Mesmo que o seu logótipo seja uma coroa naturalmente distintiva da soberania, a reputação da Rolex assenta noutro tipo de coroa — a coroa relojoeira que serve de ponte entre o relógio e o utilizador, para ajustar o tempo ou fazer arrancar o mecanismo. O seu desenvolvimento técnico foi fundamental para a afirmação do relógio moderno e sobretudo para os relógios de mergulho.
No contexto relojoeiro, a coroa representa um interface entre dois mundos — o do relógio e o do utilizador. É através da coroa que se acerta o tempo e se controla um número variado de funções… dependendo do modelo em questão. Mas a coroa é algo mais do que um apêndice funcional: é também uma peça emblemática que serve de cartão de visita de cada marca.
No caso específico da Rolex, a marca que tem precisamente a coroa (mas de outro tipo…) como logótipo, a coroa não só tem um valor simbólico acrescido como está por trás de toda uma premissa técnica. Porque, unida à caixa com fundo rosqueado, a coroa de rosca forma o conceito Oyster — o revolucionário conjunto impermeável patenteado em 1926 e que deu fama à Rolex, alavancando um sucesso que foi depois complementado com o desenvolvimento do movimento automático Perpetual. A tal combinação Oyster Perpetual.
E tudo começou precisamente com a coroa, considerada o ‘calcanhar de Aquiles’ dos relógios — já que era através dela que as nocivas partículas vindas do exterior minavam o mecanismo. Na década de 20, John Harwood chegou a conceber um modelo automático sem coroa; assentava num sistema em que a corda era dada pela rotação da luneta, mas nunca granjeou a desejada unanimidade. Por sua vez, Hans Wilsdorf, mesmo contrariando os seus colaboradores, seguiu teimosamente outra via na Rolex: complementando a concepção de uma caixa monobloco, resolveu o problema das infiltrações através da coroa idealizando um sistema de rosca: a coroa aparafusada de elevada precisão (a sua feitura exige 35 operações) está dotada de um sistema de segurança dupla baptizado Twinlock – ou Triplock para os modelos de mergulho a maior profundidade.
Uma efeméride contribuiu para a aceitação global do conceito de Hans Wilsdorf: a travessia do Canal da Mancha. Quando Mercedes Gleitze se lançou à água em Outubro de 1927, esse acto representou um pequeno mergulho para uma mulher… mas um passo gigante para a indústria relojoeira. O fundador da Rolex tinha conseguido que a intrépida estenógrafa londrina usasse no pulso um relógio de caixa revolucionária e adequadamente apelidada Oyster — que Hans Wilsdorf garantia ser à prova de água. E ficou provado que sim, depois de Mercedes Gleitze ter percorrido a distância entre Cap Gris Nez e Dover em 15 horas e 15 minutos; chegou exausta e sofreu um colapso, mas o seu Rolex Oyster manteve-se intacto, fazendo jus ao nome (Oyster significa ostra, o molusco que se fecha hermeticamente na sua concha), e Hans Wilsdorf não perdeu a oportunidade: fez logo uma página inteira de publicidade na primeira página do Daily Mail.
No ano seguinte, os seus relógios eram apresentados imersos em água nas montras de relojoarias e joalharias. Estava lançada a lenda da Rolex e ficava definitivamente ultrapassado o estigma da vulnerabilidade dos relógios face à água. Em 1935, a Rolex lança uma primeira definição de estanqueidade para os seus relógios: «Impermeáveis à água, ao pó, ao clima tropical, ao gás, ao ar, à neve e fecho hermético assegurado contra qualquer influência exterior nociva ao bom funcionamento». A estanqueidade tornou-se na bandeira da marca desde cedo, tal como o Oyster Submariner se tornou, a partir da sua apresentação em 1953, numa referência incontornável — já que, na altura, um relógio normal usado na humidade de um país tropical tinha uma duração de vida muito curta.
Coroação de um sistema
Hoje em dia, uma caixa Oyster é esculpida num bloco de metal que passa pelo menos por 162 operações; o fundo é enroscado na estrutura principal, tal como a coroa. A coroa destaca-se como centro operacional de cada relógio. Habitualmente localizada à direita e a meio da caixa, serve para acertar o tempo (puxando-se ligeiramente para o exterior) e para dar corda (através da sua rotação) a relógios mecânicos de corda manual ou automática. No entanto, a coroa é mais do que uma simples ferramenta que se utiliza para colocar em marcha várias funções do mecanismo: é também um ex-libris para qualquer marca relojoeira e uma peça emblemática que se torna indissociável de certos modelos…
Na história da Rolex, a coroa já teve diversas dimensões e na, atualidade, pode ou não ser respaldada por ombros protetores consoante o modelo — sendo que essa proteção surge na maior parte dos exemplares da linha Professional, destinados a atividades mais desportivas ou exigentes. E quanto mais exigente é a atividade, mais aperfeiçoado é o sistema de estanqueidade associado à coroa.
Os modelos Oyster atuais dispõem de dois sistemas históricos desenvolvidos pela Rolex e aperfeiçoados até à exaustão. O sistema Twinlock, introduzido em 1953, garante uma perfeita impermeabilidade da coroa rosqueada graças à presença de duas zonas de impermeabilidade, uma no interior do tubo, outra no fundo da coroa. O princípio é utilizado para o conjunto dos relógios Oyster com impermeabilidade garantida até 100 metros. O sistema Twinlock está identificado sobre a face da coroa por um ponto, dois pontos, ou uma barra sob o emblema da Rolex, segundo o material da coroa.
Já o sistema Triplock, introduzido em 1970, comporta duas zonas de impermeabilidade no interior do tubo da coroa e uma terceira no fundo da coroa. Foi desenvolvido para oferecer uma impermeabilidade reforçada aos relógios de mergulho Submariner, Sea-Dweller e Deepsea, com impermeabilidade garantida até 300, 1.220 e 3.900 metros, respetivamente. Hoje em dia equipa vários outros relógios da linha Professional. O sistema Triplock está identificado sobre a face da coroa por três pontos – de tamanhos diferentes segundo o material da coroa – situados sob o emblema da Rolex.
Pequena obra-prima de tecnologia, qualquer coroa da Rolex é composta por uma dezena de elementos. Tal como a caixa Oyster ou a qualquer bracelete Oyster, Jubilee ou President, o seu fabrico reúne quase todas as etapas de acabamento e exige os mesmos critérios de precisão e qualidade. São utilizados os melhores materiais: polímeros para as juntas de vedação, aços altamente inoxidáveis ou metais preciosos para os componentes mecânicos e elementos estéticos. Primeiramente, a matéria é modelada por trefilação ou estampagem; seguem-se depois as fases de usinagem e de polimento antes da assemblagem dos diversos componentes.
Nos relógios Rolex como na maior parte dos modelos de outras marcas, o facto de a coroa se localizar habitualmente à direita tem uma explicação: sendo destra a maioria dos humanos, usa-se o relógio no pulso esquerdo para que a coroa fique fora da manga e facilmente ao alcance da mão direita. Mas… deve-se tirar sempre o relógio e só então manuseá-lo à vontade, já que se o estiver no pulso é necessário efectuar força lateral e essa pressão pode entortar a coroa.
A coroa deve ter uma forte personalidade, porque é instrumental na utilização de um relógio. Nos modelos mais simples, basta puxá-la para fazer o acerto das horas e dos minutos; quando o relógio tem data, também se acerta através da coroa. E porque é imprescindível existir coroa para que se possa proceder a acertos, era precisamente a coroa o tal ponto vulnerável dos relógios: era através dela que se infiltravam a poeira e a humidade tão nocivas aos mecanismos. Com a Rolex, esse problema ficou definitivamente solucionado e a coroa passou a fazer jus à sua nobre designação.