KonTiki: da epopeia para o pulso

Líderes de opinião e objetos de culto: muitas vezes, por trás de um grande relógio está uma grande personalidade. Como acontece com a linha KonTiki, da Eterna, e o explorador Thor Heyerdahl — que protagonizou uma épica saga em 1947, recentemente avivada por um filme nomeado para os Óscares. E, no ano em que comemora o 65.º aniversário sobre o lançamento da sua mais emblemática linha, a Eterna apresentou o sexto diferente modelo sob a égide do KonTiki no atual catálogo da marca.

Publicidade vintage alusiva ao Kontiki da Eterna.

O primeiro homem no topo do Evereste e o primeiro homem na Lua tiveram a acompanhá-los relógios que se tornaram lendários. O Rolex Explorer e o Omega Speedmaster tornaram-se ícones da relojoaria, beneficiando muito da pujança das respetivas marcas. A Eterna não é tão conhecida e atualmente nem tem representação em Portugal, mas também tem o seu ícone: o KonTiki.

O relógio Kontiki da Eterna no pulso, com dunas como fundo..

A Eterna teve um papel determinante na história da relojoaria moderna com o primeiro alarme de pulso em 1908 e o desenvolvimento do rolamento de esferas para o rotor dos mecanismos automáticos em 1948, sendo que a sua própria história está intimamente ligada a um destemido explorador que não só rubricou uma das mais extraordinárias expedições do século XX como também deu origem a toda um gama de relógios desportivos que ajuda a perpetuar essa façanha no tempo. O recente filme KonTiki deu a conhecer tão admirável saga às novas gerações ao mesmo tempo que reaviva muitas memórias — incluindo a minha.

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Li o livro de Thor Heyerdahl sobre a viagem do KonTiki quando era muito jovem e o relato capturou para sempre o meu imaginário. Por essa razão sempre dei muita importância à linha KonTiki da Eterna a partir do momento em que alarguei a minha atividade jornalística do ténis para os relógios, ainda na década de 90. Thor Heyerdahl foi tão ou mais importante na minha juventude do que Sir Edmund Hillary ou Neil Armstrong e merecia ter tido a mesma fama desses dois. Foi votado ‘Cidadão Norueguês do Século’ em 1999 e partiu para o Valhalla (o paraíso dos heróis e deuses vikings) em 2002, vítima de um tumor cerebral. Tinha 87 anos quando morreu no retiro de família em Colla Michari (Itália); a sua terceira mulher, Jacqueline, revelou então que o irrequieto explorador nórdico havia efectuado mais de 70 voos ao longo do ano precedente…

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Nem a doença ou o espectro da morte o impediram de fazer o que mais gostava. Thor Heyerdahl foi um dos mais famosos viajantes da história da humanidade, nunca desdenhando um arrojado desafio e empenhando-se pessoalmente na confirmação das suas teorias. Não conseguia estar parado: mesmo após a operação ao cancro prosseguiu com as suas pesquisas, palestras e debates — gerindo da melhor maneira a fama alcançada na sequência de uma inesquecível aventura ocorrida na década de 40: a saga do KonTiki, perpetuada através de um livro traduzido para 66 idiomas e uma linha de relógios que continua a fascinar os especialistas.

Dois relógios Eterna KontiKi em fundo branco.

O curioso é que o homem que enfrentou a fúria dos mares numa embarcação propositadamente rudimentar só deixou de ter medo da água aos 22 anos, quando caiu a um rio no Taiti e foi forçado a nadar até ficar a salvo. O receio tinha fundamento; enquanto criança, o escandinavo quase se afogou duas vezes na sua cidade natal de Larvik! Mas isso não o impediu de se tornar mais tarde num reputado cientista e etnólogo. O ponto de partida da odisseia que o tornou famoso ocorreu quando Thor Heyerdahl constatou que a figura de Tiki (‘filho do sol’), adorada pelas gentes da Polinésia e omnipresente nas tradições locais, tinha grandes semelhanças mitológicas com as lendas patentes em velhos manuscritos incas acerca de KonTiki (‘deus do sol’); na altura, acreditava-se que os ancestrais dos polinésios eram oriundos da Ásia Central, pelo que a teoria que atribuía a sua ascendência aos incas causou polémica na comunidade científica…

O mapa da expedição KonTiki

Para confirmar essa tese migratória, o norueguês fez questão de mostrar ao mundo que uma tão longa viagem seria possível. Seguindo os princípios pouco sofisticados da época dos incas, construiu uma balsa batizada com leite de coco e com a imagem de KonTiki a adornar a vela. Rodeada de grande alarido, a expedição saiu do porto de Collao (no Peru) em 26 de abril de 1947 e atravessou mesmo o Pacífico na tal simples jangada de madeira com apenas 14 metros… chegando ao destino 7.600 quilómetros e 101 dias depois!

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Entre os poucos utensílios ‘modernos’ usados pela equipa estavam os relógios Eterna, especialmente comissionados pelo líder da missão e manufaturados segundo rigorosos parâmetros de estanqueidade e fiabilidade. Thor Heyerdahl não queria um cronómetro marítimo que precisasse de corda manual e cujas volumosas dimensões poderiam fazê-lo cair da jangada; resolveu contactar o dr. Rudolf Schild-Contesse, então diretor da Eterna, e apresentou as especificações dos instrumentos desejados. Foi feita uma pequena série — projeto que nasceu com o adequado nome de KonTiki e que em 1958, há exatamente 55 anos, passou a ser uma linha regular no catálogo da manufatura de Grenchen.

Cinco esferas para um símbolo

Desde que John Harrison resolveu o problema da longitude com o recurso à relojoaria — criando os primeiros cronómetros marítimos no século XVIII — que todas as viagens no mar assentam na fiabilidade de relógios, fundamentais para a localização no espaço e no tempo em condições adversas. Thor Heyerdahl não queria um cronómetro marinho de grandes dimensões que se tornasse incómodo em tão pequena embarcação e optou por robustos modelos de pulso com toda a propriedade: a tripulação do KonTiki enfrentou as mais duras provações, desde ondas de mais de cinco metros a ataques de tubarões-baleia…

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A opção pela manufatura suíça Eterna provou ser a ideal. Fundada em 1856 por Josef Girad e Urs Schild, posteriormente comprada pela família Porsche (a Eterna tem o licenciamento para conceber os relógios Porsche Design) e recentemente integrada num grupo (Haidian China) do qual também passou a fazer parte a Corum desde abril, começou por se especializar em relógios com alarme mas marcou decisivamente a indústria relojoeira com a invenção do sistema de rolamento de esferas que otimizou os mecanismos automáticos — facilitando a rotação da massa oscilante (rotor) que permite dar corda aos relógios automáticos através do movimento do pulso do utilizador. Essa simples solução possibilitava um melhor armazenamento da corda, oferecia melhor resistência aos choques e proporcionava maior longevidade ao mecanismo, sendo imediatamente adotada pela generalidade da indústria. Para vincar bem as suas credenciais, a manufatura sediada em Grenchen passou a ostentar um logotipo com cinco esferas, batizando de Eterna-Matic a coleção que abrangia os seus relógios automáticos. Foi precisamente a reputação da Eterna e a excelência dos seus mecanismos que seduziram Thor Heyerdahl.

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Após a concretização do feito, o norueguês não mais parou. Escreveu um best-seller sobre a história da viagem que posteriormente foi a base para um documentário galardoado com um Óscar e para o recente filme candidato a Óscar e a Globo de Ouro de melhor película estrangeira em 2012. Como não podia deixar de ser, Thor Heyerdahl não se ficou pelo KonTiki e liderou outras expedições a bordo de balsas (Ra, Ra II, Tigris); nos intervalos das suas aventuras, também passava o tempo a viajar — especialmente entre a sua villa romana comprada e restaurada na década de 50 em Colla Michari e a sua outra casa na ilha de Tenerife.

Do vintage ao contemporâneo

Mas foi a saga do KonTiki que capturou a imaginação do Planeta e de tantos leitores… como sucedeu comigo. O sucesso da expedição correu mundo e granjeou excelente reputação ao aventureiro nórdico e à manufatura Eterna, que desde o final da década de 50 tem desenvolvido na sua coleção uma linha mais desportiva e adequadamente batizada KonTiki com reputadas caraterísticas à prova de água.

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Sempre com a silhueta do KonTiki no fundo, os modelos foram variando ao longo das últimas décadas e surgiu mesmo uma série de mergulho apelidada Super KonTiki. Houve também o KonTiki 10 e o KonTiki 20, mas entre os exemplares mais conhecidos encontram-se os originais de 1958 com indexes luminescentes triangulares que inspiraram os atuais KonTiki Automatic (com janela para a data) e KonTiki Four Hands (com ponteiro para a data), a reedição 1958 e o mais recente Heritage Super Kon-Tiki 1973 que replica o modelo de mergulho desse ano e que me orgulho de ter na minha coleção.

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Sou um grande admirador dos relógios dos anos 70 e o Super KonTiki 1973 é um notável exercício de estilo digno que replica o original dessa época que chegou a ser adotado pelos serviços secretos israelitas (não, não sou da Mossad…). Para mais, vem equipado com uma fabulosa, maleável e confortável bracelete em malha de aço tipo milanaise com um sistema de fecho muito parecido com o dos cintos de segurança dos automóveis… nem sei como é que não há mais marcas a adotar a mesma solução!

O relógio Eterna Kontiki

Mas, se gosto muito do meu Super KonTiki 1973, também aprecio particularmente os modelos da coleção regular que são reminiscentes da primeira geração KonTiki das décadas de 50 e 60 com a tal marca estética inconfundível: os triângulos no mostrador às 12, 9, 6 e 3 horas, que também estão presentes na versão cronográfica. Tenho um KonTiki Date de mostrador preto com bracelete em aço e tenho andado a testar a versão com mostrador azul; o centro do mostrador replica o atol de Raroia onde o KonTiki encalhou no final da travessia.

O relógio Eterna KonTiki

Esses triângulos e a topografia de Raroia não estão presentes no mais recente modelo sob a chancela KonTiki: o Royal KonTiki, uma versão de aparência mais desportiva que também inclui elementos de um outro modelo dos anos 70 e que é o primeiro relógio da marca equipado com o novo calibre de manufatura com Spherodrive, mais precisamente o calibre 39 na sua variante 3945A dotada de segundo fuso horário (prevêem-se 88 variantes distintas a partir do mesmo calibre de base, numa excelente aposta industrial iniciada em 2007).

O calibre do relógio Kontiki da Eterna

Face a uma concorrência feroz de marcas caras que apostam em maciças campanhas de marketing, a Eterna mantém a sua discrição e elevados parâmetros de qualidade a um preço muito razoável. Em particular, a linha KonTiki torna-se especialmente atrativa pela sua conotação histórica e acrescido valor de coleção…e vale mesmo a pena ir à procura do filme para ver a perigosa saga de Thor Heyerdahl e dos seus companheiros, também eternizada no tempo pela… Eterna. ET_simb

Eterna Kontiki

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