Os indicadores de marés não são complicações comuns, surgem normalmente em algumas grandes complicações e em alguns relógios desportivos. Nem sempre são fáceis de compreender, especialmente porque as marés são um fenómeno complexo, recheado de variáveis difíceis de prever. A aquisição do conhecimento acerca do funcionamento das marés foi uma caminhada impressionante e ter o resultado desta caminhada no pulso é um grande feito.
Versão reduzida do artigo “Relógios e Marés” originalmente publicado no número 75 da Espiral do Tempo (verão 2021) e aqui complementada com novas fotografias.
Actualmente, temos conhecimento e ferramentas suficientes para fazermos previsões bastante certeiras acerca do funcionamento da maioria dos fenómenos naturais. Ainda assim, surpreendemo-nos sempre que nos deparamos com uma lua cheia, sempre que surgem as primeiras chuvas, ou sempre que surgem os primeiros dias quentes. Existe mesmo uma indignação perante estas alterações. Como é que a natureza tem o desplante de nos surpreender neste planeta que é absolutamente nosso? Ao longo de vários séculos, acumulámos bastante conhecimento sobre os fenómenos naturais.
Os grandes pensadores enfrentaram enormes desafios para compreender o funcionamento do planeta; criaram teorias, aparelhos mecânicos incríveis, fizeram experiências extraordinariamente elaboradas. Foi a sua longa caminhada que, de certa forma, transformou um planeta desconhecido num planeta do qual nos sentimos proprietários. Ainda assim, com todo este conhecimento secular completamente disponível, chegamos à praia, de toalha ao ombro, guarda-sol às costas e exclamamos: «Maré cheia? Mas como é que estas coisas acontecem?!».
O derradeiro esclarecimento
Uma maré é a diferença entre a subida e descida do nível do mar. Esta subida e esta descida são causadas pela atracção que é exercida sobre a água, principalmente pela Lua, mas também pelo Sol e pela própria Terra. Porém, existem outros factores, como a topografia do fundo do mar, o atrito e as condições climáticas que também exercem influência sobre as marés. O movimento de atracção da água exercido pelo Sol e pela Lua é uma dança fascinante. Na zona exposta à Lua, a massa de água é puxada para cima e isso cria uma maré cheia. No lado oposto do planeta, surge também uma subida da massa de água. O que acontece é que a própria Terra é também atraída para a Lua deixando uma massa de água para trás.
A massa de água do planeta ganha então uma forma oval, o que significa que, nas zonas superiores e inferiores desta forma oval, ocorrem marés cheias e, nas zonas laterais, marés vazias. Devido ao movimento de rotação terrestre, ao longo de 24h ocorrem, então duas marés cheias e duas marés vazias. Se fosse apenas assim, seria demasiado simples mas existem muitos outros bailarinos nesta dança, entre eles o Sol. Sempre que o Sol está alinhado com a Lua, a atracção exercida sobre a água aumenta. É assim surgem as marés vivas. Quando não está alinhado com a Lua e se posiciona a 90º, este efeito é atenuado, e as marés cheias são menos cheias. É assim que surgem as marés mortas.
Nos relógios
Uma das formas mais correctas de conhecer as marés é através da consulta de tabelas de marés que, em Portugal, podem ser descarregadas no site do Instituto Hidrográfico. Uma alternativa mais elegante é a utilização de relógios com indicação de marés; existem vários deste tipo. Inicialmente, surgiram relógios de parede que assinalavam os horários das duas marés cheias e marés vazias diárias, de acordo com as tabelas de marés do local. E, ao longo da história, foram criados vários relógios com capacidade para indicar as marés, como o da torre Zimmer, em Lier, na Bélgica, o da Abadia de Fécamp, em França, os de Arnemuiden e Maassluis, na Holanda; ou os de King’s Lynn, King’s Lynn Minster e o Alunatime no Trinity Buoy Whar, no Reino Unido.
No entanto, os relógios mecânicos de pulso também podem, atualmente, apresentar os horários das marés diárias ou as datas mensais das águas vivas e das águas mortas, tudo sempre em associação às fases da lua ou a horários de referência para uma determinada zona. Também é possível recorrer a relógios de pulso digitais que apresentam um conjunto enorme de variáveis, como a duração das marés, o nível da água, as direcções das marés, entre outras. Alguns têm centenas de locais pré-definidos e outros permitem, ainda, acrescentar locais novos. Existem muitos e muitas configurações possíveis.
A indicação das marés no pulso
É muito confortável ter séculos de conhecimento acumulado, máquinas de prever marés, tabelas de marés, satélites e computadores, num simples relógio de pulso. Na hora de escolher o relógio digital ideal há vários critérios a ter em conta. Ainda assim, os dados que podem ser mostrados são limitados, por esta razão é necessário fazer uma escolha tendo em conta o local. Como não existem gráficos de marés para todos os locais do mundo, a maioria dos modelos permite inserir locais personalizados. Normalmente são incluídos vários locais pré-configurados. Estas configurações são bastante complicadas e pouco práticas. Ainda assim, após um generoso período de habituação, estes relógios digitais podem ser instrumentos úteis. Em algumas versões é possível ver as horas das marés cheias e vazias. A Rip Curl, a Casio, a Bulova, a Nixon, entre outras, apresentam bastantes modelos novos anualmente, o que não facilita a escolha.
Os relógios de pulso mecânicos com indicação de marés são uma alternativa mais simples e elegante. Raramente indicam os horários diários das marés cheias e vazias. Indicam mais frequentemente a amplitude do nível do mar ao longo de um ciclo lunar. A partir desta informação podem obter-se os valores das marés vivas e das marés mortas.
O Aquis Date Dat Watt Limited Edition apresenta um esquema bastante complicado no mostrador que permite conhecer a data das marés vivas, das marés mortas e o nível da água, ao longo do ciclo lunar que é indicado através de um quarto ponteiro. ‘Dat Watt’ é um termo de um dialecto local, usado para designar o Mar de Wadden ou Mar Frísio. Este mar, com 450 km de comprimento e entre 5 a 30 km de largura, tem um nível de água tão baixo que em algumas alturas do ciclo lunar é possível atravessá-lo a pé. Nesta zona, a indicação do nível da água pelo Oris Dat Watt é muito útil.
Já a forma como a Vacheron Constantin apresenta a indicação de marés no seu Les Cabinotiers Celestia Astronomical Grand Complication 3600 é absolutamente impressionante. Basta ter algum conhecimento sobre o funcionamento das marés astronómicas para saber exatamente como as datas de alteração da amplitude do nível da água variam ao longo do ano. Além do indicador de marés, existem muitas outras funções neste relógio de grande complicação lançado em 2017.
Por outro lado, o Sinn 142 St II GZ dá a indicação das marés diárias, ou seja, indica a hora em que ocorrem as marés cheias e as marés vazias. Para um funcionamento correcto, necessita de um ajuste também diário, que pode ser feito através da consulta dos valores oficiais das marés para o local onde se encontra.
Por fim, destaque para a forma peculiar pela qual a IWC abordou a indicação de marés: às 12 horas surge um indicador de marés vivas e de marés mortas, máximas e mínimas, e, às 6 horas, um indicador das durações da maré cheia e da maré vazia. Este conjunto de informações torna o IWC Portugieser Yacht Club Moon & Tide um dos mais completos relógios de marés.
O desplante do planeta em fazer o que lhe apetece sem nos dar explicações pode ser difícil de tolerar no início de um dia de praia. Mas são precisamente esses os melhores dias para nos lembrarmos de que, apesar de termos acumulado um enorme conhecimento sobre o nosso planeta, ele é ainda fascinantemente misterioso, porque, na verdade, não é realmente nosso; nós é que lhe pertencemos.
Agradeço ao Oficial de Marinha, Capitão de Mar e Guerra Jorge Pedro Simões Amaral de Almeida pelos esclarecimentos prestados.