Alain Silberstein foi uma das grandes estrelas relojoeiras da década de 90 e tem recuperado recentemente o brilho na sequência de cobiçadas colaborações. No espaço de dois dias, foram desveladas mais duas edições limitadas com o estilo daquele que se auto-define como ‘arquiteto relojoeiro’: uma da Louis Erard e outra da Ressence.
O panorama relojoeiro dos anos 90 era bem diferente daquele que se conhece nos dias de hoje — ou não tivessem já passado três décadas. Nesses tempos em que a relojoaria mecânica ainda recuperava da avalanche do quartzo que submergiu o mercado entre 1975 e 1995, vários criadores independentes ombreavam com as marcas mais conhecidas. Franck Muller, Daniel Roth e Alain Silberstein eram nomes de destaque cuja contemporaneidade contrastava com as manufaturas tradicionais e emprestavam um rosto diferente à relojoaria. Mas se Franck Muller e Daniel Roth eram relojoeiros suíços de formação, Alain Silberstein tem origem francesa e uma abordagem estética completamente diferente que tem reaparecido ultimamente em colaborações com algumas marcas independentes que esgotam num ápice; o mesmo deve acontecer com a edições limitadas da Ressence e da Louis Erard agora dadas a conhecer ao público.

No caso da Ressence, é uma estreia absoluta e promovida pelo nosso colega Wei Koh (fundador da revista Revolution) no âmbito da sua nova empresa Grail Watch destinada a criar edições colaborativas. Já no que diz respeito à Louis Erard, trata-se da quarta série com a assinatura do mestre francês, depois de duas Le Régulateur com caixa tradicional (uma de mostrador branco, outra de mostrador preto) e um tríptico de caixa arquitetural moderna em titânio com mostrador preto (La Semaine, Le Régulateur, Le Chrono Monopoussoir); o díptico agora anunciado inclui o La Semaine e o Régulateur com mostradores brancos e a tal caixa modernista em titânio com correia de velcro.
O homem e o arquiteto
Mas, antes de mergulharmos propriamente nas novidades da Ressence e da Louis Erard com a assinatura de Alain Silberstein, convém recordar quem é o mestre francês e qual a sua importância na criação de uma nova relojoaria. E foi uma importância significativa. Quando Alain Silberstein apresentou os seus primeiros relógios na feira de Basileia em 1987, a estupefação foi geral. Relógios mecânicos volumosos numa era dominada por modelos fininhos com movimentos de quartzo e que investiam em ousadas cores garridas pouco utilizadas pelas marcas tradicionais, as chamadas ‘cores primárias’ (vermelho, amarelo, azul). Para mais, os seus relógios garridos e com forte simbologia geométrica (triângulo, circulo, quadrado) vinham acompanhados de complicações mecânicas nobres, como o turbilhão.
Naquela altura era também muito pouco usual para alguém colocar o seu próprio nome no mostrador. E Alain Silberstein fazia acompanhar a sua assinatura do lema ‘Arquiteto Relojoeiro’, abrindo um campo experimental de design pouco visto naquela altura. O mestre francês queixava-se de que a relojoaria suíça criava relógios que pareciam sempre os mesmos. Os da sua marca eram claramente diferenciados. E foram ganhando popularidade ao longo da década de 90, tendo mesmo criado duas edições limitadas de 10 exemplares cada para Portugal — inspiradas no típico azulejo português. Alain Silberstein disse-me mesmo durante a Dubai Watch Week (em novembro do ano passado) que são edições tão acarinhadas pelos compradores que nunca se viu qualquer relógio desses a ser vendido no mercado de segunda mão ou em leilões. Mesmo recorrendo ao Google é muito difícil encontrar imagens dessas edições ‘portuguesas’ impulsionadas por Pedro Torres, que então distribuía a marca no nosso país.

Na transição para o novo milénio, e não sendo Alain Silberstein um gestor, a marca começou a ter alguns problemas financeiros e anunciou mesmo falência mais do que uma vez. Ou seja, a ‘sua’ marca não existe desde 2012 — mas há muitos colecionadores felizes por ter um ou mais exemplares na sua coleção e o próprio Museu do Relógio de Serpa apresenta orgulhosamente um modelo retangular Bolido. Após um hiato de alguns anos, Alain Silberstein regressou primeiramente à cena relojoeira em colaborações restritas com a MB&F e a Romain Jérôme, e mais recentemente, em 2019, pela mão do experiente Manuel Emch, responsável da Louis Erard (que também criou uma colaboração com outra estrela do final dos anos 90, Vianney Halter).

O Le Régulateur de caixa redonda desapareceu num ápice, absorvido pelos saudosistas e conhecedores. Depois veio um sensacional tríptico assente numa estrutura de titânio acompanhada de uma bracelete velcro. Este último lançamento é a sequela desse trio, mas com apenas dois modelos de mostrador branco: o La Semaine e o Le Régulateur.

A nova tiragem Louis Erard x Alain Silberstein é composta por 178 exemplares de cada modelo — 150 individuais mais 28 integrantes de um estojo com as duas versões. O estojo é vendido a 7.777 CHF; cada unidade em separado vale 4.000 CHF. À semelhança do que aconteceu com os três modelos de mostrador preto de 2020 e com os dois redondos de 2019, vai esgotar tudo num ápice e em breve surgiram alguns à venda no mercado secundário por um valor claramente superior ao da compra. O díptico tem a ver com o ‘2’ tão presente no ano 2022, com a dupla Louis Erard x Alain Silberstein e com as duas animações presentes nos modelos escolhidos: o regulador tão caro à marca e o calendário animado tão caraterístico do criador francês.

Na coleção cápsula, talvez o La Semaine Blanche seja o mais apetecível dos dois; à medida que a semana vai avançando rumo ao fim de semana, o disco vai assumindo uma disposição mais risonha! O Le Régulateur Blanche tem a apresentação diferenciada do tempo, com os ponteiros das horas, minutos e segundos em três eixos distintos. Em ambos os casos, são evidentes os códigos estéticos do ‘artista, designer e arquiteto relojoeiro’ francês — inspirados no movimento Bauhaus e na obra de intérpretes dessa corrente gráfica como Gropius, Itten, Maholy-nagy, Kandinsky, Klee, Albers, Bayer e Mies van der Rohe.

Tivemos a oportunidade de experimentar, sob embargo, os dois modelos em Genebra durante a Time to Watches (na semana do Watches and Wonders) e podemos comprovar que são decididamente cool…

Grail Watch ‘Carpe Diem’ Ressence x Alain Silberstein
Os códigos estéticos tão caros a Alain Silbersten surgem interpretados de maneira bem distinta numa nova edição limitada com a Ressence que estreia a atividade de uma companhia criada pelo jornalista e editor Wei Koh, denominada Grail Watch e vocacionada para tiragens especiais. Também tivemos o relógio entre mãos com antecedência e é incrivelmente cool — talvez mesmo o melhor Ressence de sempre. E é tão cool que Max Büsser reservou o número um dos 36 exemplares à venda.

Esperava-se que Alain Silberstein usasse a sua tradicional simbologia geométrica com cores primárias, mas o mestre francês foi por outro caminho. Inspirado por um quadro do compatriota Philippe de Champaigne — denominado ‘Vanitas, Natureza Morta com Tulipa, Caveira e Ampulheta’ — com as imagens de uma tulipa, uma caveira e uma ampulheta numa mesa. «É o que apelido de ‘memento mori’, uma recordação de que o tempo avança e de que cada segundo que passa não pode ser recuperado», diz o mestre francês. A noção de ‘Carpe Diem’ leva-nos a agarrar o momento com audácia e a viver cada dia como se fosse o último.

É essa a temática do Grail Watch 1 Ressence x Alain Silberstein. Baseando-se no inovador conceito relojoeiro da Ressence e num mostrador de fundo azul a tulipa indica as horas, os segundos são representados pela caveira. Em vez da ampulheta, Alain Silberstein recorreu ao ‘seu’ triângulo amarelo para a indicação do dia da semana. Benoît Mintiens, fundador da Ressence, destaca o espírito alegórico imaginado pelo mestre francês que, de certa maneira, contraria o minimalismo por trás da sua marca.

Wei Koh criou a companhia Grail Watch para imaginar relógios colaborativos que destacassem a positividade, um pouco à imagem do que já tinha sucedido com a edições limitadas Bell & Ross ‘Negroni Time’ e ‘Spritz O’Clock’. O Grail Watch 1 Ressence x Alain Silberstein expressa isso mesmo: a recordação de que temos de viver ao máximo cada momento. Já se sabe que Max Büsser reservou o número um — e, segundo Alain Silberstein, Max Büsser representa perfeitamente o aforismo ‘Carpe Diem’. Os restantes 35 exemplares rapidamente serão vendidos, se é que a edição não estiver já esgotada!
