Ressonância na relojoaria e dois exemplos distintos

O fenómeno da ressonância está associado à relojoaria há séculos e voltou à ribalta no final dos anos 90 com o famoso Chronomètre à Résonance de François-Paul Journe, atualizado no último mês com uma nova versão. A Armin Strom seguiu um caminho diferente. Michael J. Biercuk, professor na Universidade de Sydney e um aficionado de relojoaria, dá-nos a sua opinião sobre ambos.

A ressonância é um fenómeno fascinante e, no âmbito da relojoaria, tem suscitado alguns exercícios de estilo extraordinários ao longo do tempo — tal como, ao longo do período de existência da Espiral do Tempo, procurámos abordar esses exercícios relojoeiros que são particularmente raros através de entrevistas e pareceres mais científicos. E nesta ocasião voltámos a contar com uma opinião mais especializada para nos falar dos dois mais representativos modelos associados ao fenómeno da ressonância.

Michael J. Biercuk
Michael J. Biercuk, professor de física quântica em Sydney, deu-nos o seu parecer sobre a ressonância © DR

A utilização do princípio da ressonância em relojoaria remonta a meados do século XVII através de Christian Huygens (inventor do pêndulo), sendo posteriormente explorada por Antide Janvier e por Abraham-Louis Breguet. Já no final do século XX, os mestres Beat Haldimann e François-Paul Journe investiram na exploração dessa temática cujo princípio determina que dois corpos oscilantes em grande proximidade eventualmente entram em sincronização.

F.P. Journe e Armin Strom

Inspirado pelos estudos de Antide Janvier, François-Paul Journe lançou o Chronomètre à Résonance no final dos anos 90 e esse modelo tem-se mantido como o ex-libris da sua marca F.P. Journe ao logo dos tempos, mesmo com todas as outras grandes criações com o selo ‘Invenit et Fecit’ que se lhe seguiram — a última das quais o Astronomic Souveraine que surge em destaque na capa da Espiral do Tempo. Na comemoração das duas décadas de vida (praticamente a mesma duração da nossa própria revista!) da sua emblemática criação inspirada no fenómeno da ressonância, François-Paul Journe atualizou o Chronomètre à Resonance com diversas alterações estéticas e um calibre renovado alimentado com um único tambor de corda. Em breve faremos uma análise mais detalhada a essas diferenças, mas por enquanto aqui fica um cheirinho:

A Armin Strom ainda não tem a projeção da F.P. Journe, mas é uma marca de reconhecido mérito técnico e uma estética mais contemporânea bem vincada. Nasceu em 2006 para prolongar o legado do mestre Armin Strom e nos últimos quatro anos ganhou maior visibilidade com a sua própria interpretação da ressonância através de um conceito do cofundador e diretor técnico Claude Greisler que foi materializado no Mirrored Force Resonance.

Armin Strom Mirrored Force Résonance
Mirrored Force Resonance com submostrador em guilloché elaborado pelo mestre Kari Voutilainen © Armin Strom

Basicamente, o sistema da F.P. Journe está mais associado aos ideais de Antide Janvier e os dois osciladores não têm qualquer ligação entre si a não ser o próprio fenómeno da ressonância. A Armin Strom reinterpretou os princípios da ressonância estabelecendo uma ligação física entre os dois osciladores.

Um parecer académico

Para uma melhor definição dos dois sistemas e uma eventual comparação, solicitámos a opinião de alguém com uma visão especializada e científica sobre ambos: Michael J. Biercuk é professor de física quântica na Universidade de Sydney e um grande aficionado de relojoaria, sendo um dos fundadores do blogue LangeNation dedicado à A. Lange & Söhne e membro da Academia do Grand Prix d’Horlogerie de Genève. É também CEO e fundador da Q-CTRL, uma empresa dedicada à tecnologia quântica, e investigador-chefe no Australian Research Council Centre of Excellence for Engineered Quantum Systems. Discutimos o assunto da ressonância com ele durante a Dubai Watch Week no final de novembro e, depois dos últimos lançamentos de modelos da F.P. Journe e da Armin Strom, pedimos-lhe o seu parecer para a Espiral do Tempo enquanto académico e aficionado.

Michael J. Biercuk
Michael J. Biercuk é também colecionador e membro da Academia do Grand Prix d’Horlogerie de Genève © DR

«Em física, ressonância é a tendência de um corpo para oscilar na sua máxima amplitude a uma frequência (ou ritmo) natural. Isso significa que mesmo um balanço serve como um oscilador ressonante, respondendo com um desvio da máxima amplitude quando impulsionado na sua frequência natural. Porque razão pertence então à categoria dos movimentos ditos de ressonância? Esses movimentos geralmente procuram sintonizar dois balanços (ou rodas de balanço) com o objetivo de proporcionar uma maior estabilidade global ao movimento. Ao permitir que a regulação seja feita por um sistema compósito ou multifacetado, pode haver mais resiliência contra os choques e as perturbações. Em relojoaria, parece existir alguma flexibilidade no uso do termo ‘Ressonância’, aparentemente referenciando o fenómeno da sincronização em vez da oscilação numa amplitude máxima a uma frequência particular. No meu ponto de vista, qualquer área de atividade tem o direito de definir uma caraterística ou capacidade do modo que desejar. Mas isso também permite a opinião de um cientista na tentativa de explanação das diferenças entre as encarnações de movimentos com ressonância da F.P. Journe e da Armin Strom».

F. P. Journe Chronomètre à Résonance
O novo Chronomètre à Résonance. Diferente tanto no mostrador como no verso © F.P. Journe
F. P. Journe Chronomètre à Résonance
O renovado movimento da nova geração do Chronomètre à Résonance © F. P. Journe

O professor Biercuk começa por abordar o Chronomètre à Résonance preconizado por François-Paul Journe: «O calibre do modelo sob a chancela F.P. Journe aparenta usar tanto vibrações através das pontes ou emparelhamento de proximidade para sincronizar as duas rodas do balanço. É um sistema que não tem a ver com uma frequência natural específica no qual uma oscilação de amplitude máxima é alcançada — mesmo que em princípio isso possa ocorrer através de uma frequência ressonante vibracional nas pontes».

Armin Strom Mirrored Force Résonance
Mirrored Force Resonance numa versão com caixa em ouro rosa © Armin Strom

E acrescenta: «Já a Armin Strom adiciona explicitamente uma terceira mola ao sistema e, ao optar por essa via, torna o fenómeno da ressonância diretamente observável. Essa terceira mola é flexível e não um acoplador rígido, permitindo às duas rodas do balanço movimentarem-se de maneira independente. No entanto, os osciladores acoplados tendem a vibrar a uma amplitude máxima numa frequência que pode ser um pouco diferente das suas frequências independentes, e que é definida pelo sistema de espirais associadas (duas rodas do balanço mais embraiagem). E isso pode ver-se claramente: a amplitude da mola da embraiagem é maximizada quando as duas rodas de balanço oscilam a uma frequência natural e em sincronização. A sincronização das duas rodas de balanço é o resultado direto da oscilação do sistema a uma frequência ressonante.» Aqui fica um vídeo do professor a abordar o sistema preconizado pela Armin Strom, juntamente com Claude Greisler; vale a pena ver porque é mesmo excelente e também mostra o Minute Repeater Resonance — que passou a ser o relógio de topo da marca:

Em conclusão, Michael J. Biercuk sublinha: «É divertido debater como funcionam ambos os movimentos e qual é mais fiel ao significado de um termo como o da ressonância. Mas para mim isso não interessa. Ambos os relógios são exemplos distintos de virtuosismo em alta relojoaria e deveríamos apreciá-los enquanto as obras de arte que são». E tem razão. Mais vale ter os dois do que optar por um!

F. P. Journe Chronomètre à Résonance
Versão em ouro rosa do novo Chronomètre à Résonance © F. P. Journe

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