É como muito gosto que publicamos a história que Luís Baptista partilhou connosco. O nosso leitor é Piloto de Linha Aérea de profissão, aficionado de relojoaria e o atual presidente do Oris Social Club Lisboa, fundado há uns meses. Através das suas palavras, somos levados por um mar de viagens e de voos…
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Quando recebi o convite da Espiral do Tempo para escrever uma história sobre um dos meus relógios, a escolha só poderia recair num em especial, pois tem um significado de esforço e de conquista. A história, que ainda nem a meio vai, começou em criança com uma paixão muito forte e um desejo enorme de concretizar um sonho. Mas já lá vamos…
A minha primeira memória de relógios será provavelmente a de um relógio de mesa que estava na casa dos meus avós. Um relógio em madeira com um pêndulo dourado que emitia aquele som característico e que prendia a minha atenção sempre que os visitava. Já os relógios de pulso entraram na minha vida com alguns Swatch e Casio que me foram sendo oferecidos por ocasião de aniversários ou do Natal. Por estranho que pareça, eu não usava nenhum deles em criança, mas dizia, em modo de brincadeira, que os colecionava sem ainda saber do ‘bichinho’ que surgiria uns anos depois.
Ninguém da minha família próxima tinha algum tipo de relação com relógios ou objetos mecânicos, tal como não tinha ninguém ligado à profissão que tinha escolhido para «quando for grande». Curioso é que a minha profissão anda de mãos dadas com a relojoaria desde o início do século XX, muito também fruto da amizade entre dois cavalheiros, Santos Dumont e Louis Cartier, que originou aquele que é referido como tendo sido possivelmente o primeiro relógio de piloto.
Desde sempre que dizia que queria ser piloto aviador de caças e não jogador de futebol, apesar de ter sido atleta federado desta modalidade durante muitos anos. A ideia de poder voar naquelas máquinas a velocidades mais rápidas que o próprio som, vestir o fato de voo e o capacete era maior do que o sonho de jogar num clube grande com estádios cheios, ganhar troféus ou assinar contratos milionários (chamem-me louco). Durante os anos seguintes o gosto por relógios foi adormecendo, mas o desejo de voar aviões estava cada vez mais presente.
Com 18 anos, apareceu o primeiro contratempo: o não ingressar na Academia da Força Aérea. Um balde de água fria! Na altura não deixei de acreditar que um dia seria possível, mas estava longe de imaginar que o destino me reservava uma história diferente (e melhor). Sem rumo, sem relógio e sem ideias entrei na faculdade para estudar Ciências Aeronáuticas, mas não era isso que eu queria. Eu queria voar e acreditava que tudo isto tinha sido apenas um desvio de rota por mau tempo e que rapidamente voltaria ao rumo certo.
Como Paulo Coelho escreveu em O Alquimista, «Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo», e o universo colocou-me na rota certa ao guiar-me para o mundo da Aviação Civil. Acabei o primeiro ano da licenciatura e entrei na Sata Internacional como Comissário de Bordo. Inspirado pelos cockpits dos Airbus A320/A310, pelas viagens e pelo estilo de vida, decidi então avançar para o Curso de Piloto de Linha Aérea convencido de que seria por ali que o universo me queria levar.
Numa tarde de visita ao Aérodromo de Tires, acompanhado pelo meu pai, eis que surge o primeiro relógio ligado aos aviões. Apaixonei-me por um Astroavia Flieger Cronógrafo que estava exposto na montra da PilotShop local e logo pensei que nada melhor do que um relógio para celebrar o início deste longo voo. Esse Astroavia passou a ser o meu relógio diário. Acompanhou-me em trabalho, naquele ambiente pressurizado, pela Europa fora, Açores, Madeira e pelas Américas. Mas, mais importante que isso, esteve no meu pulso em todos os voos do curso de piloto, a bordo de um Cessna 152, de norte a sul do país e foi testemunha do meu primeiro voo a solo, de uma falha de comunicações e um regresso à pista após a descolagem devido a cheiro a queimado no cockpit.
Passado algum tempo, parte do sonho estava concretizado: as tão desejadas asas de piloto, resultado de muito esforço e dedicação. E como os relógios são, muitas vezes, registos de conquistas e sucessos, os meus pais, que foram os grandes financiadores deste sonho, ofereceram-me um relógio para celebrar o feito. O modelo escolhido foi um Citizen Eco-Drive Promaster Nighthawk Dual Time, bastante famoso entre pilotos dadas as suas características: caixa de 42mm, duplo fuso horário com indicação am/pm, régua de cálculo e o seu sistema de conversão de qualquer tipo de luz em energia que recarrega a bateria, não precisando nunca de ser substituída.
O Astroavia passou a ter menos tempo no pulso, quase como missão cumprida e agora era tempo de dar oportunidade ao novo relógio para construir a sua própria história. E esta começou com um telefonema de um grande amigo, colega de curso, a perguntar-me se o queria acompanhar na aventura de ir voar ‘aviões grandes’ para Lagos, na Nigéria. Significava largar o trabalho, o país, a família e a namorada (que se tornaria mais tarde minha mulher) e ir viver para um país completamente diferente, onde os níveis de segurança não eram os melhores.
Como o sonho comanda a vida, não hesitei e aceitei. A ideia de ter o meu primeiro emprego como piloto, transportar passageiros e voar um dos meus aviões preferidos (o Boeing 737) fazia-me esquecer todo o desconhecido que me esperava por terras africanas. E assim foi. Depois de meses de idas à embaixada e de formação intensa, foi altura de fazer as malas e embarcar para uma nova etapa acompanhado de apenas um relógio, o Citizen.
Foi um ano e meio de crescimento, cheio de aventuras e histórias para contar. Voar pelos céus Africanos era completamente diferente comparado ao que estava habituado. Mas se há algo em comum entre todos os pilotos, independentemente da língua, religião ou cor, são os relógios e ali com o tempo quente e húmido, é preciso um verdadeiro tool watch. O Citizen, como era esperado, portou-se à altura e acumulou horas de voo preciosas para que pudesse aspirar a outros horizontes. Naquela altura apercebi-me que os relógios têm uma espécie de aura à volta deles, quando os olhamos, recebemos memórias de momentos marcantes de quando os tínhamos no pulso. No caso do Citizen faz-me lembrar os reencontros de alegria com a família no aeroporto, bem como as despedidas chorosas nas alturas de partir. Relembra-me as tempestades típicas daquela zona, as horas sem eletricidade, sem poder ligar à família, como as horas de voos passadas dentro daquele cockpit e algumas situações mais exigentes, como voar sem radar meteorológico no meio de mau tempo e com o sol a pôr-se ou regressar ao aeroporto de partida com problemas no trem de aterragem com bombeiros à nossa espera.
Oris Big Crown Pointer Date TAP Heritage
Mas como disse Henry Ford, «Lembre-se que o avião descola contra o vento e não a favor dele» e assim bons ventos de frente viriam a soprar para uma nova descolagem. Uma oportunidade de regressar ao meu país e ingressar na companhia de Bandeira tornou-se uma realidade em janeiro de 2014. Depois de ultrapassados os exigentes testes de acesso esperava-me uma formação longa e mais exigente ainda.
Completada essa fase e ao vestir a farda com tremendo orgulho, crescia em mim a vontade de comprar um novo relógio. Mas não poderia ser um relógio qualquer. Queria que simbolizasse todo o meu percurso, todo o meu esforço e do que abdiquei para chegar onde cheguei. Teria de ter um máquina de qualidade superior, que fosse de uma marca de prestígio e com história. Vários modelos surgiram na minha cabeça — o inevitável Breitling Navitimer, o Rolex GMT, o IWC Big Pilot ou o Mark XVIII, o Polerouter da Universal Genève, ou mesmo o Zenith Pilot Type 20. Apesar de serem modelos distintos e cada um com a sua história procurava algo diferente. Não queria algo tão óbvio.
Quatro anos se passaram, ainda sem relógio e com muitas dúvidas acumuladas, recebo no e-mail a notícia do lançamento de um relógio em edição limitada celebrando o passado e o futuro da TAP. Era um Oris Big Crown Pointer Date TAP Heritage, fundo preto, com o logo vintage, que por sinal é o meu preferido, e com a extremidade do ponteiro dos segundos pintada com as cores da companhia. Um relógio de piloto lindo e único. A história e os valores da Oris, do modelo que data de 1938, e o facto de não ser um relógio óbvio como primeira escolha de um piloto fez com que não pensasse duas vezes para o reservar. A oportunidade de gravar o meu nome na caixa e escolher o número de entre as 320 unidades fez com que tivesse ainda mais certezas que aquele era o ‘tal’ relógio que ambicionava.
Depois de meses de espera, o tão desejado dia chegou. Num dia luminoso de dezembro no Museu do Ar em Pêro Pinheiro, rodeado de história aeronáutica e muitos pilotos, realizou-se a cerimónia de entrega do Oris TAP. Com o anfiteatro decorado a rigor, recebi o meu relógio pelas mãos da co-CEO da Oris, Claudine Gertiser, o que tornou o relógio ainda mais especial e o dia memorável.
A partir desse dia despertou ainda mais em mim a admiração pela Oris e foi com esse relógio que fui pela primeira vez a Basileia, para a Baselworld 2019, onde fui tão bem recebido tanto pela Claudine, como por toda a equipa no stand da marca. Com esse relógio tornei-me com muito orgulho, presidente do Oris Social Club Lisboa, um clube oficial criado este ano que pretende juntar todos os apaixonados pela Oris.
E, por fim, é o Oris TAP Heritage que me acompanha por esses céus e países fora. É o relógio que irá fazer as mesmas horas de voo que eu até que um dia pendure as asas de piloto. Sem dúvida que será o relógio que servirá de exemplo para os meus filhos, com alguns dos valores que lhes irei passar: de que devemos perseguir os nossos sonhos sem nunca deixar que nos digam que é impossível, que pensar em grande dá o mesmo trabalho que pensar pequeno e que os vencedores são os sonhadores que nunca desistem. Será o relógio contador de inúmeras histórias de voos, dos desafios de pilotar aviões e da beleza que é voar, pois, como se costuma dizer, só quem voa entende por que razão os pássaros cantam.
Sobre o leitor convidado:
Luís Baptista
Piloto de Linha Aérea, 33 anos, um apaixonado por Aviões e Relógios. Adora conhecer novos lugares e pessoas. Ler é outro dos seus interesses e não perde uma oportunidade de se reunir com os amigos à volta de uma mesa acompanhado de uma boa conversa. A família é o seu refúgio, onde encontra o equilíbrio e a paz para fugir à vida agitada entre os hobbies e as viagens.
Instagram: @airbaptista
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