Reverso 85 anos: geometria descritiva

Em Le Sentier — Qual é o reverso da medalha para um ícone a caminho de ser nonagenário? A permanente renovação e a constante melhoria que tanto contribuíram para o seu estatuto intemporal. No 85.º aniversário do Reverso, a Jaeger-LeCoultre reorganizou a coleção dedicada ao lendário modelo geométrico de caixa reversível, e fomos à sede da Manufatura analisar de que maneira passou esta a estar estruturada.

Originalmente publicado na edição impresa da Espiral do Tempo 56 (outono de 2016).

Imagem de abertura: Designer a trabalhar num esboço do novo Reverso Tribute Gyortourbillon © Johann Sauty

A história da relojoaria está pejada de modelos que foram transportados para a lenda devido ao seu design, à sua personalidade e também à própria marca que os idealizou — um conjunto de fatores tangíveis e intangíveis por vezes difícil de explicar, mas que se pode traduzir, em última instância, num termo singular: carisma. E o grande desiderato de qualquer companhia relojoeira que se preze é precisamente conceber relógios que consigam capturar o imaginário dos aficionados e ultrapassem o teste do tempo para se tornarem ícones reconhecíveis em qualquer pulso.

85 anos Reverso
Reverso One Cordonnet, de 1936, que inspirou o novo modelo lançado em 2016 | © Johann Sauty

Ao cabo de um século de relojoaria portátil e com tantas manufaturas a concorrerem entre si, há muitos ícones representativos do que melhor se fez e se faz no setor aos mais diversos níveis — mas no patamar mais elevado não há tantos modelos lendários como isso. E o Reverso é seguramente um deles. Pela ideia (tida por um oficial britânico que jogava polo na Índia e queria proteger o vidro do relógio), pelo conceito (desenvolvido consecutivamente por César de Trey, Jacques-David LeCoultre, Edmond Jaeger e Alfred Chavot), pela estética (influenciada pela corrente art déco), pela autoria (a Jaeger-LeCoultre), pela longevidade (desde 1931), pela redenção (após a crise do quartzo nos anos 70, foi o distribuidor italiano Giorgio Corvo que não o deixou ‘morrer’), pela capacidade de ser interpretado e reinterpretado sem nunca perder a sua essência desde que a patente 712.868 de 4 de março de 1931 registou «uma caixa de aço inoxidável, suscetível de deslizar no seu suporte e poder dar a volta completamente sobre si mesma».

85 anos Reverso
Reverso Tribute Calendar, 2016 | © Jaeger-LeCoultre

No ano do 85.º aniversário do Reverso, a Jaeger-LeCoultre resolveu aparar as ramificações contemporâneas da rica árvore genealógica do modelo para as tornar mais percetíveis no âmbito de uma coleção que se tornou eclética ao longo dos últimos 25 anos — tanto no plano estético, como no da complexidade mecânica. Passa a haver o Reverso Classic para homem e senhora, que inclui versões automáticas e abarca as novas versões Louboutin nos modelos Duoface e Duetto; o Reverso Tribute, que mergulha nas suas raízes históricas e também inclui os excelentes Duoface, Calendar e Gyrotourbillon; e o Reverso One exclusivamente de senhora com a sua forma alongada. Para uma melhor explanação do mito reversível e do modo como o Reverso passa a estar declinado, consultámos Janek Deleskiewicz, diretor artístico da marca, e Stéphane Belmont, o diretor de criação e marketing que praticamente nasceu no seio da manufatura por ser filho do antigo presidente, Henry-John Belmont.

Dandy e designer

85 anos Reverso
Janek Deleskiewicz | © Espiral do Tempo / Nuno Correia

Foi precisamente Henry-John Belmont a convidar Janek Deleskiewicz para um primeiro debate sobre o futuro da marca, em 1987. «Na altura, ainda na ressaca da crise do quartzo que afetou a indústria, a Jaeger-LeCoultre não estava com uma saúde financeira ideal, mas os acionistas (o grupo Mannesmann) eram pró-ativos e apoiavam a marca por acreditarem nela. Nas nossas primeiras avaliações, senti ser necessário arranjar um novo fôlego para soprar as brasas que ainda estavam incandescentes e reacender o fogo sagrado da Jaege-LeCoultre; recuperámos todos os planos, todos os rascunhos e todos os desenhos dos arquivos — e começámos com o Reverso e depois com a linha Master», recorda o designer francês de ascendência polaca que é encarado no mundo da relojoaria como alguém de fino trato e trajar irrepreensível.

85 anos Reverso
Reverso, 1931 | © Johann Sauty

«O meu trabalho na altura foi o de assegurar, de maneira estilística, o conjunto dos elementos que existiam quando cheguei na década de 80, mas que remontavam aos anos 30 — e utilizar alternativas. Os códigos genitivos foram conservados, melhorámos os acabamentos da estrutura com decoração», recorda. «É preciso recordar que o Reverso começou na década de 30, e em meados da década de 40 surgiram os primeiros movimentos automáticos verdadeiramente fiáveis que depois foram complementados com diferentes funções — data, segundo fuso horário, alarme — e que a Jaeger-LeCoultre passou a colocar em relógios redondos. Ou seja, as pessoas passaram a seguir e a comprar mais a nova tendência dos modelos automáticos, mas o Reverso manteve-se sempre como bandeira da marca — um produto de imagem forte com uma herança que vem desde a eclosão do movimento art nouveau e utilização do aço, no final do século XIX, até aos elementos art déco. A caixa retangular e as três estrias constituem um forte elemento estilístico; porque a caixa era reversível, com o Henry-John Belmont tivemos a ideia de utilizar as duas faces do relógio para apresentar dois mostradores».

85 anos Reverso
Designer a trabalhar num esboço do novo Reverso Tribute Calendar, anverso e verso | © Johann Sauty

A coleção cresceu com o tamanho: «Na altura, não havia um tamanho maior, apenas médio — e pensámos numa caixa um pouco maior que pudesse acolher complicações… no seio da relojoaria, dominar-se as complicações relojoeiras é importante. No nosso plano de desenvolvimento, planeámos a introdução faseada de modelos complicados: turbilhão, repetição minutos, calendário perpétuo, cronógrafo e o Duoface. O primeiro modelo complicado que fizemos, para o 60.º aniversário do Reverso em 1991, serviu-nos de base — utilizámos um tamanho que apelidámos «grande taille» e que, na altura, parecia grande, mas que não era tão grande como isso. Lançámos esses modelos de dois em dois e tivemos grande sucesso, mesmo que o preço fosse significativamente maior comparativamente com os Reverso ‘normais’. Mostrámos ter um produto único que não podia ser imitado e provámos que a manufatura estava de boa saúde; quando o grupo Richemont adquiriu a marca já a sede da manufatura tinha crescido, mas ficámos com meios para ir muito mais longe e otimizar não só a equipa como um notável património histórico».

85 anos Reverso
Reverso Grande Complication à Triptyque, Special Jury Prize no Grand Prix d’Horlogerie de Genève, em 2007 | © Jaeger-LeCoultre

A partir dessas séries limitadas, nos anos 90, ficou relançada em força a lenda do Reverso, que a meio da década passada conheceu uma nova dimensão com o recurso a um segundo design original de 1931, de linhas quadradas. Nascia o Reverso Squadra, maior e assente em movimentos automáticos. «As pessoas tinham um estilo de vida mais dinâmico e colocámos em evidência funções como um segundo fuso horário, cronógrafo e worldtimer numa caixa quadrilátera mais volumosa e de caraterísticas mais contemporâneas. Também lançámos uma caixa retangular maior — mas, entretanto, a crise de 2009 provocou um retorno ao classicismo e a eclosão do mercado asiático exigiu tamanhos mais pequenos ou médios; ou seja, reapareceu em força o Reverso tradicional, com a inspiração vintage de 1931».

85 anos Reverso
Reverso Squadra World Chrono (verso), de 2006 | © Jaeger-LeCoultre

Com tantos tamanhos e a multiplicação de variantes surgiu a necessidade de disciplinar a linha, refere Janek Deleskiewicz. «Reformulámos a coleção, mas mantendo o estilo ao mesmo tempo. Quando redescobrimos o Reverso no final da década de 80, tínhamos o tamanho clássico e o mais pequeno que havia sido criado em 1981; à passagem do milénio, tínhamos os tamanhos small de senhora, medium original e large (grande taille); depois, veio o XGT. A grande maioria procurava os três primeiros tamanhos e, se nos lançássemos numa oferta infinita, não poderíamos ter a mesma consistência de fiabilidade e qualidade; poderíamos oferecer relógios quase a pedido, mas já fazemos séries especiais. Nesta remodelação, guardámos a geometria de sempre do Reverso, mas tornámos a estrutura da caixa um pouco mais ergonómica, porque a base era plana; agora, para além de ter um melhor acabamento decorativo, acompanha melhor o pulso. Isso é evidente na evolução do tamanho e da ergonomia da versão mais complicada: o novo Reverso Tribute Gyrotourbillon (Gyrotourbillon 4) é bem mais pequeno e fino do que o Reverso Gyrotourbillon 2».

85 anos Reverso
Atelier Reverso nas boutiques Jaeger-LeCoultre | © Johann Sauty

Outra novidade na coleção prende-se com as edições Atelier Reverso: «Para além da possibilidade de gravação e ilustração no verso do Reverso que sempre existiu, há algum tempo que tínhamos um projeto relacionado com personalização e edições limitadas para apresentar aos clientes. Com o conceito Atelier Reverso, pode-se oferecer um mostrador diferente e personalizar com correias distintas. Perguntámo-nos se teríamos legitimidade histórica para algo do género; achámos que sim do ponto de vista técnico, mas nem tanto sob o prisma fashion — porque não fazemos moda, fazemos um objeto industrial que se aguenta bem do ponto de vista estilístico, e queríamos algo mais forte no plano da moda. E Christian Louboutin estava à procura de um parceiro para exprimir o que fazia na sua marca — não percebia de relojoaria, foi difícil acertar agulhas… mas o seu conhecimento da matéria evoluiu e compreendeu as restrições existentes. Vamos instalar um Atelier Reverso em cada boutique da marca, com uma parte muito Jaeger, com mostradores Jaeger combinados com cores mais ousadas e escolhas mais audazes sob a chancela Louboutin. Os clientes podem escolher mostradores com pedras ou mais simples, uma correia diferente para combinações mais originais e modernas».

85 anos Reverso
Modelos Reverso por Christian Louboutin, Atelier Reverso | © Jaeger-LeCoultre

Cada ano terá um nome da moda associado ao Atelier Reverso. É mais uma etapa na história do lendário modelo reversível que já teve mil e uma faces. «É interessante constatar que o Reverso nasceu como relógio desportivo e hoje é um relógio de dandy», diz. Já agora, Janek Deleskiewicz usa invariavelmente um Reverso: «Gosto muito do novo Tribute Duoface porque é um relógio com um conceito que nos deu algo no passado; usámos o movimento e juntámos-lhe a função, é um relógio de tamanho razoável e gosto do mostrador azul no verso».

Reverso Tribute Duo
Reverso Tribute Duo | © Jaeger-LeCoultre

Nascido na Manufatura

85 anos Reverso
Stéphane Belmont | © Jaeger-LeCoultre

Stéphane Belmont é, provavelmente, uma das cinco pessoas no mundo que melhor conhece a marca que chegou a ser dirigida pelo seu pai. Salienta que a Grande Maison é uma manufatura definida pelas suas criações relojoeiras, e aceita mesmo que haja produtos que sejam mais fortes do que a própria marca, devido à sua integridade e autenticidade. Como o Reverso. «A forma do Reverso é de tal maneira forte que podemos jogar bastante com os diversos elementos estéticos que o integram; por exemplo, se trocarmos os ponteiros e os indicadores a qualquer exemplar da linha Master, o relógio deixa logo de ser um Master. O Reverso é diferente: primeiro, vemos que é um Reverso e só depois atentamos ao seu conteúdo relojoeiro», sublinha.

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Jaeger-LeCoultre ladies Reverso, de 1931 | © Johann Sauty

O sucesso do modelo reversível no último quarto de século conduziu a variações estéticas, de tamanho e de complexidade. «Havia muitos modelos e muitas ramificações, pelo que tomámos a decisão de racionalizar a coleção — e decidimos concentrar-nos numa coleção clássica com três tamanhos: small, medium e large. Também decidimos puxar pela primeira vez os movimentos automáticos para o formato retangular clássico, depois de os termos usado no Gran’Sport na viragem do milénio e na variante Squadra. Mas, por exemplo, nunca tínhamos usado um movimento automático num Reverso de dois mostradores».

85 anos Reverso
A linha Classic da nova restruturação declina-se em três tamanhos: small, medium e large | © Jaeger-LeCoultre

A força geométrica do Reverso está também ligada aos primórdios da relojoaria de pulso: «O formato retangular foi a lógica encontrada para prender o relógio ao pulso, sendo quase um prolongamento da correia. Há 100 anos, o modelo Santos da Cartier começou por ter um movimento redondo e depois a Jaeger-LeCoultre construiu um calibre retangular para o também retangular Tank. O relógio era considerado um acessório muito elegante e o Reverso beneficiou muito da emancipação das artes. Até que a função se sobrepôs à elegância nos relógios redondos, que na altura conseguiam melhores níveis de estanqueidade, e receberam os primeiros calibres automáticos, que eram precisamente circulares».

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Reverso One High Jewelry | © Jaeger-LeCoultre

Mas o simbolismo do Reverso nunca se perdeu e o seu regresso em força contribuiu para o modo como a manufatura de Le Sentier se afirma: «A Jaeger-LeCoultre é a única marca de alta-relojoaria que tem tanto sucesso entre as mulheres como entre os homens — temos mesmo um rácio de 50/50. Encontrámos o equilíbrio ideal entre o lado relojoeiro, a estética e o design. A partir da associação entre Jacques-David LeCoultre e Edmond Jaeger, todo o savoir-faire que se utilizava para fazer relógios de bolso e desenvolver complicações passou a estar melhor ao serviço do design. Somos capazes de fazer ícones simples sem movimentos complicados e com um preço aceitável, porque o design é tão forte que não sentimos necessidade de o abafar com demasiada complexidade relojoeira. No Reverso, a estética assume grande força e usamos a técnica para apagar a técnica: é esse o segredo da Jaeger-LeCoultre. Mas sem qualquer perda de personalidade quando mostramos ser capazes de ir ao extremo oposto da complexidade relojoeira com o Reverso Tribute Gyrotourbillon», diz Stéphane Belmont.

85 anos Reverso
Reverso Tribute Gyrotourbillon | © Jaeger-LeCoultre

Na afinação da linha Reverso, pequenos detalhes de construção assumem um grande relevo: «Inspirámo-nos no modelo de origem e demos um toque mais anatómico à estrutura de base, como sucedeu no Squadra, para melhor assentar no pulso e que a ligação com a correia seja mais fluída». A variante Reverso Classic, com mostradores pretos ou brancos povoados de algarismos árabes com guilloché ao centro e acabamento escovado no perímetro, apresenta a tal novidade de incluir modelos automáticos: «Fazemos calibres automáticos suficientemente finos e resolvemos aproveitá-los nos Reverso Classic. Os Reverso One apresentam uma forma mais alongada e feminina, que remonta a 1933. Já os Reverso Tribute apresentam um lado mais relojoeiro com índexes em vez de algarismos, acabamentos tradicionais granulados ou ‘guillochados’ no mostrador, ponteiros dauphine, complicações de alta-relojoaria».

85 anos Reverso
A coleção Reverso da Jaeger-LeCoultre foi reformulada em três ramos: One, Classic e Tribute.
| © Jaeger-LeCoultre

Entre os novos modelos apresentados no âmbito do 85.º aniversário, Stéphane Belmont destaca o Reverso One Duetto Moon de senhora e sobretudo o sensacional Reverso Tribute Gyrotourbillon em platina limitado a 75 exemplares. «Queríamos fazer um turbilhão que indicasse os segundos dos dois lados, no anverso e no verso. Deve ser o primeiro em que isso acontece e no conceito do Reverso faz todo o sentido. Não se vê os rolamentos de esfera na caixa do turbilhão — pusemos 36 bolas em cerâmica na periferia do turbilhão.» As duas gaiolas do turbilhão volante biaxial efetuam a respetiva rotação em velocidades distintas: a externa num minuto e a interna em 12,6 segundos. «A espiral manufaturada à mão é semiesférica, para acompanhar o desenho do turbilhão.»

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Reverso One Duetto Moon | © Jaeger-LeCoultre

Um perfeito exemplo de subtileza — tal como o botão integrado na caixa que permite o ajuste do segundo fuso horário nos modelos Duoface ou o acerto de calendário no Tribute Calendar — que traduz bem todo o charme discreto da Jaeger-LeCoultre. ET_simb

85 anos reverso
Pintura da artista Katie Rodgers inspirada no novo Reverso One Duetto Moon. © Katie Rodgers

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