Uma das mais destacadas personalidades a marcar presença no Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1 que aconteceu no passado mês de outubro foi Jackie Stewart. O antigo tricampeão mundial é também um dos embaixadores da Rolex e embarcou connosco numa viagem no tempo — comparando eras, pilotos e mentalidades. E falou também de relógios, claro.
Artigo originalmente publicado no número 73 da Espiral do Tempo (inverno 2020)
Conhecido nos tempos áureos como ‘Escocês Voador’, Sir Jackie Stewart é, atualmente, o mais velho campeão do mundo de Fórmula 1 ainda vivo. Nasceu em 1939 e correu na disciplina rainha do desporto motorizado, entre 1965 e 1973, tendo ganhado três títulos mundiais e terminado na segunda posição em nove temporadas. Foi também fundamental para o estabelecimento de novos padrões de segurança, tendo abandonado a Fórmula 1 quando o seu jovem colega de equipa François Cevert morreu nas qualificações de Watkins Glen, em 1973. O seu carisma e estatuto granjearam-lhe desde muito cedo a associação à Rolex e foi na condição de embaixador e lenda viva do automobilismo que esteve connosco no Autódromo Internacional do Algarve, em Portimão, vestido a rigor — com calças, boina e máscara confecionadas em padrão xadrez escocês e a condizer com um Oyster Perpetual Day-Date com mostrador e correia verdes, o modelo preferido de outro embaixador da marca da coroa e também ícone dos anos 70, o tenista Björn Borg. A conversa revelou-se uma autêntica máquina do tempo…
Um Rolex antes da Rolex
«Eu tive um Rolex antes mesmo de me associar oficialmente à marca. Em 1966, corri, pela primeira vez, nas 500 Milhas de Indianápolis e fui terceiro na qualificação — o dono da minha equipa, um americano do Texas muito rico, ficou todo contente por estarmos tão à frente na grelha de partida e deu-me um bónus de 30 mil dólares; na altura, muito mais dinheiro. Fui no avião privado dele até Houston, e disse a mim mesmo que ia comprar um Rolex. E comprei o meu primeiro Rolex: um Day-Date em ouro com bracelete President! Dois anos depois, em 1968, fui convidado por Andre Heiniger, o homem que fez da Rolex muito daquilo que ela é hoje, a associar-me à marca, juntamente com o golfista Arnold Palmer e o esquiador Jean-Claude Killy. Assinámos os três ao mesmo tempo. Há 53 anos! É uma bela marca, amanhã vou usar o novo Daytona em aço e ouro, no dia seguinte vou usar um GMT-Master II em ouro. Trouxe cinco relógios, porque também tenho jantares. Hoje estou a usar este Day-Date por causa das cores da marca — o mostrador verde, a correia verde. Mas o meu preferido foi o primeiro. Na altura, havia uma publicidade com uma imagem das Nações Unidas que dizia ‘Se estivesses a discursar aqui, estarias a usar um Rolex’. E ficou-me na cabeça. A Rolex é uma empresa fantástica, íntegra, ética. E escolhe muito bem. O Arnold Palmer era um extraordinário gentleman que levou o golfe a um outro patamar; o Jean-Claude Killy ganhou três medalhas de ouro nos mesmos Jogos Olímpicos. E também Sir Malcolm Campbell, nos automóveis, bateu o recorde da velocidade com um Rolex no pulso. Andre Heiniger era um grande homem, os atuais dirigentes também o são».
A Fórmula 1 era perigosa e o sexo seguro
«Quando comecei na Fórmula 1, não havia muitas mortes porque o motor de 1,5 litros não era muito grande ou tão rápido. Mas quando chegaram os motores de 3 litros, em 1966, com o dobro do tamanho e muito maior potência nas mesmas pistas sem escapatórias e sem estruturas deformáveis, o número de mortes tornou-se enorme. A minha mulher Ellen contou 57 mortes de amigos nossos durante o período em que corri. Foi um período patético, os carros estavam mal equipados, os circuitos eram ridículos, não havia capacidade para apagar os incêndios, não havia suficiente apoio médico. Os carros pegavam fogo à terceira volta, com os tanques cheios de combustível. E nós atravessávamos as chamas sem saber o quê ou quem estava lá no meio e aquilo durava mais umas seis voltas até que os retirassem da pista. Lutei muito e fiz com que fechassem as pistas de Nürburgring e de Spa, as mais desafiantes e fantásticas do mundo, por não terem segurança, infraestruturas ou enfermaria. Quando tive o meu acidente em Spa, deitaram-me no chão com pontas de cigarros à volta! Muito depois, o Mika Hakkinen morreu duas vezes no cockpit do seu McLaren e foi ressuscitado duas vezes; o médico era um especialista em medicina de ressuscitação. No meu tempo, o responsável médico de Brands Hatch era um ginecologista porque era um aficionado das corridas!
A melhor coisa que fiz na minha vida foi lutar por condições de segurança melhores. O Jim Clark foi o melhor piloto contra quem corri. Morreu. Todos os meus amigos morreram. Havia mais camaradagem, até porque viajávamos todos juntos, íamos de férias juntos. E chorávamos juntos, porque havia tantas mortes. Eu sou a pessoa que conheço que foi a mais funerais. Agora, um carro de Fórmula 1 é uma célula de sobrevivência. Mas os anos 60 e 70 foram também um período maravilhoso, muito colorido e cheio de glamour. Minissaias, os Beatles e os Rolling Stones iam aos Grandes Prémios, o Frank Sinatra, a Elizabeth Taylor e a Brigitte Bardot também… Nos anos 60 e 70, os desportos motorizados eram perigosos e o sexo era seguro».
A Rolex é uma empresa fantástica, íntegra, ética. E escolhe muito bem. O Arnold Palmer era um extraordinário gentleman que levou o golfe a um outro patamar, o Jean-Claude Killy ganhou três medalhas de ouro nos mesmos Jogos Olímpicos. E também Sir Malcolm Campbell, nos automóveis, bateu o recorde da velocidade com um Rolex no pulso.
Sir Jackie Stewart
O eterno debate sobre ‘O Melhor de Sempre’
«Só podemos ser os melhores do nosso tempo. Não podemos assegurar que Jack Nicklaus é melhor do que Tiger Woods, que Muhammed Ali é melhor do que os pugilistas de agora, Pelé melhor do que Messi ou Rod Laver melhor do que Roger Federer. O Lewis Hamilton, atualmente, é inquestionavelmente o melhor do seu período, bateu o recorde do Michael Schumacher. Eu já tive esse recorde do maior número de vitórias em Grandes Prémios e, curiosamente, o Alain Prost bateu-o numa corrida em Portugal, no Estoril; eu estava lá e peguei numa garrafa de champanhe para celebrarmos juntos. Não senti que tinha sido batido; na altura senti que ‘este tipo hoje é o melhor’ e que eu era o melhor de ontem. Mas, para mim, talvez o Juan Manuel Fangio fosse o melhor de sempre, não só porque ganhou o título mundial com quatro diferentes carros, mas também por causa do seu caráter, dignidade, estilo; foi o meu herói, um bom gigante de excelentes maneiras e um amigo. O Jim Clark seria o segundo, porque conduzia com tanta limpeza e suavidade; guiava silenciosamente e aprendi quase tudo com ele. Os carros de Fórmula 1 são como um animal delicado e nervoso de raça pura. E se tratarmos um animal de forma suave, se o tratarmos bem, ele também vai comportar-se de forma simpática. Olhas para um condutor mais agressivo e os espetadores e os adeptos adoram, mas o gerente do banco ou os engenheiros não vão gostar. Também o Michael Schumacher, o Ayrton Senna, o Alain Prost foram líderes no seu tempo e acho que comparar gerações não faz grande sentido».