Salão ReLuxury e a economia circular do luxo

Em Genebra | Uma das tendências de 2022 foi a proliferação de eventos de discussão sobre o futuro da relojoaria e como a economia circular poderá beneficiar a indústria do setor. O salão ReLuxury, organizado durante quatro dias em Genebra, foi um deles — e estreitou a fronteira entre os relógios de luxo novos e usados.

Como sempre, os últimos quatro meses do ano foram agitados no universo relojoeiro — com as habituais cerimónias destinadas a celebrar os melhores relógios do ano (como o Grand Prix d’Horlogerie de Genève), vários eventos significativos de apresentação de novos modelos (como o Opera Godfather da Jacob & Co ou o Carrera RS 2.7 da TAG Heuer com a Porsche), os tradicionais leilões de grande impacto e também certames relacionados com o estado atual e o futuro da indústria relojoeira.

ReLuxury: repensar o luxo | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

O primeiro desses certames foi o Watch Forum, organizado em Genebra pela Watches and Culture (o departamento cultural da Fondation de la Haute Horlogerie) e que promoveu debates sobre economia circular, soluções ecológicas e sustentabilidade (ver minha crónica na Espiral do Tempo nº 80); seguidamente, a Dubai Watch Week realizou em Nova Iorque o Watch Forum 8.0 com uma programação que foi desde o metaverso dos NFTs até à realidade do ‘Made in America’ (crónica na Espiral do Tempo nº 81); finalmente, o salão ReLuxury em Genebra, o primeiro evento com a missão de repensar o luxo do futuro que foi organizado sob a égide da HelvetEvents e Fabienne Lupo.

Fabienne Lupo
Fabienne Lupo, diretora do evento | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Fabienne Lupo ficou sobretudo conhecida pelo seu papel de diretora do SIHH (Salon International de l’Haute Horlogerie, agora rebatizado Watches and Wonders) e presidente da Fondation de la Haute Horlogerie durante 15 anos. Saiu em 2020, anunciando que era tempo de partir em busca de novos projetos. E o projeto que abraçou é mesmo inédito: o ReLuxury foi não só o primeiro evento dedicado ao re-commerce de luxo e artigos de coleção, mas também a iniciativas no domínio da economia circular. Decorreu durante quatro dias no Hotel Président Wilson em Genebra e acolheu uma trintena de expositores, incluindo nomes fortíssimos do mercado pre-owned como a eBay ou a WatchBox e consagradas marcas relojoeiras como a Richard Mille, a Zenith ou a Chronoswiss.

Um salão com múltiplos focos de interesse | © Paulo Pires e Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Para além dos stands dessas marcas, público e profissionais da indústria relojoeira puderam conhecer uma seleção de artesãos de reparação e restauração, descobrir startups, diferentes abordagens ao luxo sustentável e participar em conferências para conhecer as novas tendências da economia circular no mundo de luxo. A Dubai Watch Week apadrinhou as marcas de relógios presentes no espaço ‘Lab’ — uma secção dedicada a startups que apresentaram novos produtos e tecnologias, reforçando o compromisso com uma economia circular que se está a tornar obrigatório no contexto atual.

Relojoaria mecânica e alta-costura: duas facetas do luxo | © Miguel Seabra e Paulo Pires / Espiral do Tempo

No total, houve 30 expositores, mais de 30 speakers, mais de 15 conferências e mais de 40 entrevistas; os visitantes do salão puderam não só comprar e vender peças em segunda mão de alta-relojoaria ou joalharia, marroquinaria e pronto a vestir, mas também reparar e personalizar os seus próprios artigos de luxo e assistir a debates com temas relacionados com a economia circular, recycling e upcycling. É claro que há muito que se realizam eventos de compra e venda de usados, mas sem participação oficial ou uma aura de prestígio que convém estar relacionada a tudo o que tenha a ver com o luxo.

Três marcas

No plano relojoeiro e no que diz respeito a stands de marcas únicas, três nomes destacaram-se: a Richard Mille, a Zenith e a Chronoswiss. Pelo seu posicionamento e pujança financeira, a Richard Mille assumiu um lugar central no salão; a jovem marca, que este ano cumpriu o seu 20.º aniversário, assumiu há já algum tempo a gestão e comercialização dos seus relógios usados com certificado — abrindo uma boutique de pre-owned na Mount Street, em Londres, e outra em Los Angeles, onde se podem encontrar exemplares em segunda mão muito mais caros do que os seus equivalentes em primeira mão. Pode parecer incrível, mas é verdade… o problema é mesmo ter acesso aos relógios em primeira mão e a Richard Mille é talvez a marca mais cobiçada do momento pelos bilionários, que engolem rapidamente todas as tiragens limitadas.

Em destaque no écrã: Laurence Bodenmann, Heritage Manager da Zenith | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A Zenith apresentou o seu programa Zenith Icons, uma das grandes apostas de Julien Tornare — que tem sido um excelente presidente da marca desde 2017, não só pelo dinamismo inerente à sua jovial personalidade, mas também com o lançamento de linhas contemporâneas e a recuperação do património histórico. Um dos trunfos da sua gestão foi o estabelecimento do programa «Icons», que promove a procura, restauro, certificação e comercialização de históricos modelos da manufatura de Le Locle. A linhagem de emblemáticos modelos de pulso da Zenith é extensa e percorre praticamente um século, sendo especialmente procurados os cronógrafos dotados do lendário calibre El Primero entre 1969 e 1975.

O stand da Zenith promoveu o programa Zenith Icons e os modelos emblemáticos da manufatura de Le Locle | © Paulo Pires e Miguel Seabra / Espiral do Tempo

A Chronoswiss apresentou também um acervo de modelos históricos até 2012, ano em que o fundador Gerd-Rüdiger Lang vendeu a empresa a Oliver Ebstein — e incluiu no seu stand uma tradicional máquina de guilloché, com um artesão qualificado a demonstrar todo o trabalho necessário para produzir os fascinantes padrões decorativos de mostrador que se tornaram uma característica da marca.

Chronoswiss: os clássicos e o moderno | © Miguel Seabra e Paulo Pires / Espiral do Tempo
Trabalho de guillochagem no stand da Chronoswiss | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

A moda do usado

Fabienne Lupo acredita que o fosso entre os produtos de luxo novos e usados deve ser estreitado e mesmo unificado — algo que já se vê muito no mercado automóvel de prestígio, por exemplo. E o certo é que há cada vez mais marcas relojoeiras a focarem-se na sustentabilidade das suas peças. Afinal de contas, um dos princípios da relojoaria mecânica é mesmo o de ser possível esticar a vida dos relógios e a passagem de geração para geração graças a revisões periódicas ou trabalho de manutenção, sem esquecer a troca e comercialização entre aficionados ou colecionadores.

Luxo renovável, desde o calçado ao mobiliário | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

«Estou convicta de que é uma área a explorar obrigatoriamente, porque acredito na economia circular e na segunda vida de produtos de luxo que são sustentáveis, duráveis, intemporais e de qualidade excecional», confessou-nos. «As novas gerações estão a aderir totalmente ao conceito e adoram os artigos vintage!». Mas não são apenas as novas gerações; hoje em dia, já é comum os aficionados e colecionadores — que antes compravam sobretudo relógios vintage em leilões — investirem fortemente no mercado pre-owned de peças relativamente recentes ou mesmo contemporâneas.

O concorrido espaço da WatchBox | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Foi por isso que a eBay se assumiu como founding partner do salão ReLuxury. E a WatchBox, que cresceu exponencialmente ao longo dos últimos cinco anos, também se tornou main partner — apresentando uma enorme seleção de marcas de alta-relojoaria independente, desde a F.P. Journe à De Bethune.

A eBay aderiu ao projeto desde a primera hora | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Fabienne Lupo acredita que o luxo e o luxo em segunda mão devem coabitar, fazendo parte da mesma economia circular. O salão ReLuxury provou como os artigos usados também sublinham o ADN da marcas de luxo. A primeira edição foi muito prometedora… resta saber se a indústria irá aderir em peso para levar o certame a um nível ainda mais elevado.

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