Repetição de minutos: a expressão audível de uma manufatura

É a complicação mais exigente e representativa da manufatura, e uma na qual o ouvido humano é o instrumento final usado na determinação da sua qualidade. A repetição de minutos ocupa inequivocamente um lugar de destaque no universo da Patek Philippe.

Artigo originalmente publicado na edição 53 da Espiral do Tempo.

Para qualquer estudioso da história da alta-relojoaria, e que se interesse especialmente pela complicação conhecida como repetição de minutos, a Patek Philippe é um nome que teima em surgir obstinadamente acima de todos os outros. Não por uma ou outra realização em específico, por mais excecional que seja, mas pela importância global das suas criações neste campo, que, desde a sua fundação, lhe granjearam um sólido domínio no âmbito desta complicação acústica.

O primeiro exemplar, um repetição de quartos, foi vendido apenas cinco meses após Antoine Norbert de Patek e François Czapek terem aberto a sua primeira loja em 1839. Os registos indicam que era apenas o 19.º relógio a deixar a empresa. Três anos depois, o primeiro exemplar de bolso com repetição de quartos e segundos independentes via a luz do dia, seguindo-se em 1845 um repetição de meios quartos e finalmente o primeiro repetição de minutos. Quando a empresa finalmente mudou o nome para Patek Philippe & Co, refletindo a entrada na sociedade de Jean-Adrien Philippe em 1851, tinha já uma sólida reputação no âmbito das complicações acústicas, incluindo exemplares com grande e pequena sonnerie.

Primeiro repetição da Patek Philippe, lançado em 1845. © Patek Philippe
Primeiro repetição da Patek Philippe, lançado em 1845. © Patek Philippe

Sobretudo a partir de 1939, a manufatura foi elevando gradualmente a fasquia, acrescentando à repetição de minutos complicações como calendário perpétuo, cronógrafo, indicação de segundo fuso horário, equação do tempo e fases da Lua. Uma realidade histórica que, no entanto, não impede Thierry Stern, atual presidente da Patek Philippe, de constatar que «quanto mais peças e módulos se integrarem num repetição de minutos, menos espaço fica e mais trabalho será necessário para colmatar o aumento de densidade e permitir ao som propagar-se livremente dentro da caixa». Uma afirmação à qual o seu pai, Philippe Stern, presidente honorário da empresa, acrescenta: «Os nossos calibres de repetição de minutos básicos soam melhor do que todas as outras configurações com mecanismos adicionais». A honrosa exceção cabe ao turbilhão, cuja presença não parece comprometer em nada o desempenho dos repetição de minutos da marca. A coleção patente no Museu Patek Philippe em Genebra ilustra isto mesmo com uma significativa presença deste género de relógios, originalmente de bolso, e a partir de 1920 como relógios de pulso, cuja produção regular disparou em 1925.

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Supercomplication Duke of Regla, No. 138 285, de 1910. © Patek Philippe

Hoje, para a Patek Philippe, o som que um relógio com repetição de minutos emite tornou-se inequivocamente numa ciência que obriga a um delicado equilíbrio entre objetivos contraditórios onde se incluem uma caixa suficientemente grande em prol da qualidade acústica, mas que simultaneamente apresente um formato compacto, de maneira a permitir um uso confortável sobre o pulso. O resultado final é então aferido, não por uma panóplia de instrumentos eletrónicos, mas pelo ouvido treinado de quem ocupa os mais altos cargos nesta empresa familiar com 175 anos de existência.

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Supercomplication, No. 174 480, George Thompson, de 1915. © Patek Philippe

Nesse processo, que decorre no último andar da manufatura, são levados em consideração aspetos como o volume das batidas, a sua intensidade, duração, a harmonia entre o som emitido pelas horas, quartos de hora e minutos, e, claro, o ritmo a que elas se sucedem. Nem demasiado rápido, nem demasiado lento. Segundo Philippe e Thierry Stern, «é difícil ser exato, porque não se trata de uma ciência, mas antes de uma intuição pessoal cultivada ao longo de décadas». No final, o sorriso de qualquer um destes dois juízes da arte centenária da relojoaria mecânica significa que aquela peça em específico pode finalmente empreender a sua viagem final com destino ao pulso do cliente que, frequentemente, teve de esperar anos após concretizar a sua encomenda.

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Calibre do Astronomical watch The Packard, No. 198 023, de 1927. © Patek Philippe

É que a elevada complexidade deste género de mecanismos, aliada ao trabalho minucioso necessário para os dotar do nível de acabamentos exigidos pela manufatura, determina que estes relógios sejam apenas produzidos em números bastante reduzidos, transformando-os em peças raras onde a procura suplanta manifestamente a oferta. Estima-se que não mais de 50 movimentos sejam produzidos a cada ano pela Patek Philippe, que, por sua vez, têm de ser distribuídos pelas cerca de 15 referências atualmente em coleção, cada uma potencialmente disponível em ouro amarelo, rosa, branco ou platina.

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Astronomical watch The Packard, No. 198 023, de 1927. © Patek Philippe

Esta realidade seria impensável durante a década de 60, quando os relógios com repetição de minutos quase desapareceram do mercado devido a uma manifesta falta de procura. A situação só se viria a alterar com a preparação das comemorações dos 150 anos da Patek Philippe, celebrados em 1989, e o desenvolvimento do extraordinário e ultracomplicado Calibre 89, que viria a restabelecer junto do público o interesse pela relojoaria mecânica e por esta complicação em especial. Era o início de uma verdadeira era dourada para a indústria relojoeira.

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Calibre 89 © Patek Philippe

Neste reerguer da fénix, três relógios de pulso prepararam o caminho durante a década de 80. Baseados em ébauches Piguet, oriundas do Vallée de Joux e que tinham permanecido no inventário da manufatura durante décadas, Philippe Stern decide terminá-los dando expressão à sua paixão pessoal por complicações acústicas. Um deles, concluído em 1982, é a Ref. 3615 que integra repetição de minutos, cronógrafo monobotão, calendário perpétuo e indicação de fases da Lua. Exposto atualmente no Museu da Patek Philippe, em Genebra, o modelo atraiu muitas atenções numa altura em que a recuperação da crise do quartzo ainda era débil, sinalizando a intenção da marca em se manter fiel ao relógio mecânico.

Construídos numa altura em que a manufatura não lançava um modelo com repetição de minutos há mais de duas décadas, eles abriram o caminho ao surgimento do Calibre 89 e definiram um novo paradigma na criação, no desenvolvimento e na construção de relógios complicados, seguido ainda hoje pela esmagadora maioria da indústria relojoeira. Foi o caso da introdução do regulador de inércia, proposto e idealizado por Jean-Pierre Musy, e que veio substituir a anterior e ruidosa âncora de recuo destinada a manter a cadência de batidas sob controlo. Segundo a marca, o sistema revelou-se essencial à definição do nível de qualidade que hoje se reconhece aos modelos com repetição de minutos da Patek Philippe.

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Repetição minutos Ref. 3979, relógio da coleção comemorativa dos 150 anos da marca. © Patek Philippe

A primeira geração de relógios com repetição de minutos da nova era incluía a Ref. 3979, com microrrotor patenteado (calibre R 27 PS), e a Ref. 3974, com calendário perpétuo e igualmente com microrrotor (calibre R 27 Q), que se assumia então como o relógio de pulso mais complicado da sua época. Estes modelos, incorporados na coleção comemorativa dos 150 anos da Patek Philippe, em 1989, foram definitivamente os percursores, dentro e fora da marca, de uma nova geração de relógios com complicações acústicas.

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Repetição minutos Ref. 3974, relógio incluído na coleção comemorativa dos 150 anos da marca. © Patek Philippe

Seguiu-se uma série de mais de 16 referências de modelos com repetição de minutos que culminaram este ano na apresentação do excecional Ref. 5175 R Grandmaster Chime, cujo desenvolvimento teve início ainda em 2007. Trata-se de um relógio de pulso que distribui ao longo das suas duas faces as indicações resultantes de um movimento com 1366 componentes (Calibre 300 GS AL 36-750 QIS FUS IRM), e que incorpora nada mais nada menos que 20 complicações. Entre elas, um grupo de complicações acústicas nunca visto que inclui repetição de minutos, grande e pequena sonnerie, alarme com sinalização acústica da hora e uma inédita repetição de data associada ao calendário perpétuo.

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Grandmaster Chime Ref. 5175, 5175, peça comemorativa dos 175 anos da Patek Philippe. © Patek Philippe

Com o altíssimo nível alcançado pela manufatura neste campo, serão ainda expetáveis, num futuro próximo, mais avanços por parte da Patek Philippe no campo da repetição de minutos? Provavelmente. Mas a marca destaca-se exemplarmente por nunca prometer aquilo que não pode cumprir. A evolução palpável em cada novo modelo que lança obedece a parâmetros determinados que a manufatura não se sente pressionada em cumprir sem ser segundo o seu próprio ritmo. O facto é que, apesar de toda a tradição patente nos relógios que produz, fruto de 175 anos de produção contínua, a pesquisa e o desenvolvimento continuam a ter, nos corredores da manufatura em Plan-les-Ouates, prioridade máxima.

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Grand Complications Ref. 5213G-010, Grand Complications Ref. 5539G-001 e Grand Complications Ref. 5104P-001. © Patek Philippe

Afinal, e como afirma Philippe Stern, «no final do dia, são os resultados que contam», e esses, no caso dos relógios com repetição de minutos e de toda a sua complexidade inerente, têm invariavelmente de se submeter ao crivo final do ouvido humano. ET_simb

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