Porsche Design 1919 Collection: estilização funcional

EdT55 — A filosofia técnica e estética preconizada por Ferdinand Alexander Porsche há muito que ultrapassou o âmbito automobilístico para representar um conceito estilístico verdadeiramente abrangente, destacando-se a sua aplicação na coleção relojoeira sob a chancela da Porsche Design. A nova linha 1919 apresenta-se como a mais apurada demonstração desse estilo — e talvez personifique a corrente Bauhaus mais do que qualquer outro modelo na história da marca.

Originalmente publicado no número 55 (verão 2016) da Espiral do Tempo.

Porsche Design Timepieces AG
Secretária de trabalho de Ferdinand Alexander Porsche. © Espiral do Tempo / Miguel Seabra

Com a sua marcante arquitetura moderna, será a nova linha 1919 da Porsche Design uma das mais perfeitas extensões do espírito Porsche preconizado por Ferdinand Alexander Porsche? Da autoria do Professor, o design do lendário 911 de 1964 manteve-se sempre consistente ao longo das décadas para se transformar num clássico que é paradoxalmente intemporal, mas de permanente mutação, com as constantes atualizações a nunca perderem o espírito inicial. Sentindo a força desse conceito inspirado pela corrente Bauhaus, o próprio Ferdinand Alexander Porsche fez questão de, já na década de 70, aplicar igualmente os princípios do funcionalismo definidos por Walter Gropius em 1925 a uma bem-sucedida linha de produtos vanguardistas — onde a forma e a função se fundem de maneira ideal através do atelier Porsche Design fundado em Zell am See, a localidade nos Alpes austríacos onde a família Porsche costumava passar férias.

Dizia Walter Gropius que «qualquer coisa é definida pela sua essência; para a desenhar de modo a que funcione bem — um recetáculo, uma cadeira, uma casa —, a sua essência deve ser primeiramente explorada; deve servir o seu objetivo na perfeição, ou seja, preencher o seu desiderato com pragmatismo e ser durável, acessível no preço e belo». Como se pode constatar, a questão do preço é relativa — porque, hoje em dia, um bom design é um valor acrescido e normalmente faz-se pagar bem. E Ferdinand Alexander Porsche, afetuosamente conhecido por ‘Butzi’ ou ‘Ferdi’, tinha a perfeita noção de que a qualidade tem o seu preço. Tanto nos automóveis saídos de Estugarda como nos produtos saídos do atelier Porsche Design — a marca que o Professor quis tornar na primeira linha de acessórios de luxo para o homem, começando logo por relógios inovadores que fizeram história (sobretudo o primeiro cronógrafo totalmente preto e o primeiro relógio em titânio).

Chronograph 1, Titan Chronograph
Chronograph 1, de 1972 e Titan Chronograph, de 1980. © Porsche Design

Na década passada, ainda antes da morte de Ferdinand Alexander Porsche (ocorrida em 2012), mas ainda com a aprovação do Professor, a Porsche Design surpreendeu com o lançamento de um modelo que era não só estruturalmente diferente na conceção estética como dotado de um calibre mecânico com complicação GMT particularmente inteligente — o Worldtimer aliava a forma à função num instrumento do tempo de grandes dimensões que estava vocacionado para os viajantes modernos apreciadores de um estilo depurado. Esse estilo, vanguardista, assentava na combinação de formas cilíndricas e lineares, com um grafismo no mostrador que sublinhava o carácter funcional do relógio. O visual escurecido é caraterístico da Porsche Design e implementado tanto pela utilização do titânio na caixa como da borracha vulcanizada na bracelete.


Do Worldtimer ao 1919

1919 Collection
Worldtimer P’6750 © Espiral do Tempo / Nuno Correia

O Worldtimer surgiu intimamente identificado com a filosofia da Porsche Design, tornando-se igualmente uma montra do que a marca era capaz de fazer sem necessitar da habitual conotação direta com as corridas ou com o universo automóvel que os cronógrafos proporcionam. Mas… o design, impactante e minimalista, remetia não só para a corrente Bauhaus como fazia recordar, de certo modo, a combinação de curvas e retas do Porsche 356 da década de 50. A sua força, além das imponentes dimensões (45 mm de diâmetro por 16,8 de espessura) tão em voga na altura, advinha sobretudo das asas estilizadas que terminavam numa barra transversal à qual foi acoplada uma bracelete em cauchu.

1919 Collection
1919 Collection Datetimer Series © Porsche Design
1919 Collection
1919 Collection Globetimer Series © Porsche Design

O reestruturamento da Porsche Design enquanto companhia relojoeira (rebatizada Porsche Design Timepieces AG) efetuado nos últimos dois anos passava obrigatoriamente pelo aproveitamento da estética do Worldtimer — assente numa caixa de construção particularmente complexa, sobretudo devido à curvatura das asas e à dificuldade de polimento na zona entre a caixa e as asas. As proporções do Worldtimer foram redimensionadas pelos estilistas do Porsche Design Studio em Zell am See (Áustria) para um diâmetro de 42 mm mais consensual e, sobretudo, mais confortável, mas sem perder a personalidade e o brilhantismo das linhas identificativas. A apresentação da nova gama concebida a partir da sede da companhia, em Solothurn (Suíça), foi feita no final de 2015, sob a nova designação 1919. E, na edição deste ano de Baselworld, foram revelados os expetáveis desenvolvimentos através de múltiplas declinações das variantes Datetimer e Globetimer, acompanhadas do cronógrafo Chronotimer.

1919 Collection
1919 Collection Datetimer Eternity Black Edition Series © Porsche Design
1919 Collection
1919 Collection Chronotimer Series © Porsche Design

«A nova coleção une o passado e o futuro», explicou Christian Kurtzke, presidente e CEO do Grupo Porsche Design. «Homenageamos o estilo Bauhaus enquanto elemento primordial do ADN da nossa marca e celebramos o seu centenário, a acontecer em 2019». As origens da corrente Bauhaus até têm mais de um século e remontam ao Instituto das Artes Decorativas e Industriais fundado pelo arquiteto belga Henry Van de Velde em Weimar, no ano de 1901, sendo forçado a demitir-se e a nomear como sucessor o alemão Walter Gropius, com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Após a conclusão do conflito, o instituto foi rebatizado Staatliches Bauhaus, em 1919, e mais tarde, já a partir de Berlim, rapidamente se transformou numa das mais influentes escolas de design do século XX.


A corrente Bauhaus

1919 Collection
Convite, por Herbert Bayer, para a inauguração do edifício Bauhaus projetado por Walter Gropius (1926).

O termo «bauhaus» (de origem alemã, composto pelas palavras «bau», «construção», e «haus», «casa») passou, então, a designar uma corrente estética concetual que cortou com tudo o que se fazia anteriormente para estabelecer os alicerces do design moderno, contemporâneo e vanguardista. A sua visão universalista não era do gosto do partido nazi, que fechou a Escola. Ironicamente, acabou por contribuir para a disseminação da corrente — já que os seus professores e membros emigraram para se radicarem em Inglaterra e nos Estados Unidos. O princípio da Bauhaus era industrial, segundo Walter Gropius: «O objetivo de qualquer atividade plástica é a construção; arquitetos, escultores e pintores devem regressar ao trabalho artesanal, porque não existe uma arte profissional. Não existem diferenças entre o artista e o artesão. Devemos desejar, idealizar e conceber todos juntos a nova construção do futuro».

1919 Collection
(Da esquerda para a direita) Beat the Whites with the Red Wedge (1919) por El Lissitzky; Cadeiras Wassily por Marcel Breuer (1925/26). © Kai ‘Oswald’ Seidler; Typografia por Herbert Bayer, nos workshops da Bauhaus, em Dessau (2005).

A linha 1919 da Porsche Design é, seguramente, uma construção vanguardista. Difere do design integrado que, na década de 70, estabeleceu as fundações da relojoaria moderna com as suas caixas com braceletes/correias integradas — por oposição às caixas com asas tradicionais. A própria Porsche Design assentava os seus primeiros modelos históricos num design muito integrado; o Worldtimer, numa primeira instância, e a recém-criada linha 1919, a partir do ano passado, vão além disso — daí capturarem ainda mais eficazmente o espírito reformista da escola Bauhaus em diversas ramificações. A escolha pelo titânio, com todas as suas propriedades de leveza, de rigidez, anticorrosivas e antialergénicas, é igualmente emblemática.

1919 Collection
1919 Chronotimer Titanium & Rubber © Espiral do Tempo / Paulo Pires

A variante Datetimer Series 1 assenta em várias versões de um relógio automático essencial com três ponteiros (horas, minutos, segundos) e data motorizado pelo calibre Sellita SW 200, dotado de mostrador em preto-mate com grafismo branco contrastante e bem legível sob um vidro de safira antirreflexo, com uma caixa em titânio escurecido ou não, acompanhado de bracelete em cauchu ou metálica.

1919 Collection
1919 Datetimer Eternity Black Edition Black & Rubber © Espiral do Tempo / Paulo Pires

A linha 1919 Globetimer Series 1, dotada de um calibre Sellita SW 330, é uma extensão do Datetimer, mas com a adição de um ponteiro suplementar para a indicação de um segundo fuso horário (indicado numa escala de 24 horas) no mostrador, com a indicação das cidades representativas de todos os 24 fusos.

1919 Collection
1919 Globetimer Series 1 All Black © Porsche Design

Na sequência do Datetimer e do Globetimer, o Chronotimer surge como complemento lógico, com a integração de um movimento cronográfico e consequente adaptação da caixa (com botões de forma) e do mostrador (com os totalizadores numa disposição tricompax vertical), declinado nas mesmas versões em titânio e titânio preto. Afinal de contas, o primeiro relógio da Porsche Design foi um cronógrafo.

1919 Collection
1919 Chronotimer Titanium & Rubber, fundo. © Espiral do Tempo / Paulo Pires

E depois há um modelo em específico que se destaca claramente de todos os outros, um relógio verdadeiramente apelativo com um delicioso perfume rétro que nos remete diretamente para meados do século XX e que evoca, ainda com maior perfeição, uma amálgama da corrente Bauhaus, do espírito de Ferdinand Alexander Porsche e das linhas do Porsche 356: o 1919 Datetimer Eternity Brown (existem versões Black). Este modelo junta um mostrador fumado a uma serigrafia também em tons vintage — complementados por uma correia castanha em pele de crocodilo. Os algarismos e os indexes aplicados são feitos à base de cerâmica. Um instrumento do tempo original que representa uma autêntica viagem no tempo das ideias e dos conceitos… e que, tanto ou mais do que os restantes elementos da nova família 1919, tem o condão de colocar no pulso um concentrado da história do design. ET_simb

1919 Collection
1919 Datetimer Eternity Brown © Porsche Design

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