O Tudor Nazaré Big Wave Challenge 2024 reuniu na meca das ondas gigantes não só os melhores surfistas mundiais da especialidade como também alguns aficionados de relojoaria e até mesmo um alto dignatário da Tudor. E tivemos a oportunidade de entrevistar Nic von Rupp, o embaixador luso da marca genebrina.
É sempre assim: logo que há a certeza de que se aproximam ‘vagalhões’, a World Surf League lança o alerta e toda a gente se prepara (no curto espaço de tempo de três dias) para o espetáculo único que só se pode presenciar na Nazaré — não só os grandes especialistas das ondas gigantes, como também toda uma vasta equipa que prepara a logística de apoio ao evento e a própria Tudor. A sister company da Rolex é title sponsor do Tudor Nazaré Big Wave Challenge e não só traz convidados (entre imprensa e agentes oficiais nacionais e internacionais) como também se faz representar ao mais alto nível, como sucedeu com a presença de um dos seus principais responsáveis.
Quando a Tudor revelou a associação ao mundo do surf, há três anos, esse anúncio foi algo surpreendente mas completamente de acordo com o lema da marca genebrina — #BornToDare. Um slogan que tem tudo a ver com o surf de máximo risco, já que cavalgar ondas gigantes é um desafio apenas ao alcance dos mais audazes. Tendo em conta que a meca das ondas gigantes se situa em Portugal, há vários portugueses especialistas na matéria e um deles é mesmo embaixador da Tudor… embora o seu nome não seja tipicamente luso: Nic von Rupp. Nascido em 1990 e criado em Sintra, com um pai de descendência alemã e americana e uma mãe suíça, começou a surfar com apenas nove anos e a sua ambição levou-o a uma carreira bem sucedida no escalão júnior; quando passou a profissional, Nic von Rupp começou por competir na World Qualifying Series, tendo sido eleito ‘European Surfer of the Year’, em 2013. Depois dedicou-se a ondas maiores e até já foi protagonista do documentário 100 Foot Wave da HBO. Mas o seu trajeto não foi fácil, a começar pelo lado cultural.
Born to dare
«O surf de há uns anos não é o mesmo que é hoje em dia. Na altura tive de lutar muito dentro da minha família para ser aprovado como surfista profissional. Tenho uma família de académicos e ter uma associação com esse mundo sempre foi um sonho. E acabou por surgir uma oportunidade através da Tudor em fazer parte da equipa e realmente acaba por encaixar que nem uma luva por causa do meu background suíço e porque o lema ‘Born to Dare’ tem tudo a ver com o surf», explica o sintrense. «Ousar é algo que fazemos diariamente, desde os primeiros passos que eu dei no surf até ao dia de hoje é um constante desafio, uma constante procura de um objetivo maior e realmente tem sido fantástico trabalhar com uma equipa tão profissional. Mas antes de ser embaixador da Tudor sou fã da Tudor e gosto de tudo o que eles fazem: desde os relógios, à equipa e ao marketing. Tem sido uma parceria muito positiva».
- O canhão da Nazaré gera ondas gigantes que fazem com que ali se concentrem todas as atenções do surf mundial | Foto: Cesarina Sousa/ Espiral do Tempo
- À esquerda: o stand da Tudor ; à direita: Nic Von Rupp prepara-se para desafiar novamente as ondas gigantes | Fotos: Cesarina Sousa/ Espiral do Tempo
- No Tudor Nazaré Big Wave Challenge é bem notório o entusiasmo do público presente | Fotos: Cesarina Sousa/ Espiral do Tempo
- No farol da Nazaré, existe um espaço dedicado à exposição de pranchas de diversos surfistas. Entre eles, Nic Von Rupp | Fotos: Cesarina Sousa/ Espiral do Tempo
E qual é a materialização dessa parceria no pulso de Nic von Rupp? «Neste momento estou a usar o Pelagos, o modelo que ganhei há dois anos quando venci o campeonato. As pessoas perguntam imensas vezes se nós surfamos com o relógio nas ondas grandes e eu respondo ‘claro que sim’. As pessoas que são mesmo fanáticas por relógios não acreditam que nós levamos este relógio para as ondas grandes». Mas o Pelagos não é filho único: «Na minha família sempre nos deram relógios em fases importantes da vida — aos 18 anos, aos 21 anos e até entre amigos, por isso, fui tendo alguns relógios. Mas da Tudor, e para além do Pelagos, tenho também um Black Bay e um Ranger. Mas o Pelagos é o meu preferido, porque é o relógio que nós ganhámos porque ganhámos o campeonato».
E pode ser um relógio considerado amuleto? «Sem dúvida. Este relógio tem-me acompanhado em todas as ondulações grandes à volta do mundo, desde o Taiti à Nazaré. Nos últimos dois anos tem sido o relógio que está sempre comigo no pulso».
O tempo de uma vaga
Com um Pelagos no pulso, a teoria da relatividade também se aplica às ondas: «surfar uma onda geralmente são menos de dez segundos/quinze segundos, mas parece uma eternidade. Há um momento em que parece tudo em slow motion, em que estamos mesmo naquele estado de flow, como se diz, em que uma pessoa vê tudo o que está a acontecer à volta e é uma sensação incrível. São dez segundos se tudo correr bem, se nós cairmos acaba por ser muito mais e acabamos por nos embrulhar naquela loucura toda e aí passamos para outra dimensão». Uma dimensão que pode ser muito precária: «O momento mais assustador é quando estamos a descer a onda e chegamos à base da onda e começamos a ver a sombra da onda a ultrapassar-nos. É das sensações mais arrepiantes que existem. É sinal de que estamos numa zona muito perigosa, que estamos a surfar a onda da forma mais crítica possível e que a onda é realmente muito, muito grande. E nessas alturas tenho a tendência para me virar ao contrário para ver onde estou e ver o tamanho da onda e a sensação é a de ‘o que é que vai acontecer agora?’. Vai-me cair a onda em cima? Ou vamos acabar por sair com sucesso? É um misto de emoções. É um alto e baixo de emoções. Temos o medo, a adrenalina, a felicidade quando terminamos. Leva-nos mesmo aos mais altos e aos momentos mais baixos». Só para quem nasce para ousar…
É mesmo preciso ter um mindset específico, mas não é necessário ser-se louco: «As pessoas olham para nós como e fôssemos um género de super-heróis que não tem medo das ondas grandes, o que não é de todo. Lembro-me perfeitamente que quando comecei a fazer surf o medo estava constantemente presente, mas é uma questão de como é que nós superamos esse medo e como é que vivemos com esse medo constantemente connosco. Mas acaba por ser um veículo de superação. Acabamos por puxar o limite com essa gasolina do medo e são quase 20 anos a surfar a tentar encontrar esse desafio constante e a superação constante para chegar a esta fase da minha vida em que estou a surfar as maiores ondas do mundo».
O segredo está na preparação, sublinha Nic von Rupp: «Quando vou surfar as ondas grandes, para mim a preparação é tudo. A partir de junho estou no ginásio duas vezes por dia durante três meses a dar o litro. Quanto mais eu treino mais preparado estou ou maior é a minha probabilidade de sobrevivência, a minha performance e eu quero ter a certeza de que quando chega aquela hora em que as coisas correm mal eu estou o mais bem preparado possível. Há vários pilares aqui: a preparação física é o que constrói a confiança, a preparação mental é tudo. Acaba por ser o nosso diálogo, a nossa preparação como equipa, o nosso material, a preparação física — são todos os pilares para nos dar confiança para nos sentirmos à vontade no mar. Ou seja, a componente/lado psicológico vem muito com a preparação em geral, seja a física, seja o material, seja o que for».
As consequências podem ser graves: «Nós acreditamos que nunca vamos errar porque sabemos exatamente onde é que nós temos de estar na onda. Temos de estar preparados para errar e para as consequências. Nós sabemos que mais tarde ou mais cedo vai acontecer e é só uma questão de quando é que vai acontecer. E quem está preparado é quem sobrevive e com os outros infelizmente acontecem vários acidentes». E acrescenta: «Eu acredito no risk assessment, é tudo uma questão de calcular o risco e tentar contornar o risco. Eu sou uma pessoa muito ponderada, oiço muito o meu instinto. Acho que quando as pessoas não estão cientes daquilo que se está a passar e não veem o instinto é quando os acidentes acontecem. Eu só vou quando eu sinto que vai correr tudo bem. Obviamente que já tive várias quedas, parti o ombro, o joelho, já tive de sair pelas pedras na Nazaré que é das coisas mais perigosas que se podem fazer, mas até agora continuo cá e está tudo bem e sou das pessoas mais preparadas e já faço isto há tanto anos que vou minimizando o risco sem minimizar o risco».
Santuário do surf
A Nazaré tornou-se um local de culto para o surf mundial e hoje em dia equipara-se aos outros santuários de big waves, se não mesmo os ultrapassou já: «Quando comecei a fazer surf, Portugal não era nada no panorama do surf internacional. O ditado era ‘se te queres tornar surfista internacional, vai lá para fora, vai para o Havai’. E nós nascemos um bocado com esse pensamento. E a primeira vez que eu vim à Nazaré foi em 2004, com o meu pai na altura. Foi a primeira vez que surfistas de ondas grandes vieram explorar a Nazaré — os ídolos da altura, tinha eu 14 anos, olharam para as ondas e viraram as costas e foram-se embora. Para mim, foi um choque na altura. Como é que estes surfistas que são os meus ídolos chegam ao meu país e viram as costas a estas ondas enormes? E na altura não dava realmente para surfar estas ondas. Mas hoje o panorama é completamente diferente. O lugar na mesa mudou. O epicentro das ondas grandes antigamente era os Estados Unidos, era o Havai; hoje é Portugal», sublinha Nic von Rupp. «Antigamente, nós surfistas portugueses íamos para o outro lado do mundo, dormíamos na praia, sem ninguém que nos ajudasse. E hoje é o contrário. O resto do mundo vem cá para Portugal para aprender o que quer que seja de ondas grandes».
A Nazaré é o destino para quem ama as ondas gigantes. «Para mim, é um orgulho como português ver essa transformação nos últimos dez anos. Dá-me arrepios de cada vez que falo. Só de pensar no que o surf português era e no que hoje é. É uma loucura. Em qualquer sítio que se vá no mundo, fala-se de Portugal pelo Ronaldo e pela Nazaré. A mim choca-me: como é que uma onda pode correr a boca do mundo? E hoje vemos os meios internacionais a darem mais importância do que os próprios portugueses. Quando comecei a fazer surf que, passados quase vinte anos, eu ia surfar umas das maiores ondas do mundo, provavelmente eu ia correr noutra direção. Eu sou um fruto da costa portuguesa. Nós temos realmente ondas muito grandes, muito fortes, e uma pessoa está sempre constantemente à procura do desafio, de superar».
Nic von Rupp conseguiu um segundo lugar na Nazaré este ano na competição por equipas. Apesar de ser em Portugal e da qualidade dos surfistas portugueses, o palmarés do Tudor Nazaré Big Wave Challenge de 2024 foi dominado por brasileiros. Lucas ‘Chumbo’ Chianca é considerado o melhor e colecionou mais dois troféus — o título individual com o maior somatório nas ondas épicas de 30-40 pés da segunda-feira na Praia do Norte e o de equipes na dupla brasileira formada com Pedro Scooby. E para completar a festa canarinha em Portugal, Maya Gabeira superou a também carioca Michelle des Bouillons na disputa pelo título individual feminino. E houve muito público do país irmão a celebrar os sucessos dos seus compatriotas.
Tudor Nazaré Big Wave Challenge 2024: os resultados
Competição por equipas
Campeã: 41,16 pontos – Lucas Chianca (BRA) e Pedro Scooby (BRA)
2.º: 37,81 pontos – Clement Roseyro (FRA) e Nic Von Rupp (POR)
3.º: 35,79 pontos – Rodrigo Koxa (BRA) e Vitor Faria (BRA)
4.º: 34,63 pontos – Rafael Tapia (CHL) e Pierre Rollet (FRA)
5.º: 33,81 pontos – Sebastian Steutner (ALE) e Eric Rebiere (FRA)
6.º: 27,22 pontos – Andrew Cotton (ING) e Will Skudin (EUA)
7.º: 20,36 pontos – Ian Cosenza (BRA) e Michelle des Bouillons (BRA)
8.º: 17,27 pontos – Maya Gabeira (BRA) e Antonio Laureano (POR)
9.º: 15,60 pontos – Antonio Silva (POR) e João de Macedo (POR)
Competição Individual Masculina
Campeão: Lucas Chianca (BRA) por 23,33 pontos = (7,83×2) + 7,67
2.º: Clement Roseyro (FRA) com 21,51 pontos = (7,67×2) + 6,17
3.º: Rodrigo Koxa (BRA) com 18,66 pontos = (6,83×2) + 5,00
4.º: Sebastian Steudtner (ALE) com 18,50 pontos = (6,50×2) + 5,50
5.º: Pedro Scooby (BRA) com 17,83 pontos = (6,33×2) + 5,17
6.º: Rafael Tapia (CHL) com 17,46 pontos = (5,83×2) + 5,80
7.º: Pierre Rollet (FRA) com 17,17 pontos = (6,00×2) + 5,17
8.º: Vitor Faria (BRA) com 17,13 pontos = (5,73×2) + 5,67
9.º: Nic von Rupp (POR) com 16,30 pontos = (5,60×2) + 5,10
10.º: Andrew Cotton (ING) com 16,26 pontos = (5,83×2) + 4,60
11.º: Eric Rebiere (FRA) com 15,31 pontos = (5,57×2) + 4,17
12.º: Will Skudin (EUA) com 10,96 pontos = (3,73×2) + 3,50
13.º: Ian Cosenza (BRA) com 10,53 pontos = (3,60×2) + 3,33
14.º: António Silva (POR) com 9,34 pontos = (3,17×2) + 3,00
15.º: João de Macedo (POR) com 6,26 pontos = (3,13×2) + 0,00
16.º: António Laureano (POR) com 3,27 pontos = (1,17×2) + 0,93
Competição individual feminina:
Campeã: Maya Gabeira (BRA) por 14,00 pontos = (5,00×2) + 4,00
2.º lugar: Michelle des Bouillons (BRA) com 9,83 pontos = (3,50×2) + 2,83