federer e a Rafael Nadal, mas não se mostraram interessados porque desejavam concentrar-se sobretudo no golfe e na Formula 1; perante o meu reparo que a manufatura de Le Brassus também tinha como embaixador o futebolista Lionel Messi, responderam “c’est la vie”. Meses depois, o sérvio encontrou um executivo da marca por acaso num avião e assinam uma parceria: lá se foi o Royal Oak que eu queria cravar como ‘comissão’… “c’est la vie, indeed!”. Dois anos mais tarde, a Seiko fez uma oferta que a Audemars Piguet não conseguiu acompanhar e o sérvio passou ‘vestir’ a marca nipónica – mas a mulher continua a usar Audemars Piguet. Noblesse oblige.

Digno de t-shirt

O caso de Andy Murray é o mais interessante. Assinou com a Rado em 2012 e poucas semanas depois tornou-se no primeiro britânico a jogar a final de Wimbledon desde 1939. Perdeu um encontro duro com Roger Federer e, no momento da cerimónia da entrega de prémios, emocionou-se. O seu discurso foi longo e, como tem o hábito de tocar na cara durante as entrevistas, durante muitos minutos se viu o escocês de pulso nu – enquanto a namorada também limpava as lágrimas, mas com um Rolex no pulso. O momento foi tão marcante que, no dia seguinte, se viam fotografias de ambos nas primeiras páginas de muitos jornais. Sem qualquer Rado à vista. Tirei fotografias das capas dos jornais e incluí-as num artigo que fiz na altura sobre os relógios dos protagonistas dessa edição de Wimbledon.

Dois meses mais tarde, Andy Murray ganhava o Open dos Estados Unidos após uma longa maratona de cinco sets e mais de quatro horas, mas nem celebrou condignamente o facto de esse seu primeiro título do Grand Slam ser também o primeiro para o ténis britânico desde Fred Perry, em 1936. Algo parecia perturbá-lo… atravessou o court dirigindo-se ao camarote onde estava a sua entourage e todos pensavam que iria comemorar com eles antes da cerimónia do troféu; eu estava a comentar para o Eurosport e disse na altura: “ele está à procura do relógio do patrocinador!”. Disseram-lhe que estava no saco das raquetas e lá pôde levantar o troféu com o seu Rado no pulso. A marca deveria ter feito uma t-shirt com a histórica tirada “Where’s my watch?”.

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Fiona Krüger e Judy Murray com modelos Skull de Fiona Krüger.
Petit Skull "Cromlix" - peça única para Judy Murray. © Fiona Kruger
Petit Skull “Cromlix” – peça única para Judy Murray. © Fiona Krüger

Claro que escrevi sobre o tema e o certo é que, no ano seguinte em Wimbledon, a mãe de Andy Murray me disse – a brincar, presumo! – “Miguel, sempre que vejo um relógio lembro-me de ti!”. Mas eu também me lembrei dela quando certa vez jantei com a relojoeira independente escocesa Fiona Kruger e lhe disse que Judy Murray seria a embaixadora ideal para os seus relógios: por ser escocesa, por ser uma celebridade no Reino Unido por ser mãe dos irmãos Murray e por ser também uma conhecida treinadora e espirituosa comentadora, para além de ter uma personalidade brilhante e de se tornar ainda mais conhecida através do programa televisivo Strictly Come Dancing. Deram-se muito bem e há mesmo um relógio Fiona Kruger dedicado a Judy Murray.

Entretanto, o contrato de Andy acabou e já ninguém se lembra da marca que ele usava – mas o episódio da procura do relógio no Open dos Estados Unidos surge destacado em todas as suas biografias.

Roger Rolex

O momento de levantar o troféu é muito importante. E Roger Federer, considerado um embaixador exemplar para todas as suas empresas patrocinadoras, falhou rotundamente a ocasião quando ganhou Wimbledon em 2004: esqueceu-se de colocar o seu Maurice Lacroix e a marca perdeu a chamada ocasião do poster… não ficaram nada contentes com o sucedido, mas não foi por isso que o contrato de cinco anos foi terminado após somente dois: a Rolex pagou a compensação dos restantes. Hoje em dia, o campeoníssimo suíço é a personificação de todos os ideais da marca da coroa – que está omnipresente no ténis, tendo sob a sua batuta um bom punhado de jogadores e sendo official timekeeper da grande maioria dos maiores eventos após iniciar uma histórica associação a Wimbledon em 1978.

E a edição deste ano do mais prestigiado de todos os torneios não poderia ter corrido melhor para a Rolex: a recém-contratada Garbiñe Muguruza ganhou o título feminino às custas da veterana Venus Williams e confirmou o título do Grand Slam alcançado há um ano em Roland Garros; e Roger Federer, principal figura do alargado e prestigiado lote de embaixadores da companhia genebrina, não só chegou ao oitavo troféu de Wimbledon como somou o seu 19º título do Grand Slam – o suíço continua a desafiar o tempo e a acumular recordes, deixando para trás o estatuto de melhor tenista de todos os tempos para se afirmar cada vez mais como o maior desportista de sempre. A mulher do campeoníssimo fez jus ao patrocínio: surgiu no camarote com um Day-Date em platina com mostrador pavé de diamantes e luneta em esmeralda…

No decurso do torneio foi também apresentado um novo e inesperado modelo de uma nova marca com ligações intrínsecas à modalidade: a Avantist associou-se a Martina Navratilova para se estrear com o Legends Series Martina Navratilova 1987, um exemplar tonneau com um tubo à volta do corpo central do mostrador contendo uma secção da encordoação da raquete que a campeoníssima de origem checa usou para ganhar na Catedral do Ténis em 1987.

E mais…

No circuito feminino da atualidade há mais inesperadas associações, como a de Petra Kvitova à Ritmo Mondo ou de Elina Svitolina à Ulysse Nardin, marca tradicionalmente ligada ao universo marítimo; a jovem ucraniana passa a usar o Lady Marine Chronometer em regatas – perdão, courts – por esse mundo fora. Maria Sharapova tinha um ritual de vitória especial que envolvia o seu relógio: tinha por hábito subir até ao camarote da sua equipa técnica para comemorar com eles um grande título e receber do seu fisioterapeuta o TAG Heuer que iria usar seguidamente na entrega de prémios.

UlysseNardin
Elina Svitolina é embaixadora da Ulysse Nardin.

Para concluir, a história de Tomas Berdych; o checo, crónico jogador do top 10 na presente década e que há dias atingiu de novo as meias-finais de Wimbledon (até foi o adversário que mais luta deu a Roger Federer na quinzena), tornou-se num estudioso da relojoaria e passou a ser encarado pelos seus pares como o maior sabichão da matéria no circuito masculino. Mas, apesar da sua excelente figura, nunca teve o sponsor que merecia… até ser patrocinado por Felio Siby – um designer de roupa africano baseado em Miami cujos relógios mecânicos parecem modelos Cintrée Curvex da Franck Muller pisados por um elefante… e ainda por cima custam uma fortuna. Sinceramente, fiquei com pena do Tomas, que não há muito tempo me havia confessado que o seu relógio preferido era o Duomètre à Quantième Lunaire da Jaeger-LeCoultre!

* Crónica publicada na edição 59 da Espiral do Tempo mas com a devida adaptação na sequência da realização da 131ª edição do torneio de Wimbledon

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