Baselworld cumpre este ano o seu centésimo aniversário – e o número de modelos de diferentes marcas apresentados ao longo de um século deve atingir seguramente as várias centenas de milhar. Alguns deles são repescados de um passado mais ou menos glorioso para se tornarem num grande sucesso e a moda do neo-vintage está mesmo para ficar. A Oris é das companhias relojoeiras que melhor tem surfado nessa onda.
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Acabei de chegar ao gabinete de imprensa de Baselworld, vindo de uma apresentação na Maison Oris liderada pelo patrão da marca – o mesmo Ulrich Herzog que, na década de 80, se juntou aos seus colegas de trabalho para comprar a companhia relojoeira sedeada em Hölstein e insistir no fabrico de relógios mecânicos numa altura em que o quartzo era uma realidade incontornável.
Nessa apresentação fiz um ‘live’ para a página do Facebook da Espiral do Tempo e tive não só a oportunidade de registar as recordações de Ulrich Herzog relativamente ao relógio de mergulho original de 1965 como também um debate que encetei com os designers da marca. Depois de eles terem apresentado os modelos do passado que serviram de inspiração às diversas declinações já existentes de um modelo que, logo aquando da sua estreia em 2015, rapidamente se tornou num dos favoritos da imprensa especializada, perguntei-lhes porque achavam que o regresso ao passado estava tanto na moda. Aqui fica o vídeo da iniciativa denominada #YourOrisDivers65, com várias imagens relacionadas com o já famoso Divers Sixty-Five.
De facto, o mito do eterno retorno parece funcionar bem na relojoaria e os clássicos são mesmo eternos – há cada vez mais marcas a mergulhar no seu passado e a rebuscar arquivos para recuperar antigos modelos e apresentá-los com a sofisticação contemporânea. As reedições new-vintage ou neo-retro são sempre valores seguros, mas trazem consigo uma bagagem histórica que precisa de ser compreendida e aí nós, os jornalistas especializados, temos um papel determinante. Como sucede na explicação dos códigos estéticos de uma das mais marcantes novidades apresentadas pela Oris em Baselworld: o Oris Chronoris Date. Porque as gerações mais novas, e mesmo algumas menos novas, precisam de ‘perceber’ o porquê da opção por um tal formato de caixa e a conjugação cromática escolhida.
Uma coisa são as reedições. Outra coisa são os originais. Têm-se batido recordes de preços em leilões de relógios vintage e chega a ser absurdo ver relógios com mostradores defeituosos que mudam de cor (passando de preto a castanho, ou ganhando patina) estabelecerem valores ridículos. E convém não esquecer que esses modelos originais requerem uma manutenção onerosa e muitas vezes não estão preparados para a azáfama do dia-a-dia! As chamadas reedições ou reinterpretações geralmente conseguem exalar a mesma auréola de culto dos seus antecessores e o fabrico segundo padrões de exigência mais contemporâneos já permite a sua utilização até em situações radicais. Claro que se pode acusar as marcas de falta de imaginação ou criatividade por preguiçosamente rebuscarem arquivos para acabarem por reinventar o que já estava feito, mas esse é um tipo de crítica que não deveria ser feito.
A linha Divers Sixty-Five começou com um modelo que foi uma junção de dois relógios históricos, aproveitando os algarismos no mostrador preto de uma variante mais ‘civil’ e a estrutura de uma versão de mergulho com a luneta preta em destaque. O primeiro Divers Sixty-Five de 2015 apresentava-se com mostrador preto dotado de algarismos 12-3-6-9 sob um vidro convexo e numa caixa de 40 milímetros encimada por uma luneta rotativa preta. Meses depois surgiu uma variante com mostrador azul claro dito ‘Deauville’.
Após essa retumbante entrada em 2015, o ano passado foi igualmente forte para a nova linha da Oris: foi estreado o novo tamanho 42 milímetros sem algarismos no mostrador, a par da edição limitada em bronze destinada a homenagear o mergulhador norte-americano Carl Brashear. Todos os modelos foram passados em revista no evento organizado na Maison Oris.
É de enaltecer que uma marca se mostre orgulhosa do seu passado ou que tenha no seu historial modelos tão intemporais que ainda possam ser apelativos, sem esquecer que as reedições são menos fáceis de concretizar do que se pode imaginar: a responsabilidade histórica é maior, a atualização técnico-estética implica várias nuances e é preciso saber comunicar o revivalismo do produto para mexer com o subconsciente do consumidor. E esse é um factor que ajuda a compreender a razão porque os produtos new vintage são habitualmente preferidos por um tipo de clientela mais sofisticada.
O Divers Sixty-Five tornou-se instantaneamente um produto emblemático da Oris a partir do seu lançamento em Baselworld, há dois anos. Hoje em dia, somando os vários modelos de 40mm e 42mm mais as diversas cores de mostrador e as diferentes alternativas de bracelete ou correia (aço, cauchu em padrão ‘tropic’, aço ou tipo NATO) , há 26 versões disponíveis.
De todas essas 26 conjugações possíveis (sem contar com a versão Carl Brashear em bronze, por ser edição limitada já esgotada), há uma em particular que me tem chamado a atenção: depois de inicialmente as minhas preferências recaírem sobre o modelo de 42mm com mostrador azul e correia de pele ‘envelhecida’, gosto cada vez mais do equivalente em verde que até esteve em destaque numa produção fotográfica publicada no último número da nossa revista Espiral do Tempo. Aqui esta o Divers Sixty-Five verde fotografado em Baselworld.
Após a mais recente versão Divers Sixty-Five 42mm com mostrador prateado ter sido apresentada há alguns meses, em Baselworld houve três outros modelos neo-retro que me chamaram a atenção: mais uma versão Chronoris (o cronógrafo que a Oris lançou em 1970, reeditado duas vezes antes no início do presente milénio em versões laranja e verde), desta vez associada ao 40º aniversário da escuderia Williams de Formula 1 que é parceira da marca e por isso apresentando toques azuis no mostrador; o já mencionado Chronoris Date, um relógio de três ponteiros com data que para mim é um dos melhores lançamentos de Baselworld (senão mesmo o melhor para a sua fasquia de preço, à volta dos 1500 euros); e o Big Crown 1917, que vai ainda mais atrás no tempo para recuperar detalhes do período de transição dos relógios de bolso para o pulso.
Tanto o Chronoris Williams como o Chronoris Date apresentam uma caixa de forma típica dos 70 (o Sixty Five é redondo, claramente inspirado nos anos 60 que lhe dão nome) e o Chronoris Date inclui no mostrador elementos de estilo vincadamente caraterísticos da década – a começar pelo uso da cor laranja e a acabar nos indexes aplicados. O cronógrafo automático Chronoris Williams 40th Anniversary surge numa edição limitada de 1000 exemplares que remete diretamente para a escuderia fundada por Frank Williams há quatro décadas.
O Chronoris Date consegue ser ainda mais retro do que o Divers Sixty-Five e é um fabuloso exercício de estilo, também disponível com várias alternativas de correia/bracelete: prefiro a correia de pele envelhecida, mas a própria bracelete de metal é reminiscente da época.
O Chronoris Date foi inspirado nas formas funky do Chronoris e, apesar do nome, não é um cronógrafo; mas, graças à escala rotativa interior operada através da coroa às 2 horas, também pode servir para medir tempos. Aqui está ele, no pulso; os seus 40mm de diâmetro parecem ser de tamanho inferior devido à construção da caixa, que tem asas muito curtas.
Já o Big Crown 1917 Limited Edition se apresenta como um caso ainda mais especial, como teve a oportunidade de nos explicar o próprio Ulrich Herzog com recurso a catálogos históricos da marca que mostram vários modelos Oris de bolso cujo mostrador inspirou o novo modelo. Que, claro está, se trata de um modelo em edição limitada a… 1917 exemplares.
O primeiro modelo Big Crown propriamente dito da Oris remonta a 1938, assente numa distintiva coroa de grandes dimensões que pudesse permitir aos pilotos acertarem os respetivos relógios mesmo utilizado luvas. Daí a designação Big Crown, que é igualmente utilizada na nomenclatura do novo Big Crown 1917 por ser também um relógio de aviador – mas, no seu caso, com uma estética mais presente no início do século XX. E um botão que, puxado, liberta a coroa para poder ser devidamente acertado.
Reedições como o Chronoris Williams 40th Anniversary e reinterpretações como o Chronoris Date ou o Big Crown 1917 seduzem a crítica e capturam o imaginário dos aficionados mais exigentes. Como a linha Divers Sixty-Five o tem feito nos dois últimos anos. Porque os produtos new vintage ou neo-retro têm essa transcendência: a de serem mais facilmente considerados objetos de culto. Por outro lado, a opção pelo new vintage/neo-retro dos relógios clássicos modernos é igualmente uma poderosa forma – voluntária e involuntária – de expressão própria e comunicação: o uso de peças históricas permite ao utilizador transmitir algo mais sobre si.
Para mais, a atual voragem consumista implica contínuas mudanças na moda em vigor e qualquer produto de prestígio que transporte consigo alguma história torna-se rapidamente num valor seguro – devido à sua intemporalidade inerente, mesmo numa era vertiginosa de ‘clássicos’ digitais quase instantâneos cuja fama não dura mais do que… os 15 minutos de Andy Warhol.
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