Em busca do meu Omega Speedmaster

«Há relógios que nos marcam pelas mais diversas razões — boas ou menos boas —, e apesar de no meu pequeno conjunto praticamente todos estarem lá por uma razão ou outra, há uns que sobressaem. Este é um deles. E o mais curioso… é que esteve quase para não ser. » E é assim que começa a história que o nosso leitor convidado desta semana, Lourenço Salgueiro, tem para nos contar sobre o seu Omega Speedmaster.

Quando me casei, perguntaram-me o que é que eu queria como prenda de casamento e eu respondi que queria um relógio. Sem dúvida, uma boa forma de marcar um momento tão importante. Claro que, apesar de ser um presente, em bom rigor teria de ser eu a escolher e desde logo decidi que o estilo de relógio não iria fugir muito do desportivo. O mais provável seria a minha escolha recair num diver ou num cronógrafo, pois desde sempre que me atrai mais esta tipologia de relógio.

Com o passar do tempo, e aproximando-se ‘o’ dia, por entre montras físicas e digitais, as minhas pesquisas não estavam muito inspiradas. Até que finalmente dei de caras com um Longines Legend Diver que tinha sido recentemente lançado no mercado. Relógio de mergulho? Check. Bonito e funcional? Check. Preço dentro do orçamento? Check.

Confesso que nem me lembro de como assentava no pulso, porque pouco tempo depois mudei de ideias e pensei que, se calhar, encontrar um relógio em segunda-mão, com data de produção próxima da ‘minha’ (de nascimento, entenda-se, ou como se costuma designar em inglês um ‘birth-year watch‘), seria mais digno e especial para marcar tal ocasião.

Não me lembro o que levou a esta mudança de pensamento, mas imagino que deva ter sido o facto de ter entrado recentemente no mundo dos relógios vintage através da compra do meu primeiro do género (um cronógrafo, por sinal). O certo é que essa ideia não me saía da cabeça e, cada vez que pensava no assunto, mais sentido fazia. Estava decidido! E agora? Era avançar rapidamente com mais ou menos os mesmos critérios que anteriormente e fazer figas!

Omega Speedmaster

No meio desta segunda ronda, fui dar ao outro tipo de relógio na lista, o cronógrafo. Mais especificamente, aterrei no Speedmaster da Omega. Lançado originalmente em 1957 como relógio para o universo automobilístico — e o primeiro com uma escala taquimétrica no exterior para medir velocidade/tempos —, ficou imortalizado para a história como o relógio que foi à Lua, no pulso de Buzz Aldrin (na referência ST105.012 com o calibre 321), entre outros astronautas.

Omega Speedmaster ST145.022 © Lourenço Salgueiro
Omega Speedmaster ST145.022 © Raquel Tereso

Fora a história espacial do modelo (que me interessava pela temática), e de sempre ter gostado da estética do mesmo, confesso que era um relógio em relação ao qual eu não tinha um interesse em particular. Mas era um relógio que tocava em muitos dos pontos que estabeleci e adaptei na minha viragem de rumo. Icónico? Check. Bonito e igualmente interessante? Check. Preço dentro do orçamento? Isso teríamos que ver…

Depois de ver uns quantos Speedmaster de vendedores estrangeiros, coisa que estava um pouco receoso dada a natureza e riscos inerentes neste tipo de transação, encontrei um vendedor online que era português e, ainda melhor, de Lisboa.

Como já tinha começado o meu ‘estágio’ nos Speedmaster, absorvendo o que podia pela Internet (através de fóruns e websites da especialidade etc), comecei a estudar as fotografias disponíveis do anúncio e a tentar esmiuçar os detalhes — desde o mais visível, como as nuances na tipografia do mostrador, ao mais escondido, como partes do mecanismo e número de série. Comecei a notar que havia coisas que pareciam não bater certo com a suposta idade do relógio. Seria possível? Lá voltei aos fóruns para tirar dúvidas e aprender um pouco mais. Percebi que o mostrador teria sido um de reposição e que o mecanismo não devia estar naquela caixa. Igualmente, a bracelete do relógio e a luneta/bisel eram também pelo menos 10 anos mais recentes do que o relógio. Ironicamente, em termos cronológicos, o relógio não batia certo.

© Lourenço Salgueiro
Omega Speedmaster ST145.022 © Raquel Tereso

Por fim, decidi que tinha de ir ver o relógio ao vivo e tentar descortinar algumas dúvidas com o vendedor. Depois de falar com ele, que não me inspirou muita confiança, decidi que tinha de tentar ter uma segunda opinião, como se de uma consulta médica se tratasse! Encontrei um outro vendedor que não me soube ajudar, mas que acabou por me recomendar um outro — este supostamente mais especializado em relógios Omega — que certamente o poderia fazer. O dia de casamento estava próximo, mas finalmente consegui marcar um encontro com este último vendedor.

Por entre as dezenas de relógios fantásticos nas suas montras em tão pequeno espaço, lá expliquei a minha situação, inclusive comecei a debitar uma lista de perguntas que tinha preparado sobre o tal relógio que tinha visto e ele lá foi respondendo o que podia. No meio disto tudo, e pacientemente, ia-me mostrando diferentes Speedmaster que tinha e explicando um pouco da cada um. Pensando bem, não sei o que me ia na cabeça quando pensei em pedir conselhos a um vendedor sobre um relógio de um outro vendedor, enfim…! Mas a verdade é que no fim da nossa conversa, comigo convencido que o que tinha visto não estava ‘correto’, ele disse-me que de momento não tinha nenhum relógio disponível, mas que se eu queria um Speedmaster dos anos 80, que me arranjava um. «Fantástico», pensei! Agora era só esperar…

Speedmaster ST145.022

Omega Speedmaster_2
Omega Speedmaster ST145.022 © Lourenço Salgueiro

Acabei por usar no meu casamento o meu relógio do dia-a-dia de então — o mesmo que ressuscitou o meu gosto por relógios: um Seiko SKX007 (outro diver), e só passado mais umas semanas é que tive novidades do meu Speedmaster. Dirigi-me de novo à sua loja, onde me foi apresentado um Speedmaster ST145.022 de cerca de 1982, ainda com o Calibre 861 (e, pode dizer-se, descendente direto do relógio que foi à Lua). Era lindo e, desta vez, tudo parecia bater certo, mas tinha um senão: a luneta/bisel exterior, que originalmente é preta com numerais prateados, estava agora bastante acinzentada e com os algarismos muito esbatidos. Apesar de me terem convencido de que este exemplar era também interessante do ponto de vista estético por isso mesmo, ainda tinha de pensar no assunto. «Mas não havia muito tempo», garantia-me o vendedor!

Omega Speedmaster ST145.022 © Lourenço Salgueiro
Omega Speedmaster ST145.022 © Raquel Tereso

Depois de mais uma noite a matutar no assunto (e em possíveis maneiras de resolver o ‘problema’ da luneta eventualmente), liguei-lhe no dia seguinte a combinar para ir buscar o relógio. Seria meu, finalmente.

Não sei qual a razão pela qual a luneta ficou tão esbatida — talvez o resultado de uma vida dura, ou demasiadas limpezas por um anterior proprietário, ou simplesmente defeito de fabrico. No fundo, nada disso interessava, pois rapidamente desisti da ideia de a substituir e assumi mantê-la assim. Parafraseando uma célebre cena do filme Nascido Para Matar de Stanley Kubrick: «Este é o meu Speedmaster. Há muitos como este, mas este é o meu.»

Mais uma porta para o mundo dos relógios

© Lourenço Salgueiro
Omega Speedmaster ST145.022 © Raquel Tereso

Voltando ao que escrevi no começo deste texto, há relógios que nos marcam pelas mais diversas razões. E este, pelo simples facto de ter sido o relógio do meu casamento (embora tardiamente), é uma escolha óbvia. Mas há outra razão: apesar de não ter sido o relógio que me levou a entrar no mundo dos relógios vintage — um mundo com o qual seguramente mais me identifico e em relação ao qual mantenho maior interesse hoje em dia —, este Speedmaster foi o que me fez ‘descer à toca do coelho’ em todo esse universo. A pesquisa, as nuances, a documentação e proveniência, as histórias, os feitos e até as lendas, que fazem parte de tudo o que torna esta vertente de colecionismo tão interessante para mim. E onde os detalhes, por mais pequenos que possam parecer, por vezes se desenrolam num mundo próprio.

Foi também o relógio que me abriu as portas para este nosso pequeno — e, se me permitem, um pouco fechado — mundo, pois fui ‘obrigado’ a sair da minha zona de conforto para ir falar com pessoas, ficando a conhecer depois muitas outras, bem como um pouco mais sobre este meio onde me estava a começar a inserir, e do qual, hoje em dia, tenho um enorme prazer em fazer parte.

Sobre o leitor convidado:
Lourenço Salgueiro é designer gráfico, mentor do Fórum DezDez e do podcast A Hora Certa.

Lourenço Salgueiro

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